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terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Poema do Mês de Dezembro de 2019


Quando Está Frio no Tempo do Frio
(Poema da autoria de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa)


Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência das coisas
O natural é o agradável só por ser natural.

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no facto de aceitar
No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
Da mesma inevitável exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do Verão
E o frio da terra no cimo do Inverno.

Aceito por personalidade.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência.
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer coisa que não fosse o Mundo.




Imagem nº 1 - O célebre poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) utilizou vários heterónimos para expressar os seus diversos estados de espírito.

Cartoon do Mês de Dezembro de 2019





Imagem nº 1 - Jorge Jesus conquistaria, ao serviço do Flamengo, o Brasileirão e a Copa dos Libertadores. O técnico português conseguiu colocar a equipa do Rio de Janeiro a bater-se de igual para igual, na final do Mundial de Clubes, com o Liverpool de Jurgen Klopp, actualmente a melhor equipa do mundo. 
Jorge Jesus é visto como um herói no Brasil, em particular no Rio de Janeiro.
Cartoon da autoria de Vasco Gargalo 
(o qual se encontra presente em: https://www.cartoonmovement.com/)

Foto do Mês de Dezembro de 2019





Imagem nº 1 - A chegada da jovem sueca de 16 anos, Greta Thunberg, a Lisboa viria a ser um dos momentos altos do mês de Dezembro. Em breve, ela iria dirigir-se rumo a Madrid (Espanha) de forma a participar na  25ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas
 Após várias intervenções públicas em prol do equilíbrio ambiental, ela viria a ser considerada como a Personalidade do Ano para a Revista Time. 

Vem aí o Novo Ano


Em linhas gerais, o ano de 2019 apresentou-se como digno em Esmoriz. 
A Junta de Freguesia de Esmoriz continuou a manter alguma dinâmica (através da Universidade Sénior de Esmoriz e dos seus gabinetes), apesar das claras restrições financeiras que têm sido visíveis e que impedem uma actuação mais abrangente.
Da autarquia, esperava sinceramente muito mais, tendo em conta a sua capacidade financeira para realizar uma imensidão de investimentos. O ano terminou com algumas ruas reabilitadas (por exemplo, foi o caso da rua dos Tanoeiros) e essa foi talvez a principal contribuição. Por outro lado, o Jardim do Ancoradouro viria a apresentar uma interface mais funcional e organizada.
De resto, e apesar do apoio à dinamização festiva (sobretudo na época balnear), continua a faltar verdadeiramente um plano estratégico e estrutural que se equipare à exigência de uma cidade. 
Ainda em termos de obra, ainda não foi neste ano que se concretizou a requalificação do Esmoriztur, mas espera-se que aconteça para o próximo ano até porque as obras já começaram. Na Barrinha de Esmoriz, realizaram-se mais intervenções de desassoreamento. Acreditamos que a lagoa recuperou um pouco do seu caudal, no entanto, estas acções devem merecer continuidade no futuro, senão daqui a dois ou três anos, voltaremos à mesma situação que se vislumbrava no início desta década.
Noutro prisma de observação, constatámos que o investimento municipal per capita relativo a Esmoriz alcançou valores muito baixos nos anos de 2018 e 2019, e isso deverá merecer uma reflexão por parte do executivo autárquico. Os dados estatísticos já foram aqui revelados, ficando bem expressa a nossa preocupação.
Relativamente a 2020, o que devemos esperar? Da parte da autarquia, aguarda-se a reabilitação de mais algumas ruas, a reabertura do Esmoriztur (será o evento mais importante do próximo ano!), a eventual instalação de um Posto de Turismo em Esmoriz (está contemplado no orçamento municipal do próximo ano) e algumas intervenções na frente do mar. Por seu turno, a Junta de Freguesia de Esmoriz continuará a apoiar os seus gabinetes de apoio a nível social e a dinâmica da Universidade Sénior de Esmoriz, além de organizar o certame magistral do Arraial da Barrinha. Mas não há capacidade de investimento para muito mais, o que limita bastante a sua esfera de actuação.
Quanto aos projectos eternamente adiados, não acredito (infelizmente!) que 2020 nos traga já as reabilitações da Escola Secundária de Esmoriz, do Palacete dos Castanheiros e da Estação Ferroviária de Esmoriz. Também ofícios (e lugares) tradicionais como a Tanoaria, a Arte Xávega e a arquitectura em torno dos Palheiros continuarão a resistir, com heroísmo e coragem, aos tempos modernos, mas é imperioso repensar melhores apoios e medidas para ajudar a preservar todo este património.
Por fim, estou certo – e esta é a grande vitória da identidade esmorizense – que as nossas colectividades (ligadas à cultura, sociedade, desporto…) irão continuar a honrar os pergaminhos da nossa terra, tanto cá dentro como no exterior. Elas preenchem a vida da nossa urbe com os seus eventos e iniciativas. Sem elas, Esmoriz perderia metade do seu encanto. Um bem-haja ao trabalho desenvolvido por elas nas mais diversas áreas.
Resta-nos desejar a todos os nossos leitores umas excelentes entradas e um próspero ano de 2020.
Foi uma honra ter-vos connosco em 2019, espero que continuem a seguir-nos no próximo ano.
 
