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domingo, 18 de junho de 2017

Pérolas Históricas de Esmoriz XII - O Príncipe estrangeiro que visitou a Barrinha

"Príncipes reais se ocupam em estudar, e mulheres incultas em beijando sapos".




Claudeci Ferreira de Andrade
Licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Goiás 



1. A sua passagem pela Barrinha


Corria o ano de 1842, quando o príncipe alemão Félix Lichnowsky visitou Portugal, tendo procedido à descrição de diversos lugares "lusitanos". A Barrinha de Esmoriz teve a sorte de ser uma das pérolas contempladas durante a sua digressão.
Na sua colossal obra "Esmoriz e a sua História" (p. 242; monografia publicada em 1986), o padre Aires de Amorim afirma o seguinte:


"No século passado, em 1842, o príncipe alemão Félix Lichnowsky descrevia a Barrinha de Esmoriz como um «extenso e profundo braço do mar", cuja travessia lhe durara um quarto de hora".


O leitor poderá cair na tentação de desvalorizar este pequeno testemunho, mas recomendamos a que não o faça, porque a partir daqui poderemos extrair uma vastidão de conclusões.
Em primeiro lugar, encontramos registo de um conceituado príncipe estrangeiro que navegou sobre as águas da Barrinha de Esmoriz. Terá sido o único da história a fazê-lo? Ou será que também tivemos reis portugueses que o fizeram no passado, embora tal feito nunca tivesse ficado perpetuado na documentação? Claro que não possuímos elementos que nos permitam fornecer uma resposta concreta a estas questões, mas não deixa de ser relevante o facto da Barrinha ter sido visitada por um príncipe alemão, durante o século XIX. Nessa altura, relembramos que Esmoriz era apenas uma povoação rural, contando com uma população cifrada entre 1000 a 2000 habitantes (segundo dados demográficos conhecidos para 1864, existiriam 1952 moradores em Esmoriz).
Em segundo lugar, podemos realçar que a caracterização efectuada por parte de Félix Lichnowsky nos remete para a existência duma lagoa que ainda mantinha consideráveis dimensões. Por isso, não hesitou em descrevê-la como "um extenso e profundo braço do mar" e confessou ainda que a travessia lhe tinha durado 15 minutos, período de tempo que tende a confirmar a realidade que acabamos de ilustrar. Por outras palavras, os graves problemas de assoreamento e da poluição com os quais a Barrinha se depara agora, não existiam com a mesma expressão em meados do século XIX.
É claro que partimos do princípio que, nesse ano de 1842, o príncipe Félix terá encetado a travessia de barco, até porque a ponte datada do ano de 1806 que estabelecia a ligação entre Esmoriz e Paramos estaria já em péssimas condições (a segunda ponte, também efémera, só seria construída em 1854, depois da primeira já se encontrar em muito mau estado ou até mesmo intransitável). Aliás, se ainda se reunissem condições para atravessar a Barrinha através da ponte rudimentar (apesar da insegurança total), o príncipe germânico não desperdiçaria 15 minutos a fazê-lo, mas seguramente muito menos tempo. No entanto, cremos que a "primeira" ponte de 1806 estaria já praticamente desabilitada em 1842... Por outro lado, as travessias de barco deveriam ser frequentes durante o século XIX, com muitas delas a conhecerem o seu ponto de partida no cais localizado nas proximidades da Estação de Esmoriz (esta inaugurada em 1863). No entanto, desconhecemos se esta prática específica já se vislumbrava em 1842, altura da visita do afamado príncipe. 
A tradição inerente à presença de barcos na Barrinha de Esmoriz é algo que já remonta às inquirições de D. Dinis no século XIII (1288), onde foi feita menção à existência dum pequeno porto que serviria de abrigo a pequenas ou médias embarcações conotadas com a prática pesqueira. No entanto, cremos que esse porto se terá extinguido num período bem anterior ao século XIX.
Por fim, registamos outra conclusão à volta deste testemunho - era seguramente bastante arriscado ou até ousado atravessar a nado a lagoa nesses tempos. Decerto que, na altura, existiam memórias trágicas motivadas pelas águas traiçoeiras que desgraçaram as vidas de pescadores, aventureiros ou até de banhistas azarados. A sua extensão e profundidade garantiam-lhe uma beleza ímpar naqueles tempos, mas também impunham respeito a qualquer um, até mesmo ao príncipe alemão que não hesitou em recorrer a um barco para atravessar a Barrinha em segurança.





Imagem nº 1 - A Barrinha de Esmoriz já foi visitada no passado por personalidades reputadas, mas será que ela não guardará exclusivamente para si própria segredos ou histórias passadas que jamais os historiadores contemporâneos lograrão desenterrar?
Fotografia datada de 1920




