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segunda-feira, 29 de abril de 2019

Correio dos Comunicados Políticos - Intervenção do Grupo Municipal do Bloco de Esquerda na Sessão Comemorativa do 25 de Abril

É com grande emoção e orgulho na Revolução de 25 de Abril e nos homens e mulheres que o fizeram que me dirijo hoje a vós, nesta cerimónia solene.
Volvidos quarenta e cinco anos da Revolução dos Cravos, encontramo-nos novamente para comemorar Abril. Valerá a pena comemorar Abril, 45 anos depois? Eu, que não vivi a Revolução mas tive o privilégio de nascer numa sociedade construída após Abril, digo sim. Comemorar Abril não é apenas comemorar uma data. É comemorar e relembrar um legado que talvez tenhamos por garantido. É também recordar o que a Revolução deixou para trás, a 25 de Abril de 1974. Quarenta e cinco anos depois, porque a corja topa da janela e urge acordar a malta, Abril faz falta.
Quando o espectro dos nacionalismos exacerbados, da xenofobia, do fascismo, ronda a Europa e o Mundo, Abril faz falta. Quando a corrupção e o tráfico de influências entre o poder político e económico colocam o benefício privado à frente do bem comum, Abril faz falta. Quando a separação de poderes consagrada na nossa Constituição é ameaçada por quem defende a não exclusividade de funções na Assembleia da República, Abril faz falta. Quando representantes eleitos em democracia acham por bem normalizar o discurso do fascismo e enaltecer os feitos do ditador e as virtudes da ditadura, Abril também faz falta. Porque perante as imperfeições da democracia, este saudosismo das virtudes dos tempos idos se espalha como fogo em palha seca, Abril faz falta. Quando o serviço nacional de saúde e a escola pública são sucateados pelos mesmos que comemoram a data, ou quando os novos, e pouco doces, donos disto tudo desferem ferozes ataques ao salário mínimo ou ao fundo de sustentabilidade da segurança social, é claro que faz falta lutar por Abril.
Volvidos quarenta e cinco anos, porque se vai esbatendo a memória de Abril? Porque se espalha o discurso populista, anti-democrático e xenófobo? Porque há cada vez mais quem tão facilmente coloque em causa os valores democráticos e enalteça as virtudes de um período pré-Revolução?
Não nos iludamos. Vivemos tempos de crise e o fascismo, o populismo e o nacionalismo são as armas do capital para os tempos de crise. Assistimos à falência do modelo de governação e do modelo económico, que não pode ser dissociada e que aprofunda outras crises: a climática, a económica, a social e a da representação política, minada por escândalos de corrupção e tiques de autoritarismo. Em tempos de crise, porque não soubemos aprender com a história, a história repete-se.
Volvidos quarenta e cinco anos, não fomos capazes de olhar e ensinar a olhar criticamente para a nossa história, e aprender com ela. Não fomos capazes de encarar sem tabus que a nossa história tem feitos e defeitos. De nada adianta viver no passado nem se pode voltar atrás e mudar a história. Mas um povo que não conhece e aprende com a sua história compromete o seu futuro. Os pudores em assumir de forma crua o lado mais escuro do colonialismo e da ditadura, sob pena de ferir o orgulho nacional, permitem que tudo seja relativizado. Que seja relativizado o que de mal Abril venceu e o que de bom Abril conquistou.
Quando perpetuamos, ativamente ou por conivência, as fábulas do bom colonizador e do ditador humilde e providencial, minamos os alicerces de uma sociedade democrática que Abril construiu. Quando desde tenra idade aprendemos a enaltecer os feitos de Viriato, Don Afonso Henriques, das vitórias contra Leão e Castela, da Reconquista Cristã, mas não ensinamos a aceitar inequivocamente o direito à auto-determinação dos povos que colonizámos, ou resumimos a génese da lusofonia a um idílico universo de trocas culturais e comerciais, diminuímos a importância de Abril.
Não defendemos Abril quando deixamos crescer a falácia de que em ditadura não havia tráfico de influências nem corrupção, e não contrapomos com a Lei do Condicionamento Industrial ou tantas outras tantas formas de reforçar o poder e a riqueza de duas mãos cheias de famílias.
Não defendemos Abril, quando negamos ou preferimos ignorar o racismo institucional que de mansinho se vai apresentando a eleições, e não explicamos às novas gerações o que foi o Acto Colonial, o Estatuto do Indigenato, o trabalho forçado ou as outras formas de perpetuação da escravatura ainda na segunda metade do século XX.
