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quinta-feira, 21 de março de 2019

Dia Mundial da Poesia IV - Entrevista a Ana Roxo (poetisa)


Ana Roxo é licenciada em Estudos Portugueses e Alemães pela Universidade do Minho. Natural de Esmoriz, é nas letras, mais concretamente através da poesia e da prosa, que tem evidenciado uma notável vocação. Estivemos à conversa, por via digital, procurando conhecer melhor a sua vocação artística. 


1- Ana, como é que nasceu o seu gosto pela poesia? Que idade tinha quando escreveu o seu primeiro poema?

Ana Roxo: O gosto pela poesia começou já na escola primária, mas só se evidenciou mais nos tempos do secundário com a professora de Português da altura. Não me recordo da idade, sei que estava na escola primária, mas o dito «poema a sério» foi quando tinha 16 anos, com o título: «A Criança e a Guerra».



2- Quais foram os poetas que mais a cativaram ao longo da história da literatura?

Ana Roxo: Florbela Espanca, claro, mas também Luís de Camões, Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade, António Gedeão, António Aleixo, Almeida Garrett, Ary dos Santos.



3-Falemos agora do seu estilo poético. Sei que escreve poemas seguindo diversas tipologias estruturais. No entanto, prefere escrever sonetos, quadras, poesia livre ou que outra forma de poesia? Explique-nos o porquê.

Ana Roxo: Prefiro escrever sonetos, quadras, por vezes poesia livre, mas sobretudo quadras, por ser considerada de cariz mais popular e quero que as poesias sejam entendidas por todos e de forma simples.



4- Que tipo de temas gosta mais de aflorar nos seus poemas?

Ana Roxo: Os temas, por vezes, surgem com a inspiração. Depende, em larga medida, da inspiração do momento, que pode aparecer com alguma vivência desse dia, ou um acontecimento recente, algo que se passa no mundo: o amor, a humanidade, temas espiritualistas.



5- Concorda com os defensores da velha escola poética que alegam a necessidade de um poema conter obrigatoriamente rima e de obedecer a uma estrutura métrica?

Ana Roxo: Não sou de facto, uma «poetisa da métrica», penso que as regras de métrica têm sim, a sua utilidade, mas, para alguém como eu, não. Faz sentido usar. Para mim, toldam, em certa medida, a liberdade poética. A ressalvar que nada tenho contra os poetas da velha escola, pelo contrário, conquanto não sou uma pessoa adepta de regras rígidas, que depois dificultam o entendimento de quem lê e nem todas as pessoas têm uma grande escolaridade ou conhecimentos poéticos. Penso que a poesia deve ser entendida por todos.



6- Qual foi o poema que mais gozo lhe deu escrever? 

Ana RoxoFoi o poema sobre Ovar. Nada contra Esmoriz, claro, até porque também tenho poemas sobre Esmoriz, mas quando decidi homenagear Ovar, não sabia bem como fazer para ficar algo diferente. Acabei por escolher para imagem do poema uma varina de tempos já idos, bem conhecida em Ovar. Era uma linda senhora e, Ovar como terra de varinas e gente vareira, nada mais propositado que Ovar ser «falado» pela «boca» de uma varina.
Depois de escrito, admirei-me por causa das visualizações. Foi, sem dúvida, o poema com maior visualização.



7- É verdade que até o seu filho, o jovem Francisco, já herdou o gosto pela poesia? Ele já enviou poemas para publicação numa colectânea do Agrupamento de Escolas de Esmoriz?

Ana Roxo: Sim, ele já herdou o gosto pela poesia. Um poema dele consta de facto de uma colectânea das escolas do agrupamento, mas não foi ele que enviou. O poema dele foi escolhido por um júri, tal como os dos vencedores e, os dos convidados, como foi o caso dele. Este livro faz parte de um concurso organizado pelo agrupamento com a parceria da Junta de Freguesia de Esmoriz e da Câmara Municipal de Ovar.



8- Para quando o concretizar do sonho do seu primeiro livro?

Ana Roxo: Vamos ver se para o ano, desta vez, claro, sem ser em antologias. Já há título e já comecei a escrever. Mas irá ser em prosa.



9- Relativamente a Florbela Espanca, uma poetisa que muito admira, acha que a sua passagem por Esmoriz tem sido menosprezada pelos biógrafos? Porquê?