 
 
 
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Imagem nº 1 - Esmoriz voltará a deparar-se com vários desafios em 2020.
Foto meramente exemplificativa retirada de: http://ocantinhodastias.blogspot.com

Um balanço introspectivo...

O nosso blogue celebrou oficialmente 7 anos de existência em 2019.
Foi um ano especial que justificou a criação ou a renovação de algumas rubricas destinadas a assinalar este marco. Dentro deste contexto, a rubrica Entrevistas com Memória voltou a ser uma aposta que justificou assim questionários a cerca de 12 personalidades relevantes, sobretudo de candidatos propostos pelos partidos do círculo de Aveiro no âmbito da preparação para as eleições legislativas. Por outro lado, a rubrica Câmara Oculta continuou a maravilhar os leitores com as imagens mais belas sobre a cidade de Esmoriz. Isto sem esquecer a rubrica Versos Cá Da Terra que já alcançou as 30 edições e que reúne alguns dos poemas mais bem conseguidos então redigidos por esmorizenses.
Em termos de audiências, o ano de 2019 não foi tão bom como desejaríamos. Ao contrário de anos repletos de êxito, tais como 2016 e 2017, a verdade é que, ao longo deste ano, tivemos cerca de 120 ou 125 mil visitas. É um resultado que, não sendo negativo, assume uma dimensão razoável. Já alcançámos fasquias bem maiores, nomeadamente acima das 200/250 mil visitas anuais. É um aviso claro de que temos de melhorar.
Neste momento, estamos a ponderar a criação de novas rubricas, mas tudo se encontra ainda numa fase embrionária.
Ao todo, e desde a fundação do blogue em 2012, já passámos a barreira de um milhão de visualizações, e no próximo ano, o objectivo será alcançar um milhão e meio de visualizações totais, fazendo com que o nosso site se afirme definitivamente como uma das 25 referências jornalísticas digitais do distrito de Aveiro.
Como é lógico, continuaremos a contar convosco desse lado. Sem vós, nada disto seria possível. 
Da nossa parte, garantiremos o máximo de isenção e, apesar de algumas imprecisões (motivadas por outras ocupações que não nos permitem uma total disponibilidade para cobrir todo o tipo de eventos), iremos continuar a dar o nosso melhor. 
Prometemos e iremos cumprir!
Que o oitavo ano (2020) honre o historial deste blogue bem como os seus leitores!
É o que mais desejamos! 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Bombeiros de Esmoriz ajudam a salvar foca

Foi hoje notícia o resgate bem-sucedido de uma foca bebé que deu à costa no concelho de Ovar, mais concretamente na Praia de São Pedro de Maceda. Os Bombeiros Voluntários de Esmoriz mobilizaram uma viatura com três operacionais, tendo ainda sido apoiados pela RAMM (Rede Apoio Mamíferos Marítimos). Sabemos ainda que a Polícia Marítima e pelo ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas) estiveram no local e coordenaram a intervenção.
A foca bebé foi recolhida com vida, tendo sido levada para o centro RAMM da Gafanha de Nazaré onde seria submetida a exames. 




Direitos da Foto - Grupo de Comunicação e Imagem dos Bombeiros Voluntários de Esmoriz

Semáforos intermitentes no centro da cidade

É uma situação que já se arrasta há, pelo menos, duas semanas. Os semáforos têm estado desligados ou intermitentes no cruzamento da Avenida 29 de Março, sito no centro da cidade de Esmoriz. Apesar de não ter ocorrido ainda qualquer desastre grave, a verdade é que já se registaram algumas manobras in extremis por parte de condutores que poderiam ter resultado em acidentes. 
O tráfego tem sido mais intenso nesta quadra festiva, pelo que se recomenda a resolução célere deste assunto por parte das entidades competentes.