Não defendemos Abril quando fazemos vista grossa ao enaltecimento do talento do ditador para equilibrar as finanças e não contrapomos com a brutalidade das relações de trabalho subjacentes à acumulação de riqueza nos cofres da ditadura e nos cofres dos velhos donos disto tudo. E nem uma palavra sobre os negros e mestiços a quem, nas antigas colónias, se retinha parte de um salário, pelo esforço de aculturação. Nem uma palavra sobre os milhões de pessoas que em Portugal e nas colónias viviam na miséria, sem acesso a cuidados de saúde nem educação nem aos dividendos de um estado colonial.
Não defendemos Abril quando relativizamos o significado do colonialismo, e não damos rosto à tortura, à repressão, ao cerceamento da participação democrática ou ao racismo institucional do regime. Com isso, damos é espaço à relativização das conquistas de Abril.
Se foi o 25 de Abril que abriu as portas à independência das colónias ou se foi mais de uma década de guerra colonial e de luta pela autodeterminação dos povos Africanos que conduziu inevitavelmente à Revolução, não é a questão essencial. O essencial é perceber que a Revolução foi uma inevitabilidade histórica que resultou da luta de diferentes povos, na metrópole e nas colónias. Uma luta internacionalista contra a opressão de um regime e de uma casta privilegiada. Culpar a Revolução pelos tempos conturbados que se seguiram é como culpar a enxurrada por ter rompido a barragem que comprimia as águas. Culpar os que a fizeram pela queda de uma “grande pátria lusa” é não reconhecer aos outros povos o direito à luta pela autodeterminação que doura os nossos livros de história. Pensar que poderia ser de outra forma, que se poderia dar nova forma ao governo português das ex-colónias, depois de séculos de colonialismo e uma década de guerra colonial, é não entender a profunda desigualdade subjacente à sociedade de então, cá e lá.
E se comemorar Abril é recordar o que Abril derrotou, é também lembrar as pessoas, os povos, os militares, os militantes anti-fascistas na clandestinidade que o fizeram. É lembrar as vítimas da ditadura. É garantir que não haja saudosismo do fascismo que resista às imperfeições da democracia. É iluminar o 25 de Abril e as suas conquistas com um dos períodos mais escuros da nossa história.
Mas não chega comemorar o 25 de Abril e recordar o que a Revolução venceu! Há que seguir lutando!
Quando uma União Europeia mercantilista, permissiva com o atropelo dos direitos humanos, mas implacável com os mais fracos, força a socialização das dívidas da banca e o corte nos rendimentos de quem trabalha, há que resistir com Abril e construir uma união dos povos.
Quando voltamos as costas aos imigrantes que fogem da miséria, os mandamos “para a terra deles”, ou quando o racismo institucional se perpetua, há que que resgatar os valores de Abril. Quando o ultra-nacionalismo xenófobo se torna poder e alastra pelo globo, há que recuperar o internacionalismo de Abril.
Quando a proliferação do trabalho temporário, dos falsos recibos verdes, dos contratos emprego e inserção, coloca em causa o trabalho com direitos, há quejuntar forças e reivindicar os direitos de Abril.
Quando querem desmembrar o serviço nacional de saúde ou pôr a mão no dinheiro das pensões de quem delas sobrevive ou nas reformas de quem descontou toda uma vida, há que defender as conquistas de Abril.
Quando colocam em causa a sustentabilidade da nossa casa comum e a garantia de um futuro às gerações futuras, em favor dos lucros e da panaceia do crescimento constante, há que resgatar a solidariedade intergeracional e resistir com Abril.
Quando um salário mínimo não é garantia de condições de vida dignas, mas se privatizam empresas lucrativas, distribuem chorudos dividendos e premeiam administradores com vencimentos obscenos, há que acordar a malta e acabar de cumprir Abril.
Hoje comemoramos a data, mas há um legado: um estado social a defender e a construir. Um legado cuja defesa não se coaduna com datas ou comemorações. Um legado que se defende na coerência das posições de todos os dias. Um legado que se defende não comprometendo o sistema de representação democrática com velhos vícios, mais velhos e sabidos que a própria democracia. Um legado que se defende incentivando e dando espaço à democracia participativa. Um legado que deve ser defendido e construído por todos e todas, a todos os níveis de intervenção política.
Porque fascismo nunca mais, 25 de Abril sempre!

Eduardo Ferreira
Bloco de Esquerda
Assembleia Municipal de Ovar
25 de Abril de 2019




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