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segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Obras colocam em risco a Necrópole do Chão do Grilo - Autarcas estão atentos mas falta o resto (Exclusivo - EtceTal Jornal)

Ainda há três meses, aquando das VI Jornadas do Património de Ovar, organizadas pela Câmara Municipal de Ovar, que integraram as Jornadas Europeias do Património, uma iniciativa anual do Conselho da Europa e da União Europeia, que visa a sensibilização dos cidadãos para a importância da proteção do Património, realizou-se uma conferência e uma exposição sobre “Necrópole Chão do Grilo: Leituras Arqueológicas” no dia 25 de setembro, com parceria da C.M. de Ovar e Junta de Freguesia de Esmoriz, em que foram apresentados os resultados comparativos dos estudos e escavações arqueológicas realizadas por Rui Serpa Pinto, em 1931, e Gabriel Pereira, em 2015. Um evento que contou ainda com a intervenção de Gertrudes Branco, responsável da área de arqueologia da Direção Regional de Cultura do Centro.


Elementos a descoberto na necrópole

Elementos a descoberto na Necrópole


Mas, nem mesmo o facto da Necrópole Chão do Grilo (Esmoriz) integrar o registo nacional dos sítios arqueológicos, parece agora merecer a devida atenção e interesse dos mesmos autarcas que meses antes promoveram trabalhos de pesquisa científica para as prospeções que trouxeram a descoberto em maio de 2015 três novas sepulturas.
Novos achados arqueológicos que, na altur,a resultaram de trabalhos de desmatação indevida no local, a exemplo do que voltou a acontecer nos últimos dias de dezembro com obras levadas a cabo por um agente privado sem qualquer acompanhamento por uma equipa de arqueologia, nem por qualquer entidade competente, incluindo o próprio Município de Ovar, considerando tratar-se de uma área devidamente identificada como campo arqueológico para uma posterior nova fase de escavações, para tentar descobrir vestígios do povoado que os especialistas acreditam poder existir por aquela área que em parte, foi agora alvo de obras de terraplanagem com o movimento de máquinas pesadas.




Gabriel Pereira e António Bebiano, presidente da JF Esmoriz


Lançado o alerta por arqueólogos inquietos sobre o preocupante movimento de máquina naquela zona classificada como “área potencialmente arqueológica”, na linha da “Área Nuclear Necrópole”, o deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia da República, Moisés Ferreira, dirigiu ao Ministério da Cultura um requerimento em que chamava atenção para as obras levadas a cabo numa “área de interesse no âmbito do património arqueológico nacional”, perguntando por isso, se “o Ministério da Cultura solicitou à tutela local – Câmara Municipal de Ovar – os devidos esclarecimentos sobre a alegada ausência de acompanhamento?” e concluía: “Que medidas pretende adotar o Ministério da Cultura no sentido de travar esta ilegalidade, salvaguardar a integridade de património arqueológico, apurar responsabilidades e punir os responsáveis pelas ilegalidades já cometidas e o património que possa ter já sido destruído?”.
Também localmente, o Bloco reagiu na defesa de que tal obra careceria de acompanhamento por uma equipa de arqueologia, tendo confirmado essa necessidade junto da Direção Regional de Cultura do Centro (DRCC). Foram ainda feitas denuncias à DRCC de que resultou o envio de um ofício à Câmara Municipal de Ovar, que tem a tutela do sítio arqueológico, solicitando a suspensão das obras e agendamento de uma reunião no local. Mas através de contactos telefónicos, o Bloco de Esquerda “obteve da Divisão de Cultura da C.M. de Ovar a informação de que tudo estaria a decorrer dentro da normalidade e legalidade e que a fiscalização havia sido acionada e estava atenta à questão”, informação que é ainda exposta no requerimento ao Ministério da Cultura.
Para denunciar no local as obras de remoção de terras e nivelamento do terreno sem acompanhamento, uma delegação do Bloco de Esquerda de Ovar que integrou o seu deputado municipal, Álvaro Faria, alertou também a Câmara Municipal de Ovar e a GNR para se deslocarem à área e aí confirmarem que as obras prosseguiam na área da Necrópole de Chão do Grilo, em Gondezende, Esmoriz, mas nenhuma destas entidades e autoridades acederam ao pedido, restando a este partido o envio de uma queixa por escrito ao Presidente do Município de Ovar e várias outras entidades competentes, em que era solicitado, que, a autarquia, “tome as devidas providências para travar, no imediato, a realização destas obras, para que se possa salvaguardar a integridade de património arqueológico nacional existente no local”.
A descoberto acabou por ficar uma certa incoerência das práticas dos autarcas que fizeram de tais achados arqueológicos, bandeira e iniciativa politica recentemente, mas rapidamente, até porque, após os trabalhos das prospeção em maio de 2015, o espaço voltou a ser aterrado pela equipa das escavações, como confirmou um investigador deste campo arqueológico, para melhor proteção dos achados da Necrópole de Chão do Grilo, cujo projeto de valorização deste património a considerar pela postura da Câmara neste processo, fica a dúvida não só do seu verdadeiro interesse, mas sobretudo da viabilidade de desvendar, o que António França, da coordenação técnica da conferência e exposição sobre “Necrópole Chão do Grilo: Leituras Arqueológicas” considerou “um dos maiores mistérios arqueológicos da região”, apontando como objetivos “a datação da necrópole e a sua importância – local, regional ou nacional – do achado”, concluindo, “Tudo aponta para que a sua importância seja mesmo nacional” admitiu ao Ovarnews (21/05/2015).