Ana Roxo: Tem sido sim, sem sombra de dúvida. Bem sei que Esmoriz, não é Lisboa, Vila Viçosa, Matosinhos, não é uma cidade grande (hoje cidade, à época, aldeia), mas, penso, que até poderia ter estado uma semana e ter escrito poemas, penso que seria motivo para mencionar. Mas não: esteve mais tempo. Deu-se com pessoas da vizinhança (na casa da Casela e na outra casa perto). Escreveu cá poemas, fez cá traduções, o marido, Mário Lage, tinha casa cá, foi aqui que soube da trágica morte do seu irmão Apeles. A D. Silvina da Albana, na altura menina de 3/4 anos que andou no colo da poetisa, que se lembra ainda dela, mas tem sobretudo guardadas na memória, as coisas que a sua tia lhe contava. Tia essa, que privou com Florbela Espanca, que até comiam bolinhos e bebiam chá juntas. Por isso, quando se quer, tenta-se saber e os biógrafos descuraram sim, a passagem dela por cá. Mas também não vejo grande vontade de mudarem isso, a não ser que «levem um empurrão».



10- Considera que Esmoriz é uma terra de poetas? Não acha que deveriam ser realizadas tertúlias quinzenais ou semanais como fazem, por exemplo, no concelho vizinho de Espinho?

Ana Roxo: É, certamente: de poetas e escritores de prosa, só que de facto poucas tertúlias se fazem e, sem dúvida, poderíamos fazer como em Espinho. E até fazer uma espécie de intercâmbio poético, com poetas de concelhos vizinhos, ou até de mais longe e porque não de outros países de expressão portuguesa.





Imagem nº 1 - A poetisa Ana Roxo (nascida em 1980) foi a nossa convidada especial para assim assinalarmos o Dia Internacional da Poesia.
Direitos da Foto - Normando Ramos (Comissão de Melhoramentos de Esmoriz) 



Por fim, publicamos o poema que mais gozo terá dado a Ana Roxo escrever.


Ovar
(Versos da autoria de Ana Roxo)


Lá ia lampeira, a formosa varina,
Vareira de alma e coração,
No cabaz... o peixe, seu ganha pão!

Saia abaixo do joelho, com bordado...
Seu olhar irradiava luz como que enamorado!

Triste, feliz sina, a desta mulher...
Trajava no corpo e alma, a sua cidade...
Como quem sabe sempre o que quer!

Sabia sempre o que queria, esta varina feliz
Era pura poesia quando deambulava pela cidade,
Como se seus lábios fossem versos...
Que iriam beijar o Romântico Júlio Dinis!

De famílias humildes, de gente do mar...
O seu corpo, a sua alma, bordava Ovar!

Pelas ruas antigas, velhos monumentos...
Seus olhos fotografavam a cidade.
Captando a beleza em pequenos momentos!

Casas, monumentos, da mais fina beleza
Rendilhados com a arte dos azulejos...
Pintados, talhados em forma de desejos!

Um cheirinho bom, entrava do nariz para o coração
Não era o cheiro do peixe que trazia, não...
Nem das boas iguarias e das boas caldeiradas...
Era do pão-de-ló - doçura das almas atormentadas!

Sempre alegre, radiosa, esta vareira sem igual...
Ela cantava, dançava, sorria para a vida...
Carregava no seu corpo de cidade, o Carnaval!

Esta varina é de Ovar, vareira de coração...
Traz em sua alma virtuosa a cidade...
Ela traja a beleza rendilhada, bordada
Em finos fios de beleza e de saudade!




Imagem nº 1 - Uma antiga varina de Ovar, a qual serviria de inspiração para o poema em cima da autoria de Ana Roxo.
Foto antiga de autor desconhecido

3 comentários:

  1. Que bom ler esta conversa com a poetisa de Esmoriz. Gostei muito saber do seu trabalho poético e da passagem de Florbela Espanca por Esmoriz (que desconhecia). Como nova residente da bela cidade, me encanta ler tudo sobre ela. O poema sobre Ovar é lindo e concordo que a poesia precisa também ser criada para ser compreendida por todos. O blog é encantador, muito obrigada.
    Jacqueline Aisenman
    www.coracional.com

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    1. Olá Jacqueline,

      Muito obrigada pelas suas palavras. Também vejo que possui um site de excelente qualidade cultural repleto de prosa e poesia. Sinta-se sempre bem vinda ao nosso blogue.

      Um grande abraço ;)

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  2. Obrigada, Jacqueline :) Os biógrafos e estudiosos, ou, por desconhecerem, ou por não acharem importante, nem sequer mencionam Esmoriz, mas ainda temos cá uma testemunha viva. Ela lembra-se mais das histórias da tia, as histórias que a tia contava sobre Florbela. No entanto, também se recorda dela: na altura teria uns 4 anos. A D. Silvina da Albana. A tia era amiga de Florbela. Si, tinha uma amiga do povo, até tomavam chá e bolinhos e trocavam confidências. Mas, isso, não interessou a quem mais de direito, saber. Agradeço as suas lindas palavras e, já que mora em Esmoriz, poderemos trocar palavras um dia as duas, quem sabe. Beijinhos.

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