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domingo, 2 de julho de 2017

Pérolas Históricas de Esmoriz XIV - O derradeiro lar dos mortos


“Cada um de nós traz no fundo de si um pequeno cemitério daqueles que amou.” 


Romain Rolland
(novelista, biógrafo e músico francês, 1866-1944)



Como se sabe, Esmoriz dispõe de um cemitério que se localiza nas imediações da Igreja Matriz de Esmoriz e da própria Junta de Freguesia local. Ali estão sepultadas centenas, senão milhares, de pessoas que aqui viveram nos últimos dois ou três séculos. No entanto, há uma pergunta que pode ser feita pelo leitor antes de abordarmos a história do derradeiro lar onde se encontram aqueles que nos deixaram - este foi o primeiro cemitério de Esmoriz? Ou outros houve que o antecederam na missão de congregar o eterno sono dos mortos?
Apesar da escassez de dados documentais, a verdade é que este não foi certamente o primeiro cemitério a existir na nossa terra. Recordamos para isso a grande descoberta da Necrópole do Chão do Grilo em 1931, sita entre os lugares da Torre e Gondesende, onde uma equipa de arqueólogos e eruditos liderados por Rui de Serpa Pinto dataria aquele conjunto de enterramentos para uma baliza cronológica entre os séculos X e VIII d. C. (Alta Idade Média). O investigador actual Gabriel Rocha Pereira acredita que aquela necrópole poderia inclusive ser originária dos tempos da Antiguidade Tardia, propondo que a sua origem pudesse ser estabelecida no século IV d.C., percorrendo as eras seguintes. A existência de uma necrópole tardo-romana e/ou suevo-visigótica comprova a existência de uma pequena comunidade primitiva que aqui teria sobrevivido a partir das práticas agrícolas e pesqueiras (dada a proximidade com o mar e a Barrinha de Esmoriz). De acordo com os resultados da exploração datada de 1931, seriam abertos 24 túmulos, embora o seu número devesse ser muito superior, dado que apenas foi explorada uma pequena parte do terreno em questão. Durante as explorações, encontraram-se restos dum crânio, além de duas tíbias.
É possível que este cemitério tivesse caído em desuso no século VIII ou posteriormente com o advento da Reconquista, acabando por se sumir das memórias humanas durante mais de um milénio, até à sua redescoberta em 1931, facto que surpreenderia a população de Esmoriz na altura que desconhecia então a existência prévia daquela estrutura.
A chegada da fundação da nacionalidade não trouxe novas luzes sobre a possibilidade de ter existido um segundo cemitério na nossa terra que viesse a substituir a antiga necrópole. Mas sabemos que Esmoriz, apesar de ser um meio rural, já tinha a sua Igreja e os seus próprios párocos, pelo menos, a partir de meados do século XIII. Como era costume nesses tempos, e sendo Esmoriz uma comunidade pequena (na altura, talvez na ordem das dezenas ou centenas de habitantes), é provável que os entes falecidos fossem sepultados por debaixo do chão dos templos cristãos (ou no seu redor), de forma a mantê-los próximos da fé. Esta realidade poderá ter perdurado por toda a Idade Média, sofrendo apenas modificações com a chegada do liberalismo. Com a instauração de um pensamento mais racional e livre, começou a debater-se se era higiénico enterrar os mortos em lugares de frequente culto. Temia-se pois a disseminação de doenças perigosas. O século XIX trouxe consigo uma série de leis públicas que proibiriam esta e outras situações. Recorde-se que o Movimento da Maria da Fonte ocorrido no Minho em 1846 nasceu do descontentamento das mulheres que defendiam a todo o custo o sepultamento dos mortos nos templos cristãos, insurgindo-se assim contra a nova mudança que era alicerçada pelos conhecimentos científicos.
No caso de Esmoriz, sabemos que, em Julho de 1861, os enterramentos já não eram realizados no interior da Igreja, mas antes no seu adro que, na altura, "estava destapado e exposto a invasões de animais". Além disso, a presença próxima de sepulturas no espaço contíguo ao templo começou a fazer com que as paredes do templo começassem a fender-se e a desaprumar. Era por isso necessária a criação de um cemitério moderno.
De acordo com Aires de Amorim, autor da monografia "Esmoriz e a sua História", a Junta de Paróquia de Esmoriz enviou, em 1865, um ofício à Câmara Municipal da Feira (à qual pertencia na altura), de modo a que fosse consubstanciada aquela nova estrutura.
As obras começaram em 1869 e só ficariam concluídas em 1875. Sabe-se que ali trabalharam os mestres pedreiros Bernardo Ferreira da Costa, dos Castanheiros, António Ferreira, da Casela, e Manuel Alves de Amorim, da Feira.
Devido ao crescimento demográfico da comunidade esmorizense e ao consequente aumento do movimento obituário, foi necessário recorrer-se a sucessivas ampliações do cemitério. No ano de 1918, o cemitério teve de ser aumentado devido à pneumónica. Em 1920, a junta de paróquia obteve, por escritura pública, mais 1.419 m2 de terreno por 1.315$00. Novas ampliações se registaram entre 1919 e 1925, tendo exigido um investimento total de 12.500$00, contando com a comparticipação de 2.000$00 por parte do Ministério do Trabalho, na altura, representado pelo Dr. Ângelo Sampaio Maia. Em 1941, regista-se novo alargamento em direcção a sul e a nascente. Outras importantes ampliações se verificaram em 1960 e 1979, exigindo uma verba de 3.206.682$70.
O cemitério de Esmoriz conserva hoje alguns jazigos e ainda sepulturas de pessoas que foram influentes na nossa terra. No dia dos defuntos, assinalado a 2 de Novembro, é natural observar-se uma forte afluência dos cidadãos que enchem as campas dos seus entes queridos com flores e velas, intercedendo por eles e recordando as belas memórias que passaram em vida.




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Imagem nº 1 - Escavações Arqueológicas na Necrópole do Chão do Grilo. Ano de 1931.
Direitos - Revista Dunas




Resultado de imagem para actual cemitério de esmoriz

Imagem nº 2 - O actual cemitério de Esmoriz localiza-se nas imediações da Igreja Matriz..
  Retirada de: http://www.eurekabooking.com/en/guide/portugal/esmoriz/photos.html, (foto de Belmiro Teixeira).


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