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Foto meramente exemplificativa retirada de: https://omunicipio.com.br/gbtran-estudara-tornar-intermitente-semaforo-no-centro-de-guabiruba/


Nota de Actualização: Pelo que nos acabaram de informar, a sinalização luminosa terá sido reposta na tarde desta segunda-feira. É, sem dúvida, uma boa notícia após cerca de duas semanas em que aquela esteve apagada ou intermitente. 

Workshop abordará a importância de se criar um bom currículo

Como aprender a fazer um currículo inovador ou promover um plano de marketing pessoal?
Não perca no próximo sábado à tarde (14:30-18:30) esta iniciativa que promete oferecer ferramentas que sejam uma mais-valia para a evolução de cada um! O evento terá lugar no auditório do Museu Escolar Oliveira Lopes em Válega e será promovido pelo Pelouro da Juventude da Câmara Municipal de Ovar.
A entrada é livre!
Os interessados devem inscrever-se em: https://bit.ly/2sLtsBV.






sábado, 28 de dezembro de 2019

Versos Cá da Terra XXX


Aquele Abraço…
(Poema da autoria de Sandra Rocha)


Abraça-me…

Abraçamo-nos…

Laço, entrelaço, fim do embaraço.

Atenuante para a dor,

A materialização do Amor…

O Abraço é energia, é vida,

É partilha, sem medida.

O Abraço é sopro de vento,

É caminho de Luz…

É carinho, é alento,

Sinal de Pista que nos conduz.

É Silêncio, são as palavras perfumadas

De incenso defumadas…

É cheiro a rosas, é uma mina de pedras preciosas…

Abraço é fresco, é saudade,

É presença, é a terapia da Alegria,

É voar, é Liberdade,

É a noite, é o dia,

É o rio, é o mar, é sentir, é querer…

É receber, é dar, é Comungar.

Abraço suave, contido, intenso,

Apertado, é o desejo materializado.

O Abraço é a lua e o sol,

As Estrelas, a toupeira e o caracol…

Abraço é corpo e alma,

É terra, é fogo, é água, é ar, é poço de sabedoria…

Misturado com um olhar.

O Abraço por si só comunica,

Abraço é a fonte e tu és a bica…

Abraço é transformação, não é indiferente,

É leito, é maturação,

É vida para quem o sente.

Abraços são os sonhos teus e meus,

Unidos na perfeição, no Abraço o Amor de Deus,

Que aquece o coração…

Abraço é abrir-se ao outro, é encaixar unindo-se como iguais,

É o nó da amizade, coração a palpitar,

Onde um Abraço chega mas quer-se sempre mais…

Abraço é Saúde, é Paz, é Força, é Magia…

É a fonte imensurável da Alegria, da Fé…

É Felicidade, é Verdade, simplesmente É…

Receber e dar Abraço entre laço e entrelaço de Calor,

É a materialização do Amor, é Aquele Abraço…




Fevereiro, 2009
Sandra M. Rocha




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Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://www.contioutra.com/um-abraco-no-momento-certo-pode-ser-curador/

"Festa da Sagrada Família" realiza-se neste Domingo

O novo pároco Manuel Mendes está a procurar dinamizar algumas actividades de apoio às Famílias... 
No próximo Domingo, a Liturgia da Igreja celebra a Festa da Sagrada Família.
Convidam-se assim todos os que celebraram o seu Matrimónio nos últimos 10 anos para darem graças a Deus.
A iniciativa começa às 10 horas, no Centro Paroquial, com um café e uma conversa, seguida de uma Eucaristia às 11 horas.





Convite da Paróquia de Santa Maria de Esmoriz

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Votos de Boas Festas

O Natal está aí à porta, pelo que aproveitamos para deixar votos de boas festas aos nossos leitores e aos esmorizenses em geral. 
Desejamos a todos um excelente Natal repleto de alegria, carinho e fraternidade, e um ano novo que seja mais próspero ou que, pelo menos, se mantenha na linha dos anos anteriores.
As famílias devem aproveitar estes dias mágicos para viver momentos inesquecíveis.
Não interessa o valor material das coisas, mas sim a harmonia e o carácter sentimental que envolvem estas celebrações.
Um Bom Natal e um Feliz Ano Novo para todos!



