Ano após ano, ouvíamos os mesmos discursos de sempre por parte dos responsáveis políticos que transmitiam mensagens recheadas de optimismo, patriotismo e, várias vezes, alimentadas por uma dimensão demagógica. Houve quem pintasse um Portugal com boas condições sociais, fazendo passar indirectamente a ideia de que o nosso país estava a viver uma era bastante saudável.
Mas não estamos.
Quando soubemos que João Miguel Tavares iria presidir às cerimónias do 10 de Junho deste ano em Portalegre, confessamos que logo tememos que iria ser mais do mesmo. Aliás, não era sequer fã de algumas crónicas que assinava no Jornal Público. Mas a verdade é que hoje o comentador político efectuou um discurso de excelência que, embora não saindo do "politicamente correcto", deixou claros recados. A sua intervenção seguiu um sentido aglutinador ou inclusivo, transmitindo a ideia de que todos os portugueses contam e que não servem apenas para pagar impostos. E aqui incluiu tudo e todos, independentemente das suas origens étnicas. Porque efectivamente não existe qualquer padrão que defina o verdadeiro português. Desde o tempo dos Descobrimentos que abraçamos várias raças, e nós somos, também em parte, fruto dessa convivência ou miscigenação. Daí o orador ter feito alusão ao poema "Endechas a Bárbara Escrava" de Luís Vaz de Camões, cuja leitura recomendamos.
João Miguel Tavares pediu melhor qualidade de vida para os portugueses, e desafiou os políticos da nação a dar algo ao povo para que este ainda possa acreditar neles. O cronista denunciou a corrupção, os jogos viciados, a amnésia conveniente de muitos, e foi mais longe, admitindo que o desinteresse generalizado pela política não é mais do que uma consequência dos fracassos recentes. Recordou que Portugal construiu autoestradas onde não passam carros, e que, por três vezes, teve de pedir ajuda externa, traduzindo-se em sacrifícios praticamente insuportáveis para muitas famílias que não tiveram culpa das más gestões governativas. Apelou ainda a uma justiça mais célere e que não tenha medo de alcançar os poderosos.
Mas esta foi a afirmação que mais nos chamou à atenção:
"Cada família, cada pai, cada adolescente convence-se de que o jogo está viciado e que não é pelo talento e pelo trabalho que se ascende na vida, que o mérito não chega, que é preciso conhecer as pessoas certas, que é preciso ter os amigos certos, que é preciso nascer na família certa"
Em suma, o cronista disse verdades duras. Não precisou sequer de falar da carga fiscal terrível a que os portugueses foram sujeitos na última década nem da abstenção esmagadora nas passadas eleições europeias. O que revelou, chegou e sobra para mostrar que há ainda muito a fazer nos campos da transparência, ética e justiça social.
O problema é que, uma vez mais, este alerta (bem como outros) será ignorado já a partir de amanhã pelos principais partidos portugueses que, cada vez mais, se encontram obsoletos e desacreditados. Pouco ou nada mudará.
O patriotismo é lindo, e nós temos todos os motivos para nos orgulharmos do nosso passado histórico (demos a descobrir novas terras e difundimos a língua portuguesa pelos quatro cantos do globo) e da cultura diversificada que nos identifica no mundo inteiro, mas a verdade é que quando falta pão, emprego e futuro, esses sentimentos perdem muito do seu brilho e da sua inspiração. De pouco nos valerá o grandioso passado, se o presente for um pesadelo.
Portugal tem a obrigação de aliviar o elevado custo de vida que recai sobre os cidadãos contribuintes e promover o crescimento económico e social internos.
Imagem nº 1 - João Miguel Tavares deixou avisos para a classe política nacional.
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