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domingo, 30 de julho de 2017

Pérolas Históricas de Esmoriz XVI - O Advento da Cordoaria em Esmoriz


"Às vezes, o homem tem que soltar algumas cordas para poder agarrar outras. Afinal todos nós temos apenas duas mãos, não dá para se ter tudo".

Brenda Gomes


O nascimento do advento da cordoaria em Esmoriz deu-se, numa primeira fase, como uma resposta necessária para suportar os interesses de uma comunidade piscatória. Eram necessárias cordas e redes para viabilizar aquela actividade que seria praticada na Barrinha de Esmoriz e no alto mar. Estava efectivamente em causa toda uma estratégia de sustento, pelo que era necessário accionar mecanismos complementares. 
Dentro deste contexto, encontramos os primeiros registos escritos sobre a presença desta indústria na nossa terra já desde o século XVII. Por exemplo, António Luís, do lugar do Arrabalde, seria detentor de um pequeno estabelecimento de cordoaria na nossa terra, pelo que foi chamado, no ano de 1646, a pagar de décima (imposto que existia na altura e que correspondia à cobrança de um décimo dos rendimentos) 750 reis. Terá sido ele o primeiro cordoeiro da nossa ilustre terra? Ou outros o antecederam naquela missão, não fazendo os manuscritos menção aos seus legados?
Através deste facto, podemos facilmente concluir que a cordoaria em Esmoriz é mais antiga que a própria tanoaria (os primeiros tanoeiros naturais de Esmoriz - a trabalhar noutras terras - encontram-se datados para os séculos XVIII-XIX, e a indústria dos barris apenas se instalou praticamente na nossa terra a partir dos inícios do século XX). No entanto, a cordoaria esmorizense apesar de manter actualmente uma tradição relevante não parece ter, ainda assim, alcançado o prestígio da tanoaria que continua a ser considerada por muitos como a actividade carismática da nossa terra. 
Nos séculos XVIII e XIX, as referências à presença da cordoaria em Esmoriz intensificam-se, o que comprova o seu crescimento. De acordo com Aires de Amorim, autor da monografia, "Esmoriz e a sua História", o cordoeiro Manuel Martinho solveu 1 500 reis de décima em 1718. Em 1792, o Rato e o Leandro, cordoeiros assim designados popularmente, forneceram à Companha Nova (de Esmoriz) várias cordas bem como o saco da rede. 
De acordo com os decretos de finais de 1807 e de inícios de 1808, e para efeitos de pagamento de contribuições extraordinárias, sabe-se que em Esmoriz existiam cinco alfaiates, seis carpinteiros, três pedreiros, um sapateiro, quatro padeiras, dois ferreiros, dois vendeiros e, finalmente, sete cordoeiros. Em 1812, o senado da Câmara da Feira (à qual pertencia, na altura, a aldeia de Esmoriz) não hesitará mesmo em nomear Francisco Pinto Ferreira, de Quintãs, como juiz de cordoeiro. Ao interpretarmos novamente tais dados, verificamos que, no dealbar do século XIX, a cordoaria parecia ser ainda a indústria-mãe de Esmoriz, antes de ser definitivamente destronada pela tanoaria no século seguinte.
Francisco Pinto Ferreira parece ter sido um vulto que se evidenciaria na arte da cordoaria. Em 1815, iria contrair matrimónio, pelo que terá investido 500$000 reis, adquiridos pelo seu labor em torno do seu ofício da cordoaria, situando-se a sua praça, em casa do sogro, Manuel António Rato, da Seara.
No ano de 1820, João António Rato, do lugar da Vinha, foi credor da Companha do Ala, da praia de Espinho, por lhe ter fiado e vendido 30 cordas.
Em 1850, nasce a primeira sociedade de cordoeiros - Castro, Leça & Ferreira, da qual não conseguimos obter muitas informações. Dois anos depois, o esmorizense Agostinho de Oliveira Leite surge como credor de fio e cordas nas companhas da Nazaré. No ano de 1853, a cordoaria de Manuel Pinto Fernandes Júnior (Romeira), instalada nos Castanheiros, volta a dar alguns sinais de vida, sendo considerada uma das mais antigas da terra. Em 1886, os seus filhos José Pinto Romeira e Manuel Pinto Fernandes da Silva fundaram a sociedade Romeira & Irmão que conheceria algum sucesso visto que seria fornecedora das companhas de Ílhavo, Mira, Tocha, Quiaios, Lagos, Buarcos, Esmoriz e Espinho.
Em 1867, sabemos que José de Oliveira Caleiro, do Campo Grande, seria mais um industrial da cordoaria, embora não tivesse prosperado muito. Dez anos depois, encontramos no lugar de Matosinhos em Esmoriz - Joaquim Marques de Sá (apelidado de o "Ganhavida"), cordoeiro que seria natural da Murtosa. O seu filho, Manuel José Marques de Sá, haveria de fazer história visto que seria ele a instalar em Esmoriz, no lugar de Quintãs, no século XX, a primeira cordoaria a vapor da localidade. Outra família ilustre que se dedicou à cordoaria foi a "Ramalho" - nomes como Agostinho Fernandes Ramalho, Francisco Fernandes Ramalho (filho do anterior) e António Fernandes Ramalho pontificaram nesta arte.
De acordo com números avançados por Aires de Amorim, foram detectados em Esmoriz, entre os anos de 1820 e 1897, 140 operários cordoeiros, sendo os lugares do Campo Grande, Paço e Matosinhos os mais citados (os quais albergariam respectivamente 40, 34 e 18 cordoeiros).
No entanto, uma grande data para a história da cordoaria em Esmoriz seria certamente o dia 11 de Outubro de 1969 que assinalaria a fundação da Cordex, a qual assumiria a hegemonia no sector. Em 1979, esta empresa ganharia inclusive a distinção do Troféo Internacional à La Exportation então atribuída na cidade de Paris. O volume das suas exportações tornou-se bastante expressivo, e em 1984, a Cordex já contava com 240 operários. É conhecida por fabricar, com qualidade, cordas e cabos em sisal e sintéticos, espumas flexível e rígida e componente (isolamento de câmaras frigoríficas), exportando assim para países como a França, a Inglaterra, os EUA e a Alemanha. Actualmente, a empresa encontra-se em expansão, crescendo tanto a nível nacional como internacional.
Outra cordoaria conhecida é a Frecol que, em 1986, contava com 48 operários, produzindo cordas em polietilene e nylon bem como redes.
Claro que a cordoaria já não se restringe, nos dias de hoje, quase exclusivamente ao objectivo inicial de equipar os desígnios inerentes à pesca e arte xávega, respondendo também diante das necessidades dos sectores agrícola e industrial, bem como em áreas de segurança e lazer - náutica, vela, escalada ou outras actividades radicais.
Em jeito de balanço final, a cordoaria ocupa igualmente um capítulo importante na própria história de Esmoriz.



