A política de cariz democrático é um mal necessário, é o que nos separa da anarquia ou dum regime tirânico ou totalitário. A participação popular, consubstanciada pelo exercício do voto, é tida como um dos pilares fundamentais da liberdade de expressão. Todavia, estas verdades a la Palice perdem parte da sua pertinência quando a actual conjuntura política está afundada no descrédito.
Comecemos pelo não-pagamento das contribuições do cidadão Pedro Passos Coelho (actual primeiro-ministro de Portugal) para os anos compreendidos entre 1999 e 2004, quando exercia as funções de consultor da Tecnoforma. O visado tratou logo de citar o desconhecimento prévio da situação e queixou-se ainda dos seus detractores estarem a vasculhar a sua vida pessoal. Porém a comentadora Constança Cunha e Sá, em directo no telejornal da TVI, refutou a reclamação do primeiro-ministro, até porque ninguém pode ignorar de que se tratava duma obrigação legal (não devidamente cumprida) diante do Estado Português. É claro que Pedro Passos Coelho regularizou posteriormente a dívida à Segurança Social que entretanto tinha prescrito. Foi sensato e prudente, e esta última atitude atenuou o seu grau de culpabilidade no caso. Contudo, a TVI não se ficou por aqui e emitiu mesmo uma reportagem sobre pessoas que foram surpreendidas com situações semelhantes através de avisos de pagamentos por saldar à Segurança Social. Estes meros cidadãos também se justificaram (mas em vão!) com o desconhecimento da lei e com a não-recepção da devida correspondência documental, mas foram logicamente coagidos, ou pelo menos, obrigados a regularizar, sob pena de penhora imediata, o que estava em falta para com os serviços sociais do Estado. Curioso que aqui já não houve lugar a qualquer prescrição. Sim, esta diferença de tratamento envergonha-me enquanto cidadão português, porque afinal não deveríamos ser todos iguais perante a Constituição? Mas este não foi o único passo errado do primeiro-ministro. Neste âmbito, Pedro Passos Coelho ao apresentar a sua defesa disse que apesar de não ser um cidadão perfeito, afirmou veementemente que nunca enriqueceu à custa dos cargos que desempenhara, numa alusão indirecta mas óbvia a José Sócrates (ex-primeiro ministro que se encontra nos calabouços de Évora; falaremos deste caso mais à frente). Logicamente, viu o seu discurso a ser aplaudido pela plateia que se encontrava na sala, mas provavelmente, não constatou que estava a enveredar por um caminho ousado e pouco construtivo que não se pretende nesta campanha pré-eleitoral que promete ser longa seguramente. A lavagem de roupa suja ou as acusações pessoais afastarão ainda mais as pessoas da actividade política e ninguém poderá cair na tentação perigosa de misturar a política com a justiça. O que todos pretendemos é, sem margem para dúvida, a discussão de programas, projectos e ideias essenciais para o bem-estar do país, e não a revelação dos "podres" dos candidatos que se apresentarem às urnas.
Ainda em relação ao governo de Pedro Passos Coelho, temos de reconhecer, com o devido rigor, que conseguiram apresentar determinadas melhorias no âmbito da economia nacional, algo que até António Costa (principal candidato da oposição) reconheceu diante duma comunidade chinesa. O país está melhor em termos de equilíbrio financeiro e recuperou credibilidade diante dos investidores estrangeiros, mas no panorama social, e apesar da tímida queda da taxa de desemprego (ainda se cifra em números elevados), a verdade é que a miséria se agravou nestes últimos anos. O povo foi chamado a pagar uma elevada factura pela desgovernação que testemunhamos nas duas últimas décadas, e as estatísticas recém-publicadas pela Agência Bloomberg não são ainda nada animadoras. É pois imperioso que o reequilíbrio das contas públicas comece a traduzir-se na melhoria do nível de vida dos portugueses (por exemplo, na diminuição da carga fiscal). O aumento do ordenado mínimo foi, de facto, uma boa noticia, mas são necessárias mais medidas positivas.