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Imagem meramente exemplificativa retirada de: http://ml.ci.uc.pt/

"Natal, e não Dezembro" - Poema Natalício


Natal, e não Dezembro
(Poema da autoria de David Mourão-Ferreira; 1927-1996)


Natal, e não Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.




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Imagem retirada da Página Comunidade Católica Shalom 

Noite de Natal - Conto de Sophia Mello Breyner


O amigo

Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta.

No jardim havia tílias, bétulas, um cedro muito antigo, uma cerejeira e dois plátanos. Era debaixo do cedro que Joana brincava. Com musgo e ervas e paus fazia muitas casas pequenas encostadas ao grande tronco escuro. Depois imaginava os anõezinhos que, se existissem, poderiam morar naquelas casas. E fazia uma casa maior e mais complicada para o rei dos anões.

Joana não tinha irmãos e brincava sozinha. Mas de vez em quando vinham brincar os dois primos ou outros meninos. E, às vezes, ela ia a uma festa. Mas esses meninos a casa de quem ela ia e que vinham a sua casa não eram realmente amigos: eram visitas. Faziam troça das suas casas de musgo e maçavam-se imenso no seu jardim.

E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha.

Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro.

Joana estava encarrapitada no muro. E passou pela rua um garoto. Estava todo vestido de remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Caminhava devagar pela beira do passeio sorrindo às folhas do Outono. O coração de Joana deu um pulo na garganta.

— Ah! — disse ela. E pensou:

«Parece um amigo. É exactamente igual a um amigo.» E do alto do muro chamou-o:

— Bom dia!

O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:

— Bom dia!

Ficaram os dois um momento calados.

Depois Joana perguntou:

— Como é que te chamas?

— Manuel — respondeu o garoto.

— Eu chamo-me Joana.

E de novo entre os dois, leve e aéreo, passou um silêncio. Ouviu-se tocar ao longe o sino de uma quinta. Até que o garoto disse:

— O teu jardim é muito bonito.

— É, vem ver.

Joana desceu do muro e foi abrir o portão.

E foram os dois pelo jardim fora. O rapazinho olhava uma por uma cada coisa. Joana mostrou-lhe o tanque e os peixes vermelhos. Mostrou-lhe o pomar, as laranjeiras e a horta. E chamou os cães para ele os conhecer. E mostrou-lhe a casa da lenha onde dormia um gato. E mostrou-lhe todas as árvores e as relvas e as flores.

— É lindo, é lindo — dizia o rapazinho gravemente. — Aqui — disse Joana — é o cedro. É aqui que eu brinco. E sentaram-se sob a sombra redonda do cedro.

A luz da manhã rodeava o jardim: tudo estava cheio de paz e de frescura. Às vezes do alto de uma tília caía uma folha amarela que dava voltas no ar.

Joana foi buscar pedras, paus e musgo e começaram os dois a construir a casa do rei dos anões.

Brincaram assim durante muito tempo.

Até que ao longe apitou uma fábrica.

— Meio-dia — disse o garoto — tenho de me ir embora.

— Onde é que tu moras?

— Além nos pinhais.

— É lá a tua casa?

— É, mas não é bem uma casa.

— Então?

— O meu pai está no céu. Por isso somos muito pobres. A minha mãe trabalha todo o dia mas não temos dinheiro para ter uma casa.

— Mas à noite onde é que dormes?

— O dono dos pinhais tem uma cabana onde de noite dormem uma vaca e um burro. E por esmola dá-me licença de dormir ali também.

— E onde é que brincas?

— Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no passeio e nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com trapos e com pedras. Agora brinco no pinhal e na estrada. Brinco com as ervas, com os animais e com as flores. Pode-se brincar em toda a parte.

— Mas eu não posso sair deste jardim. Volta amanhã para brincar comigo.

E daí em diante todas as manhãs o rapazinho passava pela rua. Joana esperava-o empoleirada em cima do muro.

Abria-lhe a porta e iam os dois sentar-se sob a sombra redonda do cedro.

E foi assim que Joana encontrou um amigo.

