O recente início dos trabalhos de abate massivo de pinhal no nosso município – Perímetro Florestal das Dunas de Ovar (PFDO) – desencadeou uma avalanche de contestação social, o que evidencia o crescimento da consciência ambiental e cívica dos munícipes e um avivar do sentimento de pertença face ao atentado ambiental em curso e iminente agravamento pela proliferação territorial.
O Bloco de Esquerda de Ovar vem publicamente solidarizar-se com todas e todos os munícipes e demais cidadãos que tem vindo a mostrar a sua indignação e consternação com esta política extrativista, subscrita pela maioria do PSD pela aprovação do Plano de Gestão Florestal do Perímetro Florestal das Dunas de Ovar (PGF-PFDO), o qual sustenta o estender destas medidas até 2026, e prevê a resinagem até à morte de milhares de árvores (com mais de 50 anos de idade) e o posterior abate “cego”. Ao
todo, no período de tempo entre 2016 e 2026, são abrangidos por este plano 247 hectares de pinhal do nosso concelho – o equivalente a quase 250 campos de futebol.
Em reação à contestação popular (e crescente “impopularidade mediática”), infeliz e já recorrentemente, assistimos à desresponsabilização e à “burocratização” por parte da Câmara Municipal de Ovar, quer através do seu Vice-presidente (em declarações para a SIC), quer pelo seu (cada vez mais ausente) Presidente, nas redes sociais.
O BE esteve e estará sempre ao lado de causas ambientalistas e na linha da frente da denuncia deste tipo de práticas que considera gravíssimas, tendo não apenas vindo a denunciar diversos “problemas” com este Plano, como tem denunciado a renuncia, por parte do executivo camarário, a encaminhar as verbas daqui decorrentes para a reflorestação criteriosa e gestão sustentável da nossa floresta. Convirá explicitar que a 100% do rendimento da resinagem e 60% do rendimento de abate de árvores revertem a favor dos cofres das autarquias de Ovar, e que tem sido sucessivamente vetada a criação de um fundo de gestão sustentável da floresta com estas verbas, por parte da maioria absoluta do PSD.
Em suma (para informações técnicas detalhadas, ver o Comunicado da Associação Amigos do Cáster), convirá esclarecer que o PFDO é propriedade das autarquias do concelho de Ovar e está submetido ao Regime Florestal Parcial pelo que se encontra sob gestão direta do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
O Plano (PGF-PFDO) aprovado em 2016 com a chancela da CMO e do ICNF, tem como principal objetivo a produção de pinheiro-bravo, e preconiza com relevo e de forma pioneira neste território o abate de pinheiros (cortes culturais e finais) após a resinagem à morte, até 4 anos antes dos abates. Contudo, julgávamos estar previsto neste plano, que nas áreas a resinar e a abater, deverá ser deixado um mínimo de 10 pinheiros por hectare, para promoção da regeneração natural; bem como é proposta a diversificação do coberto arbóreo com espécies autóctones (como o sobreiro ou o pinheiro-manso) onde determinadas condições “técnicas” o permitam. Não obstante a perspetiva de gestão integrada, são referidas vária condicionantes que podem surgir ao longo do tempo, quer ao nível da mão de obra, quer da disponibilidade orçamental.
Infelizmente e pelo que se antevê, os objetivos secundários do Plano – (ii) o recreio, enquadramento e estética da paisagem e (iii) conservação de habitats, fauna e flora – e ações respetivas, nomeadamente de gestão de combustível, de prevenção de riscos de incêndio ou de controlo de plantas exóticas invasoras, se nada fizermos ao nível da fiscalização e exigência cívica perante as respetivas autoridades, serão fatalmente relegados no tempo.
Paralelamente aos critérios de “tabula rasa” deste Plano, criticados também por diversas associações ambientalistas, (ver comunicado da associação ambientalista Campo Aberto), salientamos ainda a “nebulosa” em torno quer da responsabilidade de ação, das fontes de financiamento, metodologia e calendarização concreta da reflorestação. Sabemos, contudo que o único plano de investimento público previsto para esta área, de 6.1 milhões de euros, destinados à “melhoria da resiliência e do valor ambiental das florestas e prevenção contra agentes bióticos e abióticos”, os quais, dada a natureza, grau de vulnerabilidade e localização do território, está fora de grande parte do investimento na floresta previsto no PRR.