Creio que é necessário concluir que o governo de Passos Coelho teve ministros aceitáveis (António Pires de Lima - Ministro da Economia, Paula Teixeira da Cruz - Ministra da Justiça, Assunção Cristãs - Ministra da Agricultura) mas também contou com alguns membros polémicos que estiveram longe de merecer uma consideração positiva por parte da população (Miguel Relvas - ex-Ministro dos Assuntos Parlamentares, Nuno Crato - Ministro da Educação, e Rui Machete - Ministro dos Negócios Estrangeiros...). Ainda em jeito de remate, penso que Portugal se ajoelhou demasiado perante as exigências da Troika, embora admita a importância de algumas medidas pouco populares para inverter o rumo nefasto que o país seguia nos anos derradeiros.
O CDS-PP deverá evidentemente formalizar em breve a sua coligação com o PSD para as próximas legislativas. Os populares foram fundamentais para garantir a coesão e estabilidade do governo. Admito que apreciei a modéstia e o afinco exibidos pelo Ministro da Solidariedade, Trabalho e Segurança Social - Pedro Mota Soares. Todavia, nem tudo foram rosas, e por isso, não deixei de repudiar aquela historieta lamentável da "demissão irrevogável" do vice-primeiro ministro que poderia ter gerado uma crise política desnecessária, e também confesso que me custou a aceitar o arquivamento bizarro do caso dos submarinos (embora este processo nos remeta para outra legislatura).
No Partido Socialista, tem vindo a esfumar-se o optimismo em torno do seu novo rosto máximo - António Costa. Quando este derrotou António José Seguro nas eleições primárias e internas no partido, muitos aclamavam que a sua capacidade galvanizadora iria levar o PS à maioria absoluta, tirando igualmente máximo proveito das políticas impopulares de austeridade levadas a cabo pelo actual governo. As vitórias pirrícas do partido com Seguro tinham terminado, diziam muitos dos apoiantes de Costa. Agora Passos Coelho tinha razões para tremer!!! Contudo, este prisma de observação tornou-se logo num mito rebuscado, aliado ao ressurgimento do descontentamento entre alguns socialistas que esperavam mais de António Costa ao nível da intervenção política. Efectivamente, em nenhuma das sondagens até então apresentadas no decurso dos últimos meses se pode vislumbrar um Partido Socialista próximo da maioria absoluta. Aliás, se a coligação PSD & CDS avançar em conjunto (cenário bastante provável) a diferença entre as duas principais forças políticas é reduzida, para não, dizer ínfima - quase ao ponto de poder haver lugar a um empate técnico. Há membros do partido socialista que começam a desesperar. Manuel Alegre já veio pedir inclusive a demissão de Pedro Passos Coelho porque considera que este "beneficia de absoluta impunidade política". É certo que o primeiro-ministro cometeu um erro grave, mas não ao ponto de justificar a queda dum governo constitucional, já para não relembrar que estamos perto das eleições legislativas, o que torna absurda qualquer eventualidade de demissão. Mas o pior pesadelo do PS aconteceu quando Carlos Alexandre decretou a prisão preventiva de José Sócrates por fortes suspeitas de corrupção; foi quase como uma bomba no interior do partido, visto que a imagem do ex-primeiro ministro estava intimamente associada à história recente do partido. Se ressalvamos, desde já, que este caso não deve ser utilizado na propaganda política (seria mesmo de muito mau gosto se tal acontecesse!), não podemos ignorar contudo que o processo não favoreceu a estratégia do partido, apesar da tentativa posterior de distanciamento (absolutamente compreensível!) dos seus responsáveis máximos em relação a este caso mediático.
Na minha opinião (vale o que vale - é uma análise subjectiva), os socialistas cometeram um erro crasso ao seguir a linha conservadora, optando por António Costa (esteve sempre muito próximo de Mário Soares e José Sócrates) em detrimento de António José Seguro, o qual poderia assegurar o necessário rejuvenescimento do partido (aliás, há-que renascer transversalmente a forma de fazer política em Portugal!). Contudo, este último, que deu a cara pelo partido nos maus momentos, foi escorraçado com sete pedras e nunca mais se ouviu falar nele. Mário Soares chegou mesmo a arrasar o ex-Secretário-Geral do PS, acumulando outras declarações deprimentes ao longo destes últimos cinco anos. Mas António José Seguro bateu-se por merecer a oportunidade de ir às legislativas, porém não lhe foi confiada a circunstância. Voltando a António Costa, e mais concretamente em relação à presidência que tem exercido na Câmara de Lisboa, também se veicularam algumas polémicas, nomeadamente a cobrança de novas taxas turísticas aos visitantes da capital (parece que depois a Câmara recuou à última da hora e não abrangeu assim na tarifa os cidadãos com residência em Portugal) e a isenção ridícula de taxas urbanísticas a um clube de futebol (tem que se acabar definitivamente com essas simpatias de excentricidade ou proteccionismo perante os três principais clubes nacionais - o dinheiro público deve ser sim investido em questões mais urgentes como a Educação ou a Saúde). Mesmo assim há-que reconhecer que António Costa conseguiu, pelo menos, segurar a vantagem mínima do PS nas sondagens (embora não tenha conseguido, até ver, ampliá-la), o que lhe concede algum favoritismo. Mas para atingir os números que logicamente deseja, terá que mostrar uma maior eloquência e determinação nos discursos que proclamará nos próximos meses e silenciar definitivamente os argumentos dos seus críticos.
