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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Polémica: Jornais Observador e Expresso denunciam caciquismo em Ovar

Na concelhia do diretor nacional de campanha de Rui Rio, militantes foram transportados em bloco por uma carrinha de associação presidida por militante do PSD. O Observador filmou tudo.

É a mais velha tática do caciquismo e era denunciada pelos quatro piscas de uma carrinha em segunda fila junto à sede do PSD em Ovar: o transporte de militantes em bloco. Este sábado, duas horas depois de as urnas abrirem para a eleição do novo líder do PSD, Salvador Malheiro, diretor nacional de campanha de Rui Rio, despedia-se de um grupo de sete militantes com beijos e abraços. Pouco depois, um homem encaminhava essas pessoas para uma Renault Traffic cinzenta que os levou a casa. A viatura é propriedade de um grupo recreativo presidido por um militante do PSD. A acompanhá-los, dois operacionais do caciquismo, um deles como motorista.

O grupo é da “secção fantasma” do PSD de Ovar, onde há casos de militantes que vivem em moradas que não existem ou outros de 17 militantes a viver na mesma casa. A rotina continuou pela tarde fora e Rui Rio — o candidato que prometeu um “banho de ética” no início da sua campanha — ganhou confortavelmente em Ovar: teve 409 votos, contra apenas 60 em Santana Lopes. Dos 792 inscritos votaram 476, uma participação de 60%.

Uma hora depois, a carrinha regressou com mais militantes e estacionou no mesmo local. Junto à porta da sede do PSD de Ovar, no 1.º esquerdo do n.º 84 da Rua Ferreira de Castro, havia uma fila para votar que vinha do primeiro andar até à porta. Apesar disso, apenas 11 minutos depois de chegarem, os militantes “transportados” estavam de volta à carrinha. O Observador seguiu então a carrinha, que percorreu cerca de 18 quilómetros até Esmoriz, onde deixou os militantes em casa. Mas não numa zona qualquer: na Avenida Infante D. Henrique, junto à Rua dos Pescadores, em Esmoriz.

Os militantes-fantasma de Ovar

É precisamente nesta avenida que existem os militantes-fantasma que já levaram a várias queixas no Conselho de Jurisdição do PSD. Segundo o Expresso denunciou este sábado, é no n.º 79 desta avenida que vivem alegadamente 17 militantes do PSD com as quotas em dia e com capacidade para votar nestas diretas. É essa a morada que consta na ficha desses 17 militantes, mas, na verdade, só ali vivem oito pessoas e nenhuma é filiada no PSD. Há ainda militantes em condições de votar que supostamente moram ali ao lado, na Rua dos Pescadores, em números de porta que não existem.

Em 2016, quando houve eleições na distrital de Aveiro, o então presidente da estrutura, Ulisses Pereira, denunciou que nessa mesma Rua dos Pescadores tinham sido inscritos 80 militantes em junho e julho de 2015 (a tempo das eleições da distrital, a 5 de março). A esses juntavam-se outros tantos na Avenida Infante D. Henrique. Nesses dois meses foram inscritos 418 militantes na Secção de Ovar, dos quais 271 pertencem à freguesia de Esmoriz (onde se incluem os tais 80). Ulisses Pereira queixava-se então, em comunicado, que existiam “fortes indícios de irregularidades graves e de viciação e até de eventual falsificação dos dados dos militantes inscritos na referida Secção de Ovar”.


Mas há mais insólitos entre estes inscritos no Verão de 2015 naquela zona piscatória: 122 pessoas partilhavam três números de telemóvel (77 com o mesmo número de telemóvel, outros 33 com outro número e outros 11 com outro número). E pior, segundo se queixava então Ulisses Pereira: “Esta situação é tanto mais preocupante do ponto de vista partidário, quanto 16 desses novos militantes, admitidos em junho e julho, em condições que se afiguram tão duvidosas, foram beneficiados (…) com a atribuição de casas por parte do município de Ovar, apenas quatro meses depois, em novembro de 2015, na operação de realojamento da Zona Prioritária da Praia de Esmoriz, quando todos sabemos que o Presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador Malheiro, é candidato a Presidente da Comissão Política Distrital de Aveiro, nas eleições de 5 de março”.

