Não poderás encontrar nenhuma paixão se te conformas com uma vida que é inferior àquela que és capaz de viver.
Nelson Mandela
Portugal foi um dos primeiros países a abolir a escravatura, facto que se sucederia a 12 de Fevereiro de 1761. A iniciativa pertenceria ao Marquês de Pombal (reinado de D. José I) mas ficaria inicialmente restringida à Metrópole, isto é, ao Portugal Continental.
Em 1836, o visconde Sá da Bandeira proíbe o tráfico negreiro entre as regiões que compreendem o Império Português, dando assim mais um passo determinante.
No entanto, só com a lei de 25 de Fevereiro de 1869 se proclamou a abolição integral da escravatura em todo o Império Português, até ao termo definitivo de 1878.
No que concerne às origens da escravatura no nosso território, podemos aferir que essas são claramente muito antigas. Podemos afirmar, com convicção, que nos tempos do Império Romano a escravatura assumia uma base bastante relevante na economia mediterrânica.
Nos séculos que se seguiram ao domínio romano, é possível que o fenómeno esclavagista se tivesse repercutido com variações naturais, o que inviabiliza uma quantificação precisa. Ainda assim, o processo ganharia outra expressão com a era dos Descobrimentos (sécs. XV-XVIII)
Efectivamente, Portugal seria uma nação colonizadora que recorreria aos serviços destes escravos para a lavoura e os serviços domésticos. Muitos chegaram igualmente a ser transportados para a metrópole, de modo a servir os seus futuros senhores. Além disso, todos estes serventes, oriundos das mais diversas regiões tribais (sitas em África ou no Brasil), seriam inseridos na cultura religiosa cristã, de forma a que fosse assegurada a sua adaptação à realidade social europeia que então se vislumbrava.
Imagem nº 1 - A escravatura foi uma realidade bem visível na Metrópole Portuguesa bem como no restante Império até ao século XIX.
Quadro de Jean-Baptiste Debret (1768-1848)
No caso concreto de Esmoriz, os dados que ali referem a presença de escravos remontam ao período compreendido entre os séculos XVII e XVIII. É muito provável que a escravatura na nossa terra seja bem mais antiga, contudo os primeiros testemunhos escritos que suportam a sua existência apenas se enquadram naquela balização cronológica.
O Padre Aires de Amorim, na sua monografia "Esmoriz e a sua História" (p. 381-382), conta-nos que era costume clérigos e senhores leigos terem escravos ao seu dispor. Esta regra geral seria facilmente confirmada no panorama local.
Em 1621, seriam crismados em Esmoriz os irmãos Aleixo e Domingos do Rosário, escravos do abade Diogo Vaz de Pinho (este foi pároco de Esmoriz entre 1621 e 1636/37). Anos depois, este mesmo padre seria, a meias com o Dr. Fernando Pereira Soares, de Quintãs, padrinho de um mouro de 22 anos, então escravo pertencente ao abade João de Pinho (sobrinho de Diogo Vaz de Pinho e o qual viria, mais tarde, a suceder-lhe na paróquia de Esmoriz). O referido escravo mouro passaria a chamar-se Diogo, aceitando assim o novo baptismo cristão.
No século XVIII, a saga prossegue. No ano de 1727, Tomé Rodrigues da Cunha, detentor de uma boa propriedade agrícola em Esmoriz, era senhor de dois escravos aos quais lhes foram atribuídos os nomes de António e José.
Em 1728, foi ainda registado o casamento de Manuel de Sousa e Úrsula Maria da Conceição, casal de escravos negros que servia a Pantaleão da Costa Marques, natural de Cortegaça mas que era, na altura, morador na nossa terra. Aliás, Pantaleão é mesmo designado como "esclavagista" pelo Padre Aires de Amorim, o que pode indiciar um envolvimento próximo daquele indivíduo de forma a extrair proveitos daquela realidade terrífica.
No dia de Natal do ano de 1741, o abade de Esmoriz, D. Bento da Assunção Pimenta, baptizou, na sua casa, um rapaz de 12 anos que seria escravo de João Gonçalves.
No século XIX, e quando a escravatura já começava a ser ferozmente combatida pela legislação portuguesa, foi apenas conhecido mais um caso para a nossa localidade. Em 1803, falecia no lugar da Boavista, em Esmoriz, o escravo Mateus que servia ao capitão Constantino José de Faria (este residia no Porto). Era de raça negra e tinha sucumbido com uma idade a rondar os 30 anos, tendo sido sepultado dentro da igreja tal como aconteceria com os demais fiéis.
Imagem nº 2 - A escravatura verificou-se também a nível local. Esmoriz não foi excepção à regra.
Retirada de: https://desenvolturasedesacatos.blogspot.pt/2014/03/historia-de-portugal-escravatura-parte-1.html
A escravatura também foi visível nas freguesias vizinhas. O padre Aires de Amorim deixa-nos inclusive alguns exemplos.
Em 1744, o abade de Maceda, Manuel Alves dos Santos, foi detentor do escravo Damião. Três anos depois, em Paços de Brandão, o tenente António Pinto de Almeida parecia ter recorrido, pelo menos, a um escravo. Em 1751, faleceria em Cortegaça, com 90 anos, a escrava Madalena que havia servido o abade João Gomes Moreira. Em Ovar, foram documentados três casos - em 1738, Manuel de Sousa Pereira vendeu ao sargento-mor, Manuel de Carvalho e Silva, morador no Porto, a negra Bárbara por 96$000 reis; em 1739, o Padre Luís Jorge Baldaia e a sua irmã passaram uma carta de alforria (isto é, procederam à libertação legal de um escravo); e em 1841, falava-se ainda da existência do escravo Manuel.
Em jeito de balanço final, fica atestado o facto que releva a presença do fenómeno esclavagista em Esmoriz e na região em redor. Relembramos ao leitor que estes são apenas os casos que se podem conhecer à luz dos documentos daquela época. É presumível que tivessem existido mais escravos naquele período, embora a sua presença nos registos escritos não fosse uma realidade adquirida. Os escravos eram vistos como bens pertencentes a um proprietário, e não como autênticos seres humanos.
Acreditamos que aqueles que serviam a Igreja estariam mais protegidos da fúria dos capatazes leigos e adquiririam assim os princípios morais da sua religião, porém não deixariam de ser explorados para variados fins.
No entanto, esta realidade era bem aceite nas épocas em que predominou. Claro que já existiriam vozes dissonantes, contudo as altas estruturas do império admitiam legalmente o recurso a escravos, cenário que até fora necessário para potenciar a exploração nas colónias portuguesas.
O esclavagismo foi um período negro da história portuguesa, mas terá assumido uma face mais terrífica na colonização espanhola e noutras que se observaram naquele tempo. Felizmente, encontra-se extinto em Portugal e na Europa, embora o mesmo não possamos aferir em relação a determinados países que ainda hoje vivem no Terceiro Mundo.
Imagem nº 3 - O visconde Sá Bandeira foi um dos paladinos da abolição da escravatura.
Retrato retirado do Wikipédia
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