Longe dos dois principais partidos que disputam o poder, temos o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. Estes podem até conquistar mais votos e assentos parlamentares nas próximas eleições, mas nenhum deles gozará duma popularidade sensacional à semelhança dum Podemos ou dum Syriza, partidos de esquerda que agora se tornaram "colossos" em Espanha e Grécia respectivamente - dois países mediterrânicos afectados curiosamente pela saga da austeridade. Em termos de opinião pública, as suas intervenções são logo rotuladas (sobretudo pelos detractores) de demagogia e populismo, de se restringirem à oposição básica e de não oferecerem um programa "realista" para o país. No Partido Comunista, Jerónimo de Sousa é consensual entre os militantes e simpatizantes, contudo denota sérias dificuldades em convencer seguidores não-comunistas a juntarem-se à sua causa. No Bloco de Esquerda, houve mudanças nos últimos anos ao nível da liderança, mas o entusiasmo que chegou a registar-se inicialmente em torno de Francisco Louçã (um político repleto de transparência e sabedoria que mereceu o meu maior respeito) acabou por se esmorecer, e o partido pode inclusive ser ultrapassado pelo novo partido... de Marinho Pinto!
Sim, o Partido Democrático Republicano, encabeçado pelo ex-bastonário da Ordem dos Advogados, está agora bem posicionado para eleger deputados para a Assembleia da República. Conta com 4 a 5 % das intenções de voto. O carisma de Marinho Pinto contribui para essa estatística promissora. Trata-se dum homem que não tem medo de dizer o que pensa e que revela enorme frontalidade nos assuntos mais polémicos. Porém também já se afundou em algumas contradições (por exemplo, criticou as elevadas remunerações dos eurodeputados, mas quando foi eleito, não abdicou por exemplo de parte do majestoso salário que viria a auferir), acabando o seu discurso por conter tons de demagogia e populismo, isto de acordo, com a leitura dos seus adversários.
Em jeito de síntese, a vitória nas legislativas de 2015 será disputada entre o PS (com ligeiro favoritismo) e o PSD&CDS, mas não haverá maiorias absolutas para ninguém, e já há mesmo quem fale num bloco central envolvendo os três partidos que assinaram o Memorando da Troika.
Neste momento, sinto-me profundamente abalado pela descrença na nossa classe política nacional. Nos últimos tempos, foram vários os casos vergonhosos que me fizeram ainda afastar mais daquilo que deveria ser uma arte de gerir bem os destinos da nação. Pela primeira vez, estou às portas dumas eleições e não sei em quem votar. Confesso que não detenho qualquer convicção nem inclinação partidária para as legislativas que se avizinham. Estou bastante desiludido com os partidos portugueses. Faço minhas as palavras que Florbela Espanca uma dia proferiu na sua correspondência: "A respeito de política (...) eu continuo a não ter fé em ninguém e a achar todos os mesmos."
Facto é que o país continua a viver bem de perto os fenómenos de corrupção, nepotismo, cunhas, tráficos de influência, elevado desemprego, emprego precário... Não posso estar satisfeito, e penso que é legítimo pedir mais! Mas como fazê-lo?
A minha indecisão reside agora em juntar-me aos números assombrosos e hegemónicos da abstenção, ou se irei acordar muito bem disposto no "grande" dia da eleição, e depois de tomar um café inspirador, talvez aproveite a boleia para dar um salto às urnas, mas sem obviamente recorrer a qualquer caneta ilusória.
Artigo de opinião