Facto: Malheiro acabou por ganhar as eleições e tornou-se líder distrital. Mesmo que do outro lado estivesse Ulisses Pereira com o apoio do líder parlamentar e figura cimeira do PSD de Passos Coelho, Luís Montenegro. No último ano, Malheiro começou a destoar de Passos, sendo um dos raros presidentes de distritais críticos do ex-primeiro-ministro — e acabou a ser o homem-forte de Rio na campanha. No discurso da vitória, este domingo, Salvador Malheiro recebeu o maior aplauso da noite quando Rio disse o seu nome. Maior do que quando se referiu a Francisco Pinto Balsemão ou a Pedro Passos Coelho.

Mais uma viagem de militantes em bloco

Mas voltemos à Avenida Infante Dom Henrique neste sábado, dia de diretas no PSD que opunham Rui Rio a Pedro Santana Lopes. Após largarem os militantes que acabavam de votar, os caciques entretiveram-se uns minutos a conversar na zona piscatória. Mas logo voltaram a carregar mais militantes. Desta vez, quatro mulheres. Já estava escuro, às 18h14, quando os militantes chegaram à sede. Antes de seguir para o quartel-general da noite eleitoral de Rio, o Hotel Sheraton do Porto, Salvador Malheiro continuava a operação de charme aos militantes do PSD e cumprimentava-os um a um.

Os “transportados” subiram para a sede, no primeiro andar, e, passados apenas oito minutos, regressaram e entraram na carrinha. Nesse momento, o motorista apercebeu-se da presença dos jornalistas do Observador. A carrinha ainda seguiu para deixar os militantes em casa, mas a operação acabou. A carrinha de nove lugares, sempre a mesma ao longo de toda a tarde, não voltou a aparecer — embora ainda faltasse mais de uma hora e meia para o fecho das urnas. Por cada viagem para levar e trazer militantes em bloco, foram mais de 30 quilómetros e cerca de quarenta minutos.

Carrinha é de grupo recreativo presidida por militante do PSD
Questionado pelo Observador sobre a prática de transportar militantes em bloco para ir votar, Salvador Malheiro garantiu que não sabe “como as pessoas foram transportadas” e que, se houve “transporte de pessoas, significa que as pessoas existem”. Para o presidente da câmara de Ovar e líder da distrital do PSD de Aveiro, “é natural que as pessoas se organizem para ir votar.”

Embora a carrinha cinzenta utilizada para o caciquismo não estivesse caracterizada, o Observador apurou que pertence ao Grupo de Danças e Cantares de Santa Maria de Esmoriz. Ora, esta associação — que recebe, naturalmente, apoios da autarquia — é presidida por Lino Osvaldo Jorge, militante do PSD, que aparece em eventos ao lado do próprio Salvador Malheiro e de um dos seus companheiros de partido, o presidente da junta de freguesia de Esmoriz, António Bebiano.

Sobre a carrinha, Salvador Malheiro também responde como se fosse tudo natural: “O presidente é militante do PSD, é normal que tenha ajudado a transportar pessoas”. O diretor de campanha de Rui Rio terminou a conversa com o Observador a tentar afastar suspeitas: “Qual é o problema? Agora vão dizer que isto foi viciado? Deixem isso”.

Já Lino Osvaldo Jorge, contactado pelo Observador, explicou que “o que aconteceu foi uma coisa espontânea”, que “nunca tinha acontecido” e “não devia acontecer”. O presidente da associação justifica que “avariaram uns carros” e isso é que fez com que fosse utilizada a carrinha da associação. Sobre o motorista, Lino Jorge diz que “é o senhor que tem a garagem onde é guardada a carrinha” e garante que ontem nem estava em Esmoriz e que tudo foi feito à sua “revelia.”

O Observador enviou este domingo perguntas a Rui Rio sobre o tema e atualizará este artigo caso receba respostas.

Ovar foi um dos exemplos de caciquismo espalhado pelo país. E logo na concelhia e tendo como anfitrião o diretor de campanha de Rui Rio, que sempre combateu e criticou este tipo de fenómenos dentro do partido e teve um forte papel nesse sentido quando foi secretário-geral de Marcelo Rebelo de Sousa. Em Lisboa, Rio contou com o apoio de outro importante cacique, Rodrigo Gonçalves, cujas práticas o Observador denunciou em julho de 2017 durante as eleições para a distrital de Lisboa. Mas Rio perdeu no concelho de Lisboa e no distrito, embora por pouca margem. E Rodrigo Gonçalves perdeu a disputa pela concelhia da capital.

[Veja a seguir o vídeo do Observador que mostra como foi feito o transporte em bloco de militantes]




Vídeo. Como os caciques de Ovar angariaram votos para Rio
Jornal Digital - Observador
Reportagem de Rui Antunes, João Porfírio, Rita Dinis e Miguel Santos



Excertos do Jornal Expresso















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