A nossa convidada especial do mês de Junho para uma entrevista é Jacinta Valente. A coordenadora técnica do Centro Comunitário de Esmoriz vai-nos falar um pouco da expressão associativa e social da entidade.
1– Boa tarde, Jacinta. Como nasceu o projecto do Centro Comunitário de Esmoriz?
Jacinta Valente: O Centro Comunitário de Esmoriz foi fundado a 21 de Novembro do ano 2000 na sequência do término de um Projecto de Luta Contra a Pobreza, promovido pelo Município, nos Bairros Piscatórios de Esmoriz e Cortegaça. A Comissão Instaladora derivou de elementos dos Órgãos Sociais do Esmoriz Ginásio Clube, parceiro do Projecto, e o objectivo principal foi dar continuidade e ampliar o trabalho de intervenção comunitária nas Freguesias de Esmoriz e Cortegaça e, progressivamente, em outras freguesias do Concelho de Ovar.
2 – Na época em que a IPSS nasceu, vislumbrava a cidade e o concelho com várias vulnerabilidades sociais? De que natureza?
Jacinta Valente: As problemáticas sociais não variam muito, o que varia é a sua prevalência e visibilidade. O Projecto de Luta Contra a Pobreza veio trazer ao conhecimento da comunidade problemas sociais graves, especificamente: a pobreza e exclusão social, habitação degradada (barracas, construções abarracadas), desemprego, emprego precário e sazonal, a diminuta oferta de espaços para ocupação de tempos livres das crianças e jovens, absentismo e abandono escolar, desconhecimento dos direitos e deveres sociais, fraco exercício de cidadania e de participação comunitária. O primeiro trabalho que desenvolvemos no Projecto de Luta Contra a Pobreza em 1998 foi conhecer cada pessoa e cada família da comunidade, andámos 1 ano no terreno a desenvolver esse estudo que nos permitiu aferir um diagnóstico e um plano de intervenção social local, o qual foi editado no livro: "O Arrais da Vida: Galgar os Limites do Quotidiano".
3- Após quase duas décadas de existência, quais foram os grandes resultados do Centro Comunitário de Esmoriz perante a sociedade? Poderá apontar uma estimativa do número de pessoas ajudadas no âmbito dos vossos projectos?
Jacinta Valente: O Centro Comunitário de Esmoriz nasceu de um Projeto, por isso herdou toda a metodologia de trabalho assente numa rede de parceiros e na rentabilização dos recursos da comunidade e em prol do desenvolvimento social local. O trabalho na comunidade assente na proximidade e com os parceiros é, realmente, um ganho e uma marca da nossa identidade.
Saliento também a conquista da confiança e reconhecimento das entidades que nos tutelam e das outras entidades locais. Sem falsas modéstias, acho que somos uma referência distrital, e não só, e a nossa comunidade deve orgulhar-se disso.
A aprovação e desenvolvimento de inúmeros projectos inovadores em áreas a descoberto no concelho.
A abrangência dos nossos serviços, neste momento temos 5 serviços e projectos de âmbito concelhio e 2 direccionados apenas para as freguesias de Esmoriz e Cortegaça.
O número de utentes que temos: acompanhamos aproximadamente 860 famílias em todo o concelho no âmbito do Atendimento e Acompanhamento Social. No conjunto dos diferentes serviços e projectos acompanhamos cerca de 3500 pessoas.
A especialização, qualificação, competência, jovialidade e motivação da nossa equipa de colaboradores.
No entanto, os resultados no trabalho social são muito difíceis de medir, aliás essa é uma grande ambição que temos … conseguir medir o impacto do nosso trabalho na comunidade. Fazer perceber, quanto vale cada euro que é investido em nós.
4- Quais foram as melhores iniciativas desenvolvidas pelo Centro Comunitário de Esmoriz?