Uma descoberta dos anos 30



Segundo as notas com referencias à investigação e às escavações realizadas nos anos trinta, que serviram de suporte à Conferência e Exposição “Necrópole Chão do Grilo – Leituras Arqueológicas” realizadas em setembro de 2015, “os primeiros vestígios da necrópole terão aparecido durante os trabalhos de exploração de uma saibreira, na década de 30 do século XX”.
Perante os achados o reverendo António André de Lima, abade de Esmoriz, e o eng.º Rui de Serpa Pinto, figura de referência da arqueologia portuense, cujo legado está depositado no Museu de História Natural na Universidade do Porto, foram chamados ao local e “terão sido os responsáveis pelas primeiras escavações intencionais, em 1931”.
Conforme artigo de Rui Pinto publicado há época e mais recentemente na edição dos seus trabalhos dados à estampa, sobre a Necrópole Chão do Grilo, em Esmoriz, a quando das primeiras escavações viriam a ser encontradas “vinte e quatro sepulturas de formato trapezoidal e raramente retangular” e “alguns fragmentos de crânio e duas tíbias, depositados no, então Instituto de Antropologia da Faculdade de Ciências do Porto”.
Acrescentam ainda estas notas, que, “o número de sepulturas ao que parece terá aumentado entre 1939 e 1940. Havendo mesmo a possibilidade de terem existido mais de 70 sepulturas”.
Este sítio arqueológico terá permanecido até tempos recentes, “tendo sido relocalizado em 2004. Mais tarde, em 2009, o local foi objeto de trabalhos de prospeção arqueológica, promovidos pela C.M. de Ovar, que apenas confirmou as áreas relativas à exploração da saibreira da década de 30”.
Como também é afirmado, “a cronologia deste sítio implantado nas proximidades de um afluente do rio Maior, de acordo com as caraterísticas tipológicas e morfométricas das sepulturas, é atribuível ainda que com reservas, a inícios de Alta Idade Média”, o que, “não deixa de ser relevante, não só por aquilo que já se encontrou, bem como pelas perspetivas que se abrem no sentido de identificar e compreender a ocupação humana do local”.





As mais recentes escavações voltaram a sensibilizar responsáveis



Numa visita de arqueólogos e investigadores em maio de 2015 ao local identificado cientificamente como sítio da Necrópole descoberta nos anos 30, no lugar de Chão do Grilo em Esmoriz, foi confirmado, na sequência de uma desmatação, um cenário preocupante, em que a estrutura de uma sepultura que tinha ficado a descoberto pela erosão, estava em risco eminente de derrocada.
Foi então solicitado à DRCC junto da C.M. de Ovar a adoção de medidas de salvaguarda de modo a garantir a memória e a conservação por intermédio do registo científico das três novas sepulturas que acabaram por ficar a descoberto com os trabalhos de prospeção na Necrópole do Chão do Grilo pela equipa de arqueologos coordenada por Gabriel Rocha Pereira.
Assim e segundo as referidas notas a que temos vindo a fazer referência, “além das soluções arquitetónicas foi igualmente possível identificar um conjunto diferenciado de práticas funerárias relacionadas com o alinhamento das estruturas…” havendo ainda estudiosos como António Huet, que em 2006 escreveu na Revista Dunas sobre os trabalhos de Rui de Serpa Pinto, que tais estruturas, “remontariam talvez à época barbara tardia isto é, aos séculos VI – VII, coincidindo assim com a época dos suevos e visigodos”. Uma datação cronológica motivada pelo facto de se tratarem de “enterramentos pobres de inumação”, uma vez que, “não se encontraram vasos ou objetos de mais valor que justificassem outra classificação cronológica”.
Tais achados arqueológicos da Necrópole Chão do Grilo, ainda que continuem aguardar por melhores dias para a sua interpretação, valorização e promoção cultural e turística, constituem os mais antigos vestígios daquilo que pode ser a origem de Esmoriz


 Texto: José Lopes (JL)
Fotos: JL e “Chão do Grilo” (Facebook)

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