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quarta-feira, 3 de abril de 2019

Pro Meritis Civitatem IV


"Um dia virá em que o trabalhador poderá ser um artista, senão pela expressão (o que cada vez importará menos) mas pelo menos para sentir o belo".


Amandine Aurore Lucile Dupin
(Recorre ao pseudónimo de George Sand)
Romancista Francesa (1804-1876)



Corria o dia 11 de Novembro de 1989, quando foi inaugurada a Estátua ao Tanoeiro, junto ao Banco Espírito Santo, na Avenida 29 de Março, em Esmoriz. Era um sábado de São Martinho, e assim sendo, centenas de pessoas assistiram ao momento da apresentação oficial da nova escultura que havia sido projectada e criada por José António Nobre.
O contexto não era o melhor para a indústria local das Tanoarias, dado que a maior parte das oficinas já tinha fechado portas, além de que começavam a escassear os aprendizes desta arte. Pelo que esta homenagem pretendia perpetuar, em jeito de gratidão, o legado deixado pelos nossos tanoeiros (muitos deles, naturais de Esmoriz, começaram a trabalhar em várias regiões do país nos séculos XVIII e XIX, até que, nos inícios do século XX, as tanoarias se afirmaram definitivamente em Esmoriz, tendo entrado, na segunda metade, em evidente declínio).
António Maria, na altura, director interino do Jornal A Voz de Esmoriz afirmaria na sua reportagem que "os tanoeiros estão no coração de todos os esmorizenses porque eles foram os obreiros da revolução industrial na terra". Além disso, este homem bem conhecido das letras e da poesia salientava que quase todos os esmorizenses eram, na altura, "descendentes de pai ou avô cujo ofício e arte era a de tanoeiro". Curiosamente, ele recorda que ainda se lembrava, há umas décadas atrás, de ouvir o batucar generalizado e disperso dos martelos pelos mais diversos pontos da freguesia de Esmoriz, algo que chamava imediatamente à atenção de qualquer visitante. António Maria conclui, na sua reportagem, que Esmoriz chegou a ser o "principal centro manufactureiro de vasilhame à frente de Gaia, Lisboa - Poço do Bispo, Porto, Setúbal, Régua ou Funchal".
Na inauguração da nova estátua também esteve presente José Guedes da Costa, Presidente da Câmara Municipal de Ovar, que realçaria o papel que a Tanoaria desempenhou no desenvolvimento desta terra, tendo assim lançado as raízes do trabalho, da perseverança e da luta, características que eram inerentes à comunidade esmorizense.
Por seu turno, Manuel Ferreira, Presidente da Junta de Freguesia de Esmoriz, mencionou que "esta inauguração perpetuará para sempre nos corações dos esmorizenses, e a indústria da Tanoaria não mais acabará na presença de todos nós e dos nossos vindouros".
Salvador Sá Ferreira, Representante da Comissão Organizadora, recorreu à celebre frase de Fernando Pessoa - "O homem sonha, a obra nasce", não deixando de enaltecer o papel de um grupo de tanoeiros (e de filhos destes) que, desde cedo, encetaram esforços para que fosse criado um monumento ao Tanoeiro, na então vila de Esmoriz.
O Padre Fernando Campos também usou da palavra e relembrou o labor ininterrupto do tanoeiro durante dias e noites, sendo que os seus valores espirituais e morais deveriam inspirar a restante sociedade em construção.
O escultor José António Nobre sentiu-se honrado por ter sido convidado a esculpir esta figura que representa uma tradição colectiva de Esmoriz, e admite que a configuração da estátua resultou da visita a várias fábricas, onde viu muitos homens franzinos, embora resilientes fisicamente ao nível das mãos, pés e músculos. No entanto, o escultor, em nenhum momento, confessou ter-se inspirado nalgum tanoeiro em específico (a escultura seria baseada na observação geral dos traços físicos de vários tanoeiros), declaração que parece refutar um mito que se difundiu posteriormente em algumas pessoas da comunidade que associaram, por alegadas semelhanças físicas e escultóricas, a estátua a um ou dois tanoeiros em concreto.
José António Nobre confessou ainda que perdeu cerca de 6 meses a construir tal peça, tendo começado em Março e terminado em Agosto. Mas ninguém pode negar que a obra ficou fantástica, continuando a ser hoje um motivo de orgulho para o povo esmorizense. 
Célebres foram também as palavras de Florindo Pinto, filho de um tanoeiro, que salientou: "o tanoeiro não era homem de desânimos: pancada atrás de pancada, fazia do sofrimento a força dos seus músculos. Acossado pela necessidade do pão conquistava, com suor, o salário magro de quem não tem direito ao ter".
Decorreu igualmente, naquele dia, uma missa de sufrágio pelos tanoeiros já falecidos.
Depois da inauguração, seguiu-se um almoço-convívio em que se procederia à entrega de medalhas às entidades presentes e aos tanoeiros mais antigos.
A animação deste grandioso evento esteve a cargo da Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Esmoriz, da Banda Musical Paramense, dos Bombos de S. Gonçalo da Rasa, etc. Também foram lançados muitos foguetes.
Esmoriz estava em festa.
O Tanoeiro que tantos barris, pipas e tonéis produzira para albergar vinho, produtos líquidos, conservas, foi então merecedor, no dia 11 de Novembro de 1989, de uma verdadeira homenagem.
Cada cidadão português ou estrangeiro que passe nos dias de hoje pelo centro de Esmoriz, já sabe que, ao visionar aquela escultura, está a visitar a verdadeira Capital da Tanoaria.





Imagem nº 1 - Capa de uma Edição do Jornal A Voz de Esmoriz que alude à inauguração do Monumento ao Tanoeiro em 1989.
Direitos - Colectânea/Arquivos do mencionado Jornal






Imagem nº 2 - O Monumento ao Tanoeiro situa-se no centro da cidade, sendo visto diariamente por milhares de pessoas (condutores e peões que por lá passam nas imediações).
Foto da minha autoria


Direitos da Reportagem: Jornal A Voz de Esmoriz. Dir. António Maria Ferreira da Silva. Edição de 25 de Novembro de 1989. Comissão de Melhoramentos de Esmoriz.

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