Era um amigo maravilhoso. As flores voltavam as suas corolas quando ele passava, a luz era mais brilhante em seu redor e os pássaros vinham comer na palma das suas mãos as migalhas de pão que Joana ia buscar à cozinha.



A festa

Passaram muitos dias, passaram muitas semanas até que chegou o Natal.

E no dia de Natal Joana pôs o seu vestido de veludo azul, os seus sapatos de verniz preto e muito bem penteada às sete e meia saiu do quarto e desceu a escada.

Quando chegou ao andar de baixo ouviu vozes na sala grande; eram as pessoas crescidas que estavam lá dentro. Mas Joana sabia que tinham fechado a porta para ela não entrar. Por isso foi à casa de jantar ver se já lá estavam os copos.

Os copos passavam a sua vida fechados dentro de um grande armário de madeira escura que estava no meio do corredor. Esse armário tinha duas portas que nunca se abriam completamente e uma grande chave. Lá dentro havia sombras e brilhos. Era como o interior de uma caverna cheia de maravilhas, e segredos. Estavam lá fechadas muitas coisas, coisas que não eram precisas para a vida de todos os dias, coisas brilhantes e um pouco encantadas: loiças, frascos, caixas, cristais e pássaros de vidro. Até havia um prato com três maçãs de cera e uma menina de prata que era uma campainha. E também um grande ovo de Páscoa feito de loiça encarnada com flores doiradas.

Joana nunca tinha visto bem até ao fundo do armário. Não tinha licença de o abrir. Só conseguia que a criada às vezes a deixasse espreitar entre as duas portas.

Nos dias de festa, do fundo das sombras do interior do armário saíam os copos. Saíam claros, transparentes e brilhantes tilintando no tabuleiro. E para Joana aquele barulho de cristal a tilintar era a música das festas.

Joana deu uma volta à roda da mesa. Os copos já lá estavam, tão frios e luminosos que mais pareciam vindos do interior de uma fonte de montanha do que do fundo de um armário. As velas estavam acesas e a sua luz atravessava o cristal. Em cima da mesa havia coisas maravilhosas e extraordinárias: bolas de vidro, pinhas douradas e aquela planta que tem folhas com picos e bolas encarnadas. Era uma festa. Era o Natal.

Então Joana foi ao jardim. Porque ela sabia que nas Noites de Natal as estrelas são diferentes.

Abriu a porta e desceu a escada da varanda. Estava muito frio, mas o próprio frio brilhava. As folhas das tílias, das bétulas e das cerejeiras tinham caído. Os ramos nus desenhavam-se no ar como rendas pretas. Só o cedro tinha os seus ramos cobertos.

E muito alto, por cima das árvores, era a escuridão enorme e redonda do céu. E nessa escuridão as estrelas cintilavam, mais claras do que tudo. Cá em baixo era uma festa e por isso havia muitas coisas brilhantes: velas acesas, bolas de vidro, copos de cristal. Mas no céu havia uma festa maior, com milhões e milhões de estrelas.

Joana ficou algum tempo com a cabeça levantada. Não pensava em nada. Olhava a imensa felicidade da noite no alto céu escuro e luminoso, sem nenhuma sombra.

Depois voltou para casa e fechou a porta. — Ainda falta muito tempo para o jantar? — perguntou ela a uma criada que ia a atravessar o corredor.

— Ainda falta um bocadinho, menina — disse a criada. Então Joana foi à cozinha ver a cozinheira Gertrudes, que era uma pessoa extraordinária porque mexia nas coisas quentes sem se queimar e nas facas mais aguçadas sem se cortar, e mandava em tudo, e sabia tudo. Joana achava-a a pessoa mais importante que ela conhecia.

A Gertrudes tinha aberto o forno e estava debruçada sobre os dois perus do Natal. Virava-os e regava-os com molho. A pele dos perus, muito esticada sobre o peito recheado, já estava toda doirada.

— Gertrudes, ouve uma coisa — disse Joana.

A Gertrudes levantou a cabeça e parecia tão assada como os perus.

— O que é? — perguntou ela.

— Que presentes é que achas que eu vou ter?

— Não sei — disse Gertrudes —, não posso adivinhar.

Mas Joana tinha a maior confiança na sabedoria de Gertrudes e por isso continuou a fazer perguntas.

— E achas que o meu amigo vai ter muitos presentes?

— Qual amigo? — disse a cozinheira.

— O Manuel.

— O Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns.

— Não vai ter presentes nenhuns!?