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Imagem nº 1 - A arte da cordoaria é muito antiga em Esmoriz, remontando, pelo menos, ao século XVII. 




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Imagem nº 2 - Carlos Pereira, representante máximo da Cordex, foi recentemente homenageado pela Rotary. A Cordex, sediada em Esmoriz, conhece igualmente ramificações importantes em Ovar e São Salvador da Baía (Brasil).
Retirada do Site OvarNews

5 comentários:

  1. Bom dia

    O meu nome é Francisco Oliveira e moro em Portimão. Li o seu artigo com muito interesse.

    O meu pai era natural de Esmoriz, assim como os meus avós. Tenho algumas suspeitas que a minha avó, ANA ROSA de SÁ, seja filha de Manuel José Marques de Sá, que narra o seu texto sobre as cordoarias. Sei que o meu bisavó tinha uma cordoaria em Esmoriz. Os meus avós radicaram-se no Cartaxo e nunca tive oportunidade de infelizmente ter contactos em Esmoriz.
    Se me autorizasse enviar-lhe-ia uma foto de família supostamente tirada na cordoaria, talvez conseguisse identificar alguém.

    Muito obrigado e um bem haja
    Francisco Oliveira

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    1. Francisco, eu sou trisneta do "ganhavida" e bisneta do Manuel José, neta do Álvaro Marques de Sá que era o mais velho e dirigiu a cordoaria quando a mãe enviuvou para sustentar a família e mandar os irmãos estudar. Somos, portanto, imagino, primos em terceiro grau.

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    2. É sempre excelente quando recordamos um pouco da nossa história e da nossa cultura. Infelizmente, eu não sou desse tempo mais antigo. Apenas me dedico a recolher informações históricas sobre Esmoriz. Mas fico feliz por constatar que estes textos que publicamos têm muito valor para os nossos leitores. Esperemos que os incentivem a saber mais sobre a história dos seus antepassados porque foram estes que ajudaram a construir a nossa terra.

      Os melhores cumprimentos aos dois

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  2. Boa noite, o meu nome é Helder Filipe Correia Marques de Sá, o meu avô José Marques de Sá, o meu pai Heitor de Oliveira Marques de Sá, estão sepultados no jazigo da Família Marques de Sá, no cemitério velho de Cortegaça. Seremos familiares?

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    1. Boas,

      É possível que sejam Hélder... Não temos dados suficientes para responder à sua questão, mas podem realizar um estudo genealógico o que poderá implicar visitas aos arquivos paroquiais e distritais.

      Os melhores cumprimentos

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