Além das receitas enumeradas, a recente alienação de 20ha deste perímetro florestal, por parte da CMO (com a anuência do ICNF e da Assembleia Municipal de Ovar), gerarão um encaixe financeiro de 1.54 milhões de euros, sobre o qual o BE propôs que um mínimo de 60% fossem afetados diretamente para a Gestão e reflorestação da PFDO, mas infelizmente também esta proposta foi declinada pelo executivo.
Entre 2017 e 2021, foram lançadas pelo menos seis hastas públicas para lotes de resina e madeira provenientes PFDO. Mesmo descontando das hastas públicas colocadas a leilão repetidamente, foram ou estão neste momento a ser alienados lotes de resina no valor mínimo (base mínima de licitação) de 169 mil euros e de madeira no valor de 119 mil euros (já retirados os 40% que revertem para o ICNF).
Em resumo, num período de 5 anos, o perímetro florestal gerou uma receita para as autarquias do município, de pelo menos 1,8 milhões de euros. E poderia gerar muito mais, houvesse vontade política de implementar um serviço público de Gestão e Valorização da biomassa – de acácias, por exemplo.
Portanto, não será por falta de receita nem por falta de legitimidade (o ICNF não impede os proprietários de gerir, de acordo com o previsto no Plano) ou existência de demais entraves que uma Gestão Sustentável da Floresta possa ser planificada e aplicada.
Podemos aguardar por mais catástrofes que nos torne elegíveis para um PRR focado em territórios vulneráveis ou outro qualquer financiamento nacional ou europeu destinado a desastres naturais. Ou podemos ser pró-ativos e empreendedores e mobilizarmos uma parte das receitas geradas pela nossa floresta exclusivamente para a Gestão e reflorestação da nossa floresta, e não esperarmos passivamente pela eventual aplicação das medidas de conservação e gestão previstas no PGF, essenciais para a
manutenção deste importante escudo protetor contra a erosão costeira, prioritário pulmão verde e fixador de carbono, insubstituível abrigo e fomentador da biodiversidade do concelho.
Na medida em que o próprio PGF prevê a sua reavaliação ao final de cinco anos de implementação, será pertinente e prioritária a revisão e discussão pública deste plano de gestão florestal, com vista a tornar o processo mais participado e escrutinado, e permitindo rever nomeadamente boas práticas de gestão e conservação, esclarecer cabalmente as questões de governança e de responsabilidade pela gestão, e assegurar os mecanismos financeiros necessários para a gestão sustentável (ecológica, social, económica e financeira) do perímetro florestal.
Em termos políticos, o BE não pode deixar de saudar a lançamento da petição pública ‘Salvem o Perímetro Florestal das Dunas de Ovar’ – que regista mais de 17 mil assinaturas – pese embora tenhamos reservas quanto à veracidade de algumas das alegações, mas principalmente quanto à sua motivação, pelo facto de julgarmos que o seu líder político e recém candidato à presidência da Câmara de Ovar era conhecedor deste e outros dossiers desde a sua génese, por ter vestido as mesmas cores partidárias e ter sido adjunto da presidência de Câmara até final de 2018, e somente após a cisão pessoal e política e a consequente fundação do dito “movimento popular” é que tem optado por fomentar a contestação popular, essa sim, legitima, íntegra e desinteressadamente preocupada com esta calamidade ambiental.
Lamentamos igualmente que a conferência de imprensa (de 9 de Fevereiro) que fez representar a CMO e o ICNF, ao invés de criar confiança entre os munícipes, veio criar ainda mais inquietações quanto aos procedimentos em curso e futuros. Por exemplo:
a) houve uma tentativa de normalizar o corte massivo de parcelas de talhões enquanto “boas práticas”, pese embora as críticas de outros especialistas já se tenham feito ouvir, fundamentadas em diferentes posições científicas quanto a “boas práticas”;
b) houve a clarificação da interpretação particularmente da diretriz definida ponto 3.6, II do PGF-PFDO: “Manutenção de 10 a 50 árvores adultas por hectare”, afirmando que “não pode ser lido (este rácio) só na área objeto do corte”, e que “significa que na área envolvente se mantém este número de árvores”, “senão não era eficiente nem eficaz a intervenção, deixando um salpicado de arvoredo disperso”.
Ou seja, o que poderia ser entendido como uma salvaguarda à exploração de tabula rasa, afinal é mesmo a confirmação dessa política para o futuro.
c) ficou clara (a nossa interpretação) da intenção quanto à política de reflorestação e o conceito de “regeneração natural”: na prática significa entregar as clareiras recém dizimadas ao “deus-dará” e esperar que fique tudo bem.
Comunicado do Bloco de Esquerda de Ovar