Jacinta Valente: Os Programas educativos que desenvolvemos em meio escolar:
Programa de Educação Sexual para o 1º Ciclo “À Descoberta com Zé e a Maria”, que temos dinamizado todos os anos nos 4º anos das 9 EB1 do Agrupamento de Escolas Ovar Norte, durante 15 sessões.
EMOJI – O Detective de Emoções, programa de educação emocional, que temos dinamizado nas Pré-escolas do Agrupamento de Escolas Ovar Norte, com 8 sessões;
Cândido – O Aumentador de Asas, programa de promoção da cidadania e voluntariado, que temos dinamizado também nas Pré-escolas de Agrupamento de Escolas Ovar Norte.
- As Oficinas Ocupacionais para Adultos: Restauro, Informática, Yoga, Costura, Artes Plásticas.
- A qualificação, promoção do voluntariado com a dinamização de programas de voluntariado: colaboram, com uma regularidade semanal, nas actividades do CCE 11 voluntários e, pontualmente, cerca de mais 30.
- A Loja Solidária, que tem permitido recuperar bens, desde vestuário, móveis, electrodomésticos, que já não servem para alguns e colocá-los ao serviço de outros
- A Caminhada Coração Solidário que já vai na sua 17ª edição.
- A comemoração dos 15 anos do CCE: Foi um momento irrepetível concebido e realizado pelos colaboradores e utentes e no fundo que, para além, dos 15 anos, comemorámos também a nossa recuperação depois de um período crítico;
- 30 Horas a Pedalar por um Sorriso: Evento onde angariámos 3.000€ para pagamento de tratamentos dentários aos nossos utentes
- Família em Festa: Um evento que realizamos anualmente em Setembro, no Parque Ambiental do Buçaquinho, destinado às famílias.
- A nossa participação nas Mostras Sociais do Concelho, têm sido marcadas pela diferença na nossa representação;
- Os Seminários que realizámos em 2018: “Um Olhar sobre Mim, na relação com os Outros” e o “Às Voltas com as Dependências”
- As Matinés Dançantes para os Séniores, da nossa iniciativa, mas desenvolvidas em conjunto com mais 7 Instituições do Concelho, alternadamente uma vez por mês, num verdadeiro trabalho em rede.
- O nosso teatro-fórum, uma metodologia diferente de trabalhar a sensibilização para as dependências em meio escolar.
5– E os momentos bons ou críticos, quando foram vividos? E porquê?
Jacinta Valente: De todos os momentos bons que são efectivamente muitos, saliento aqueles em que os nossos utentes conseguem mudar de vida… esses são realmente os melhores e os que nos fazem continuar, num trabalho em que é preciso ter uma grande humanidade e, em simultâneo, uma grande resistência emocional e persistência.
Depois:
É tudo tão difícil de obter, quando conseguimos concretizar um novo projecto ou uma nova resposta social é uma alegria muito grande.
Apreciamos também muito os momentos em que as várias equipas do CCE se envolvem num objectivo comum, por exemplo num evento, porque temos pessoas muito talentosas e potenciamo-nos uns aos outros e divertimo-nos muito também.
Os momentos mais difíceis foram aqueles que decorreram entre os anos de 2011 e 2013 em que, por dificuldades financeiras, estivemos numa situação de quase encerramento.
6- Além do apoio aos mais carenciados, a entidade dispõe de acções de formação profissional? Que tipo de disciplinas ou temáticas são leccionadas?
Jacinta Valente: O CCE já promoveu muitas acções de formação no passado. No momento, não desenvolvemos formação padronizada. O que desenvolvemos são, sobretudo, acções de capacitação: de competências pessoais, sociais, parentais, bem como acções de alfabetização e português para estrangeiros e informática. Por exemplo, recentemente o nosso Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, dinamizou um workshop, constituído por 3 sessões, para os pais das crianças que frequentam o Centro Social Cortegacense e foi muito compensador para todos.
7- E a loja solidária? Como e onde funciona? Tem merecido afluência?