— Não — disse a Gertrudes abanando a cabeça.

— Mas porquê, Gertrudes?

— Porque é pobre. Os pobres não têm presentes.

— Isso não pode ser, Gertrudes.

— Mas é assim mesmo — disse a Gertrudes fechando a tampa do forno.

Joana ficou parada no meio da cozinha. Tinha compreendido que era «assim mesmo».

Porque ela sabia que a Gertrudes conhecia o mundo. Todas as manhãs a ouvia discutir com o homem do talho, com a peixeira e com a mulher da fruta. E ninguém a podia enganar. Porque ela era cozinheira há trinta anos. E há trinta anos que ela se levantava às sete da manhã e trabalhava até às onze da noite. E sabia tudo o que se passava na vizinhança e tudo o que se passava dentro das casas de toda a gente. E sabia todas as notícias, e todas as histórias das pessoas. E conhecia todas as receitas de cozinha, sabia fazer todos os bolos e conhecia todas as espécies de carnes, de peixes, de frutas e de legumes. Ela nunca se enganava. Conhecia bem o mundo, as coisas e os homens.

Mas o que a Gertrudes tinha dito era esquisito como uma mentira. Joana ficou calada a cismar no meio da cozinha.

De repente abriu-se a porta e apareceu uma criada que disse:

— Já chegaram os primos.

Então Joana foi ter com os primos.

Daí a uns minutos apareceram as pessoas grandes e foram todos para a mesa.

Tinha começado a festa do Natal.

Havia no ar um cheiro de canela e de pinheiro. Em cima da mesa tudo brilhava: as velas, as facas, os copos, as bolas de vidro, as pinhas doiradas. E as pessoas riam e diziam umas às outras: «Bom Natal». Os copos tilintavam com um barulho de alegria e de festa. E vendo tudo isto Joana pensava:

— Com certeza que a Gertrudes se enganou. O Natal é uma festa para toda a gente. Amanhã o Manuel vai-me contar tudo. Com certeza que ele também tem presentes.

E consolada com esta esperança Joana voltou a ficar quase tão alegre como antes.

O jantar do Natal era igual ao de todos os anos.

Primeiro veio a canja, depois o bacalhau assado, depois os perus, depois os pudins de ovos, depois as rabanadas, depois os ananases.

No fim do jantar levantaram-se todos, abriu-se de par em par a porta e entraram na sala.

As luzes eléctricas estavam apagadas. Só ardiam as velas do pinheiro.

Joana tinha nove anos e já tinha visto nove vezes a árvore do Natal. Mas era sempre como se fosse a primeira vez. Da árvore nascia um brilhar maravilhoso que pousava sobre todas as coisas. Era como se o brilho de uma estrela se tivesse aproximado da Terra. Era o Natal. E por isso uma árvore se cobria de luzes e os seus ramos se carregavam de extraordinários frutos em memória da alegria que, numa noite muito antiga, se tinha espalhado sobre a Terra.

E no presépio as figuras de barro, o Menino, a Virgem, São José, a vaca e o burro, pareciam continuar uma doce conversa que jamais tinha sido interrompida. Era uma conversa que se via e não se ouvia.

Joana olhava, olhava, olhava.

Às vezes lembrava-se do seu amigo Manuel.

Um dos primos puxou-a por um braço.

— Joana, ali estão os teus presentes.

Joana abriu um por um os embrulhos e as caixas: a boneca, a bola, os livros cheios de desenhos a cores, a caixa de tintas.

À sua volta todos riam e conversavam.

Todos mostravam uns aos outros os presentes que tinham tido, falando ao mesmo tempo.

E Joana pensava:

— Talvez o Manuel tenha tido um automóvel.

E a festa do Natal continuava.

As pessoas grandes sentaram-se nas cadeiras e nos sofás a conversar e as crianças sentaram-se no chão a brincar.

Até que alguém disse:

— São onze horas e meia. São quase horas da missa. E são horas de as crianças se irem deitar.

Então as pessoas começaram a sair.

O pai e a mãe de Joana também saíram.

— Boa noite, minha querida. Bom Natal — disseram eles.

E a porta fechou-se.

Daí a um instante saíram as criadas.

A casa ficou muito silenciosa. Tinham ido todos para a Missa do Galo, menos a velha Gertrudes, que estava na cozinha a arrumar as panelas.