2. Quem era Félix Lichnowsky?


Félix foi o quarto príncipe de Lichnowsky (estatuto que aparentemente lhe cedeu o "apelido") e conde de Werdenberg, tendo vivido entre os anos de 1814 e 1848. A posição que ocupava conferia-lhe algum prestígio. Os "Lichnowsky" pertenciam à alta aristocracia, e a existência desta família ou linhagem nobiliárquica remontava ao século XIV com raízes situadas na Silésia e na Morávia. 
Em 1834, Félix ingressou no exército prussiano, mas quatro anos depois, já o encontramos a servir D. Carlos, pretendente ao trono espanhol, e no decurso dessa sua aventura, chega a alcançar a patente de brigadeiro. Ficaria ferido com gravidade após um duelo com o General Montenegro, e acaba mesmo por abandonar Espanha para depois circular por grandes cidades como Paris, Bruxelas e Berlim. Nestas suas deslocações pela Europa, terá então tido tempo em 1842 para visitar Portugal (tinha na altura 28 anos de idade).
Durante a década de 1840, foi ainda membro da Dieta Prussiana (Parlamento da Prússia) e "deputado" eleito da Assembleia Nacional Alemã. Nesses seus novos afazeres destacou-se em matérias económicas, constitucionais e inclusive em assuntos de política externa.
Félix Lichnowsky também nos deixou importantes escrituras, onde censurava as exageradas regalias que os nobres espanhóis usufruíam, enquanto a miséria popular abundava naquele país. Por outro lado, criticou as condições desumanas dos operários têxteis na Silésia, sugerindo medidas que remetessem para uma maior dignificação do seu trabalho. Defendeu também a promoção das exportações deste sector específico dos têxteis. Considerava-se ainda um ardente defensor da Legitimidade Católica e pugnou pela causa duma monarquia constitucional.
Por outras palavras, Félix não era apenas um alto aristocrata, mas igualmente um pensador político e um homem de causas.
Em 1848, foi trucidado juntamente com a sua escolta por uma multidão (ou quadrilha) furiosa de revoltosos que não digeriu bem a Trégua de Malmö que traduziu-se na assinatura dum cessar-fogo que favoreceu os interesses dos dinamarqueses que assim mantiveram o seu controlo sob os ducados de Schleswig e Holstein.
Tal como o seu avô (Karl Alois) que fora protector de Beethoven, também Félix foi uma espécie de mecenas, tendo apoiado Georg Friedrich List (1789 - 1846), um economista que defendia a integração económica entre países que possuíssem um nível equiparável de desenvolvimento, além de apelar ao proteccionismo das nações menos desenvolvidas. 





Imagem nº 2 - Félix Lichnowsky (1818-1848) foi príncipe, militar, político, pensador e ainda mecenas.
Retirada do Wikipédia.




Imagem nº 3 - O príncipe germânico Félix Lichnowsky e o seu general Hans von Auerswald foram assassinados por uma multidão em fúria. Apesar de fatalmente ferido, Félix só sucumbiria no dia seguinte ao ataque cruel.
Retirada do Site Wikiwand




Tropper 1849.jpg

Imagem nº 4 - Os dinamarqueses retornam triunfantes à sua capital - Copenhaga (ano de 1848).
As tréguas de Malmö afectaram definitivamente a credibilidade de Félix Lichnowsky, representante da Confederação Germânica e da Prússia que havia participado nas negociações, acabando este por sucumbir a um ataque de revoltosos, durante aquele ano terrível que foi marcado por levantamentos em toda a Europa.
Quadro da autoria de Otto Bache




3. Anexo - Porque é que Félix Lichnowsky visitou Portugal?


"Preocupada com o endividamento de Portugal perante Inglaterra, D. Maria II terá pedido a colaboração de seu marido, D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha-Koháry, que decidiu estudar a situação para lhe encontrar uma solução. Assim foi que o Príncipe Félix Lichnowsky, famoso pela sua actividade no campo da política económica, foi convidado a visitar Portugal.
Para além do endividamento externo de Portugal, Lichnowsky ficou chocado com a miséria em que o povo português vivia e com o atraso flagrante de todo o país. Isso constatou na visita que decorreu entre 24 de Junho e 5 de Agosto de 1842, impressões que deixou claramente expressas no livro que publicou um ano depois da visita intitulado Portugal: Memórias de 1842.
Para referir um exemplo do atraso geral, Lichnowsky informa os seus leitores de que em Portugal havia apenas dois breves trechos de estradas pavimentadas e, mesmo assim, com despicienda manutenção: Lisboa-Sintra e Condeixa-Coimbra. O diagnóstico da situação referia também a carência de caminhos-de-ferro e da regularização de cursos fluviais (sobretudo o Tejo e o Mondego). Portugal dependia do seu litoral para aceder ao desenvolvimento a fomentar pelo comércio internacional. Apenas os portos de Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro dispunham de condições para exportar o sal marinho, a cortiça, o azeite, a fruta e o vinho, produtos que, no âmbito do relacionamento preferencial com Inglaterra, tornavam a balança comercial portuguesa muito negativa e, daí, o endividamento externo.
O relacionamento preferencial de Portugal com Inglaterra resultava linearmente, na opinião de Lichnowsky, do Tratado de Methuen. Ou seja, Portugal teria que diversificar as suas preferências comerciais externas e, para tal efeito, nada melhor do que estabelecer novas relações com a Prússia.
 Baseado no liberalismo de Adam Smith, o Tratado de Methuen, também referido como Tratado dos Panos e Vinhos, foi um diploma assinado entre Inglaterra e Portugal em 27 de Dezembro de 1703 e previamente negociado pelo Embaixador extraordinário britânico John Methuen em representação da Rainha Ana da Grã-Bretanha e por D. Manuel Teles da Silva, marquês de Alegrete, em representação de D. Pedro II.
Pelos seus termos, os portugueses comprometiam-se a consumir os têxteis britânicos e, em contrapartida, os britânicos comprometiam-se a comprar os vinhos de Portugal"


Este texto citado é da autoria de Henrique Fonseca

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