Em recente entrevista ao Diário de Notícias, a romancista e poetisa, Hélia Correia, vencedora recentemente do conceituado Prémio Camões, afirmou que "votar tornou-se num ritual vazio devido ao incumprimento da vontade das pessoas pelos governos".
Quando esta afirmação provém duma pessoa com modestos ou limitados conhecimentos intelectuais, facilmente caímos na tentação de desvalorizar ou ignorar os seus lamentos, mas neste caso em concreto, estamos a referir-mo-nos a uma autora consagrada com elevada sabedoria. E sim, tocou numa ferida que tem sido constantemente ignorada pela nossa classe política. O seu descrédito tem vindo a crescer, por muito que os seus protagonistas assobiem para o lado! A abstenção pode atingir números históricos nas próximas legislativas e presidenciais. Não é nada difícil encontrarmos por aí cidadãos que se encontram desmotivados e que lamentam as constantes derrotas das últimas décadas. Muitos se queixam da perda gradual dos seus direitos (alcançados com o 25 de Abril de 1974), do aumento do custo de vida (os impostos sufocam as famílias e empresas; são os casos do IVA e do IMI), da diminuição do poder de compra, da deterioração do serviço público (muitos hospitais, freguesias, tribunais e estabelecimentos de ensino desapareceram; o caos nas urgências atingiu, nalguns casos, proporções inacreditáveis) e dos casos de corrupção, gestão danosa e tráfico de influências que enchem as páginas dos jornais portugueses e que comprovam que os nossos sistemas político e bancário estão doentes (e daí as três bancarrotas dos últimos tempos!).
É esta cultura de chico-espertismo que reinou em Portugal durante os últimos 20/30 anos que está a "matar" a nossa democracia, fazendo dispersar muitos daqueles que acreditavam num amanhã melhor, mas que cada vez mais olham para o "estrangeiro" como uma saída limpa ou promissora, de forma a escapar ao presente brumoso.
A abstenção nas próximas eleições poderá ser de tal ordem que metade da população eleitora poderá nem sequer comparecer às urnas. E isto seria um ponto que deveria merecer uma reflexão profunda de todos os partidos políticos da Assembleia da República. Qual é a piada de se ganharem umas eleições com 50% (ou até mais) de abstenção? Não é um cenário nada saudável, embora as buzinadelas ensurdecedoras das viaturas daqueles que vêem um partido como se tratasse dum clube de futebol tratem de abafar prontamente todas estas conclusões, soltando altos panegerícos e canções de louvor aos novos vencedores da noite eleitoral, como se fossem estes os "novos" salvadores da pátria.
Igualmente lamentável é ainda ver os partidos a degladiarem-se por causa das estatísticas da taxa de desemprego como se fosse motivo de orgulho termos 12% de desempregados (sem contabilizar os novos 400 00 emigrantes, os milhares que estão inscritos em cursos do IEFP, ou os que não estão inscritos sequer nos Centros de Emprego). Nos tempos mais estáveis, chegamos a ter 5 a 6 % de desempregados. Aí sim, estávamos bem, mas hoje a realidade é bem pior. Mas há quem venha dizer para a Comunicação Social (pasmem-se!) que as políticas de emprego resultaram!!! Além do governo, também os partidos da oposição também gostam de jogar com estes números para efeitos de propaganda (um desses partidos opositores até colocou cartazes manifestamente infelizes). Esquecem-se todos eles que por detrás destes números, estão pessoas ou vidas com sentimentos de frustração e de tristeza por não conseguirem arranjar um emprego. Deveria haver mais respeito pela dignidade humana, já que as ajudas à criação de emprego têm sido ínfimas. Não há pois uma política coerente e sólida de combate ao desemprego. Nem vai haver nos próximos anos...
Também há quem prometa descer o IVA em 10%, algo que considero ser demagogia gratuita, pois as promessas vãs já há muito tempo que constituem parte integrante do período pré-eleitoral, e isto também afasta as pessoas do voto, porque já não sabem em que hão-de acreditar.
Voltando à pergunta inicial - Valerá mesmo a pena votar? Por aqueles que deram a sua vida a lutar pela liberdade nos tempos da ditadura, direi que sim (nem que seja através do voto em branco), mas por quem esteve no poder nos últimos 30 anos, estou mais do que nunca convicto que pouco ou nada vai mudar no futuro a breve prazo.
Havia outrora um lindo sonho, onde havia amor ao povo, rectidão, harmonia e emprego, esse sonho era Portugal... Será que alguém um dia irá devolver a estabilidade e o bem-estar à nação?
Imagem nº 1 - Será que o "Zé Povinho" levantar-se-à após tantas contrariedades e crises vividas?
Quadro da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro
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