E Joana foi à cozinha. Era a altura boa para falar com a Gertrudes.

— Bom Natal, Gertrudes — disse Joana.

— Bom Natal — respondeu a Gertrudes. Joana calou-se um momento. Depois perguntou:

— Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade?

— O que é que eu disse?

— Disseste que o Manuel não ia ter presentes de Natal porque os pobres não têm presentes.

— Está claro que é verdade. Eu não digo fantasias: não teve presentes, nem árvore do Natal, nem peru recheado, nem rabanadas. Os pobres são os pobres. Têm a pobreza.

— Mas então o Natal dele como foi?

— Foi como nos outros dias.

— E como é nos outros dias?

— Uma sopa e um bocado de pão.

— Gertrudes, isso é verdade?

— Está claro que é verdade. Mas agora era melhor que a menina se fosse deitar porque estamos quase na meia-noite.

— Boa noite — disse Joana. E saiu da cozinha.

Subiu a escada e foi para o seu quarto. Os seus presentes de Natal estavam em cima da cama. Joana olhou-os um por um. E pensava:

— Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. São tal e qual os presentes que eu queria. Deram-me tudo o que queria. Mas ao Manuel ninguém deu nada.

E sentada na beira da cama, ao lado dos presentes, Joana pôs-se a imaginar o frio, a escuridão e a pobreza. Pôs-se a imaginar a Noite de Natal naquela casa que não era bem uma casa, mas um curral de animais.

«Que frio lá deve estar!», pensava ela.

«Que escuro lá deve estar!», pensava ela.

«Que triste lá deve estar!», pensava.

E começou a imaginar o curral gelado e sem nenhuma luz onde Manuel dormia em cima das palhas, aquecido só pelo bafo de uma vaca e de um burro.

— Amanhã vou-lhe dar os meus presentes — disse ela. Depois suspirou e pensou:

«Amanhã não é a mesma coisa. Hoje é que é a Noite de Natal.»

Foi à janela, abriu as portadas e através dos vidros espreitou a rua. Ninguém passava. O Manuel estava a dormir. Só viria na manhã seguinte. Ao longe via-se uma grande sombra escura: era o pinhal.

Então ouviu, vindas da Torre da Igreja, fortes e claras, as doze pancadas da meia-noite.

«Hoje», pensou Joana, «tenho de ir hoje. Tenho de ir lá agora, esta noite. Para que ele tenha presentes na Noite de Natal.»

Foi ao armário tirou um casaco e vestiu-o. Depois pegou na bola, na caixa de tintas e nos livros. Apetecia-lhe levar também a boneca, mas ele era um rapaz e com certeza não gostava de bonecas.

Pé ante pé Joana desceu a escada. Os degraus estalaram um por um. Mas na cozinha a Gertrudes fazia muito barulho a arrumar as panelas e não a ouviu.

Na sala de jantar havia uma porta que dava para o jardim. Joana abriu-a e saiu, deixando-a ficar só fechada no trinco.

Depois atravessou o jardim. O Alex e a Ghiribita ladraram.

— Sou eu, sou eu — disse Joana.

E os cães, ouvindo a sua voz, calaram-se.

Então Joana abriu a porta do jardim e saiu.

A estrela

Quando se viu sozinha no meio da rua teve vontade de voltar para trás. As árvores pareciam enormes e os seus ramos sem folhas enchiam o céu de desenhos iguais a pássaros fantásticos. E a rua parecia viva. Estava tudo deserto. Àquela hora não passava ninguém. Estava toda a gente na Missa do Galo. As casas, dentro dos seus jardins, tinham as portas e as janelas fechadas. Não se viam pessoas, só se viam coisas. Mas Joana tinha a impressão de que as coisas a olhavam e a ouviam como pessoas.

«Tenho medo», pensou ela.

Mas resolveu caminhar para a frente sem olhar para nada.

Quando chegou ao fim da rua virou à direita e meteu a um atalho entre dois muros. E no fim do atalho encontrou os campos, planos e desertos. Ali, sem muros nem árvores nem casas, a noite via-se melhor. Uma noite altíssima e redonda e toda brilhante.

O silêncio era tão forte que parecia cantar. Muito ao longe via- se a massa escura dos pinhais.

«Será possível que eu chegue até lá?», pensou Joana.

Mas continuou a caminhar.