Jacinta Valente: A Loja Solidária surgiu numa altura de grandes dificuldades da Instituição. Face a muitas dádivas em géneros que não tínhamos como escoar, decidimos devolver à comunidade esses produtos, de duas formas: gratuitamente, a utentes com carência económica e a troco de pequenos donativos para a população em geral. Os donativos angariados revertem para apoiar a dinamização de atividades do CCE e apoios económicos aos utentes em situação de carência.
Sim, temos uma grande afluência à Loja Solidária quer de pessoas a oferecer artigos quer pessoas a procurar artigos.
O lema da loja é “Muito mais do que dar e receber: Recolhemos, Dignificamos, Ajudamos”… é isto resumidamente. A mesma situa-se na Avenida Joaquim Oliveira e Silva, no lugar da Praia de Esmoriz.
8– O Centro Comunitário de Esmoriz tem combatido as dependências (álcool, drogas, prostituição…) e foi notícia nacional por causa do projecto – "Dá a Volta". Explique em que consiste tal estratégia.
Jacinta Valente: Estrategicamente o CCE tem uma linha definida das áreas, projectos e respostas sociais que pretende desenvolver. A área dos comportamentos aditivos e dependências sempre esteve nos nossos objectivos. Começámos por intervir ao nível da Redução de Riscos e Minimização de Danos com o Projecto Dá a Volta, depois conseguimos ganhar o projecto na área da Reinserção com o IntegraOvar e mais recentemente na área da Prevenção com o Abispa-te. O Dá a Volta consiste numa equipa de rua que realiza giros diários pelas ruas do concelho de Ovar, prestando apoio aos consumidores e trabalhadores sexuais, numa perspectiva de saúde pública (educação para a saúde, cuidados de enfermagem, distribuição de material, distribuição de medicação, apoio psicossocial, distribuição de vestuário e snacks, acompanhamentos a serviços). Não existimos para julgar ninguém nem persuadir a assumir um percurso de vida diferente, intervimos para que os utentes tenham práticas mais seguras para eles próprios e para a comunidade. É óbvio que na relação de confiança e proximidade que estabelecemos, muitas vezes podemos proporcionar condições de vida mais humanizadas, e não raras vezes, apoiar a mudança de vida.
9- Quais as metas e os desafios do Centro Comunitário de Esmoriz no futuro?
Jacinta Valente: Precisamos de instalações para crescer e poder desenvolver outro tipo de respostas necessárias à comunidade. A Segurança Social exige a existência de instalações devidamente ajustadas e licenciadas para poder estabelecer protocolos e isso trava o desenvolvimento da Instituição.
10- Como sente o reconhecimento social do trabalho até então desenvolvido?
Jacinta Valente: Não é fácil responder a essa questão… talvez há de tudo seja a melhor resposta… sabemos que temos a confiança dos nossos principais financiadores e parceiros – Segurança Social e SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências do Ministério da Saúde – bem como da autarquia local. Acho que a maioria da população reconhece os ganhos da intervenção do CCE para a comunidade, mas existem sempre os que discordam da nossa intervenção. Mas acho que somos uma Instituição forte, cujos Colaboradores gostam do seu trabalho e têm orgulho em pertencer a esta organização e tudo fazem para a honrar e fazer crescer… e acho que isso se sente. É uma Instituição que aposta também na dinamização de programas de voluntariado e os voluntários são também uma grande força da Instituição.
Muito obrigado pela disponibilidade em responder às dez perguntas que elaboramos nesta entrevista.
Imagem nº 1 - Jacinta Valente, coordenadora do Centro Comunitário de Esmoriz, junto do técnico Nuno Rechena, técnico da IPSS. Manuel Monteiro é actualmente o presidente da instituição.
Direitos da Foto - Centro Comunitário de Esmoriz
Imagem nº 2 - A Caminhada Coração Solidário é uma iniciativa do Centro Comunitário de Esmoriz que já conta com 17 edições e visa a angariação de produtos alimentares que reverterão para as famílias mais carenciadas.
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