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quinta-feira, 7 de maio de 2020

O testemunho do Coronel José Nogueira sobre o Gabinete de Crise

O Coronel José Nogueira foi um dos rostos do excelente trabalho desenvolvido pelo Gabinete de Crise de Ovar, de forma a que se contivesse a propagação do COVID-19.
Recordamos que o Gabinete de Crise de Ovar foi constituído por bombeiros (das corporações de Esmoriz e Ovar), médicos, polícias (PSP, GNR e Autoridade Marítima Local), militares (Aeródromo de Maceda) e vários voluntários. Também o Hospital de Ovar desempenhou igualmente um papel fulcral.
Feita esta pequena introdução, é altura de partilharmos o testemunho do Coronel e Comandante da Força Aérea José Nogueira que nos explica um pouco sobre o funcionamento desta estrutura.


"A Primeira Batalha por Ovar, alguns subsídios para o entendimento do Gabinete de Crise.
Sou, inúmeras vezes, interpelado, quer por militares quer por civis, acerca do Gabinete de Crise e qual o seu verdadeiro papel na tragédia pandémica da doença COVID19 que se abateu sobre o Concelho de Ovar.
Sendo que a resposta formal é fácil, encontrando-se disponível em órgãos de imprensa de referência bem como em fontes oficiais abertas ao público, posso sintetizar afirmando que, a 17 de março, a Câmara Municipal de Ovar convocou a Comissão Municipal de Proteção Civil de Ovar (CMPC), ativou o Plano de Proteção de Emergência Municipal e, liderada pelo Presidente da Câmara, implementou um Gabinete de Crise (GABCRISE) com a missão de parar a ameaça COVID19, contribuir para a salvaguarda da vida e da saúde pública bem como de colaborar na manutenção da ordem e da paz social. Após, ter havido uma solicitação do Presidente da Câmara ao Comandante Aéreo, tive a honra de ser convidado para coordenar o GABCRISE.
Nesse dia o Governo da República, em Despacho Conjunto de S. Exa. o Primeiro Ministro e de S. Exa o Ministro da Administração Interna, declara situação de calamidade pública no Município de Ovar, interdita a circulação e permanência de pessoas na via pública exceto para deslocações necessárias e urgentes, impõe o encerramento da maioria dos serviços públicos e dos estabelecimentos comerciais, ordena o estabelecimento de uma cerca sanitária interditando todas as deslocações rodoviárias de, e para o Município de Ovar com exceções devidamente fundamentadas a bem da saúde e da sobrevivência das pessoas, proibindo, ainda, a tomada e largada de passageiros do transporte ferroviário na estação e apeadeiros de Ovar, dando, desta maneira resposta à situação emergente descrita no Despacho da Autoridade de Saúde Regional do Centro de 17 de março. Este quadro restritivo foi sendo sucessivamente avaliado, agravado e reconfirmado em diplomas subsequentes.
Em contexto de calamidade pública, para cumprir a missão, o Gabinete de Crise tinha que acompanhar a evolução da situação e de, em tempo real, através de uma abordagem holística (Comprehensive Approach), contribuir para o processo de decisão, coordenar os esforços de diferentes entidades e de operacionalizar respostas de curto e médio prazo, com carácter emergente ou urgente. A fixação da cerca sanitária em menos de seis horas acrescentava um desafio com um nível de ambição extremo.
A esfera de responsabilidade política, centrada no Presidente da Câmara coadjuvado pelo Vice-Presidente, fazia a ponte com o Governo da República e com S. Exa. o Presidente da República. Sublinho que, desde os primeiros dias, o apoio do Governo e o magistério de influência da Presidência constituíram-se como fatores críticos de sucesso para a ação deste Gabinete de Crise.
Na prática, num regime de trabalho a que, vulgarmente, os militares chamam “battle rhythm” de 24H/7D, numa Sala de Situação onde também se encontrava um Posto de Comando guarnecido pelos Bombeiros de Esmoriz e de Ovar, o Gabinete de Crise agregou as melhores vontades, valências e capacidades das forças vivas existentes no Concelho de Ovar, e que se voluntariaram para tal, para compreender a doença provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV2 , os seus originais e diferentes focos de entrada, quem estava contaminado, os padrões e vetores de propagação, os anéis de contacto das pessoas portadoras do vírus, as condições de saúde, carências e necessidades de apoio dos doentes, a comunicação estratégica e intensiva para sensibilizar a comunidade para a importância da contenção social, do confinamento e das medidas que alteraram de forma difícil, mas essencial, o quotidiano das gentes laboriosas do Concelho de Ovar.
A constituição do Gabinete de Crise, na sua fase mais madura, para além dos Presidente e Vice-Presidente, dos voluntários Vereadores da Cultura, Juventude, Apoio Social e da área da Saúde sem pelouro, os Presidentes das Juntas de Freguesia de Esmoriz, Cortegaça, Maceda, União de Freguesias e Válega, integrava ainda o Comandante do AM1, o Comandante da GNR, o Comandante da PSP, o Comandante dos Bombeiros Voluntários de Esmoriz, os Bombeiros de Ovar, o Diretor do Hospital de Ovar Francisco Zagalo, a Delegada de Saúde, a Cruz Vermelha, o Diretor do Centro de Saúde, a ASAE, a Segurança Social, os Recursos Humanos, a Assistência Social da CMO e um oficial de Logística. Esta composição era enriquecida por pessoas da estrutura camarária e complementada com outras entidades em função das necessidades identificadas e dos grupos-tarefa incumbidos de as colmatar.
Vi, altas entidades, da presidência, da vereação e comandantes, a carregar sacos do lixo, a arrumar caixotes e a pregar pregos…. Devo, também, referir os inúmeros voluntários assistentes operacionais, enfermeiros, médicos, alunos de biomédicas, de medicina e de enfermagem que, prontamente, aderiram a uma causa maior do que nós. S. Exa. o Presidente da República, em VTC, em direto, endereçou-lhes uma importante mensagem de motivação e reconhecimento. Destaco uma enfermeira, um médico e um engenheiro. Eles sabem quem são.
Dou testemunho público de que, durante esta crise pandémica, quando muitos deram prioridade à sua segurança pessoal, houve pessoas abnegadas que, sem protagonismos fúteis, serviram os melhores interesses das gentes, tanto concelhias como do todo nacional, sem auferir nenhum rendimento adicional, prescindindo do conforto familiar, do descanso e do lazer, dos fins-de-semana e feriados, expondo-se a riscos graves permitindo, de forma decisiva, que a gravíssima situação em Ovar, recentemente descrita por um cientista de renome como sendo similar à de Milão (salvaguardando as grandezas demográficas, económicas e hospitalares) tenha tido resultados completamente díspares.
Estou ciente de que esta guerra ainda não está ganha, mas a primeira batalha por Ovar sim!
Como Coordenador daquele GABCRISE, tenho o imenso privilégio de ter servido convosco naquele que, talvez, tenha sido o maior desafio das nossas vidas e, como militar, tenho a subida honra de vos saudar em continência.
Bem hajam".


José Nogueira
Comandante da Força Aérea Portuguesa






Imagem nº 1 - O Comandante/Coronel José Nogueira foi um dos principais rostos do Gabinete de Crise de Ovar, estrutura que delineou muita da estratégia do combate à pandemia do COVID-19 no concelho de Ovar.

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