Os seus pés enterravam-se nas ervas geladas. Ali no descampado soprava um curto vento de neve que lhe cortava a cara como uma faca.

«Tenho frio», pensou Joana.

Mas continuou a caminhar.

À medida que se ia aproximando dele, o pinhal ia-se tornando maior. Até que ficou enorme.

Joana parou um instante no meio dos campos.

«Para que lado ficará a cabana?», pensou ela.

E olhava em todas as direcções à procura de um rasto.

Mas à sua direita não havia rasto, à sua esquerda não havia rasto e à sua frente não havia rasto.

«Como é que hei-de encontrar o caminho?», perguntava ela.

E levantou a cabeça.

Então viu que no céu, lentamente, uma estrela caminhava.

«Esta estrela parece um amigo», pensou ela.

E começou a seguir a estrela.

Até que penetrou no pinhal. Então num instante as sombras fizeram uma roda à sua volta. Eram enormes, verdes, roxas, pretas e azuis, e dançavam com grandes gestos. E a brisa passava entre as agulhas dos pinheiros, que pareciam murmurar frases incompreensíveis. E vendo-se assim rodeada de vozes e de sombras Joana teve medo e quis fugir. Mas viu que no céu, muito alto, para além de todas as sombras, a estrela continuava a caminhar. E seguiu a estrela.

Já no meio do pinhal pareceu-lhe ouvir passos.

«Será um lobo?», pensou.

Parou a escutar. O barulho dos passos aproximava-se. Até que viu surgir entre os pinheiros um vulto muito alto que vinha caminhando ao seu encontro.

«Será um ladrão?», pensou.

Mas o vulto parou na sua frente e ela viu que era um rei. Tinha na cabeça uma coroa de oiro e dos seus ombros caía um longo manto azul todo bordado de diamantes.

— Boa noite — disse Joana.

— Boa noite — disse o rei. — Como te chamas?

— Eu, Joana — disse ela.

— Eu chamo-me Melchior — disse o rei. E perguntou:

— Onde vais sozinha a esta hora da noite?

— Vou com a estrela — disse ela.

— Também eu — disse o rei —, também eu vou com a estrela.

E juntos seguiram através do pinhal.

E de novo Joana ouviu passos. E um vulto surgiu entre as sombras da noite.

Tinha na cabeça uma coroa de brilhantes e dos seus ombros caía um grande manto vermelho coberto de muitas esmeraldas e safiras.

— Boa noite — disse ela. — Chamo-me Joana e vou com a estrela.

— Também eu — disse o rei —, também eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar.

E seguiram juntos através dos pinhais. E mais uma vez Joana ouviu um barulho de passos e um terceiro vulto surgiu entre as sombras azuis e os pinheiros escuros.

Tinha na cabeça um turbante branco e dos seus ombros caía um longo manto verde bordado de pérolas. A sua cara era preta.

— Boa noite — disse ela. — O meu nome é Joana. E vamos com a estrela.

— Também eu — disse o rei — caminho com a estrela e o meu nome é Baltasar.

E juntos seguiram os quatro através da noite.

No chão, os galhos secos estalavam sob os passos, a brisa murmurava entre as árvores e os grandes mantos bordados dos três reis do Oriente brilhavam entre as sombras verdes, roxas e azuis.

Já quase no fundo dos pinhais viram ao longe uma claridade. E sobre essa claridade a estrela parou.

E continuaram a caminhar.

Até que chegaram ao lugar onde a estrela tinha parado e Joana viu um casebre sem porta. Mas não viu escuridão, nem sombra, nem tristeza. Pois o casebre estava cheio de claridade, porque o brilho dos anjos o iluminava.

E Joana viu o seu amigo Manuel. Estava deitado nas palhas entre a vaca e o burro e dormia sorrindo.

Em sua roda, ajoelhados no ar, estavam os anjos. O seu corpo não tinha nenhum peso e era feito de luz sem nenhuma sombra.

E com as mãos postas os anjos rezavam ajoelhados no ar.

Era assim, à luz dos anjos, o Natal de Manuel.

— Ah — disse Joana — aqui é como no presépio!

— Sim — disse o rei Baltasar — aqui é como no presépio.

Então Joana ajoelhou-se e poisou no chão os seus presentes.



Sophia de Mello Breyner Andresen
A Noite de Natal
Porto, Figueirinhas, 1989
O conto pode ser lido igualmente em:




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