domingo, 2 de agosto de 2020

Pérolas Históricas de Esmoriz XIX - A Tradição Folclórica e os Espigueiros de Esmoriz


"Cultura é o ciclo que o indivíduo percorre para chegar ao conhecimento de si próprio"


Soren Kierkegaard
Filósofo Dinamarquês 
Percursor do Existencialismo
(1813-1855)





É-nos impossível determinar com precisão as origens das tradições folclóricas em Esmoriz, e até mesmo no restante país. Na Idade Média, época algo profícua em banquetes populares e festividades religiosas, é possível que alguns grupos se juntassem, de forma espontânea, para cantar e dançar. Daí teremos a tradição dos "cantares ao desafio" que hoje se equiparam às desgarradas, onde duas ou mais pessoas improvisavam, cantando ao despique e munindo-se da imaginação do momento, sendo considerado vencedor aquele que obtivesse mais aplausos do público. Também a "regueifa galega" era um desafio similar presente na Galiza e em Portugal. 
Era esta a época dos poetas e cantores trovadorescos que, com as suas cantigas de amigo, amor, escárnio e mal dizer, animavam as cortes. Nesse ambiental cultural, conjugaram-se assim várias formas de recriação artística, onde a música, a poesia e a dança se mesclavam, convergindo numa unidade harmoniosa. 
No entanto, a criação oficial dos primeiros ranchos folclóricos em Portugal remonta apenas a finais do século XIX, ou quando muito, inícios do século XX. Actualmente, é uma actividade que movimenta cerca de cem mil pessoas, milhares de eventos anuais e um total de mais de dois mil grupos. Todos eles trazem consigo melodias populares tradicionais, adoptando os seus próprios usos, trajes, danças e cantares, e representando (quase) sempre as tradições das suas terras ou regiões. Uma espécie de partilha cultural que muito valoriza o nosso país.
Vários destes grupos conciliam representações autênticas mas também algumas recriações que podem não ser profundamente genuínas mas que merecem igualmente a consideração dos espectadores. 
Em Esmoriz, a tradição folclórica parece encontrar algum eco no seu passado. Nos tempos em que fora aldeia e vila, muitas das suas gentes viviam do cultivo das suas propriedades. Alguns juntavam-se em grupos e lavravam, semeavam, sachavam e colhiam. Entre Agosto e Setembro, as cantigas intensificavam-se com as desfolhadas. Nesta altura, celebravam-se festas e romarias, essencialmente de cariz religioso, surgiam ainda os frutos maduros e o magnífico pão que era feito de farinha de milho. A sociabilização crescente e as colheitas estimulavam tais expressões culturais do povo. Mas também o mar não era esquecido porque era um dos principais temas das canções que por ali eram declamadas ou entoadas.
Em 20 de Março de 1986, nasce o Grupo de Danças e Cantares de Santa Maria de Esmoriz que viria a interpretar as danças das regiões do Douro e da Beira Litoral. De acordo com um projecto de estudo (publicado em 2006) que juntou vários alunos e duas professoras (Clara Leça e Maria Luísa Pereira), sabemos que esta colectividade detém no seu espólio cultural trajes e utensílios, de cuidada recolha, que constituem um verdadeiro museu vivo da nossa etnografia local e regional. A associação, hoje liderada por Lino Osvaldo, faz reviver o legado dos antepassados. A entidade promoveu já desfiles etnográficos (por exemplo: o Festival Folclórico da Barrinha que já está perto das 30 edições), desfolhadas recriadas, participou em procissões sagradas e ainda deu a conhecer outras tradições ricas. O grupo recebeu a medalha de mérito municipal de cobre por parte da autarquia de Ovar em 2015, tendo em conta o legado etnográfico evidenciado.
Apesar de não estar conotada directamente com o folclore, a Macaca Rambóia foi uma tradição que se vislumbrou nas décadas de 70, 80 e inícios de 90. Na carpintaria de José Alves Ferreira (pai do nosso conterrâneo Adérito Ferreira), sita em Gondesende, muitos industriais e personalidades dos mais diversos ofícios da terra se juntavam ocasionalmente para comemorar aniversários de cada um dos membros do grupo. Apesar de não existir mímica ou representação, havia lugar, ainda assim, para cantigas, fados e modas, no âmbito de um convívio que se pretendia salutar.
O amor às coisas da terra é algo que sempre foi assim preconizado.
Deixamos, por fim, uma cantiga de outros tempos que foi compilada por Aires de Amorim na sua monografia "Esmoriz e a sua História":



Quando troveja:

S. Jerónimo, santa Bárbara Virgem!
Santa Bárbara se levantou,
Seu sapatinho calçou,
Seu bordão na mão tomou,
A Senhora encontrou,
E Ela lhe perguntou:
- Onde vais, Bárbara, onde vais?
- Senhora, vou ao alto dos céus
Abrandar tanta trovoada.
Como ela lá anda armada!?...
- Ora vai, Bárbara, ora vai,
Impõe-na para monte marinho
Onde não haja boi, nem vaca,
Nem bafinho de menino. 





Imagem nº 1 - O Grupo de Danças e Cantares de Esmoriz é hoje o principal embaixador folclórico da nossa cidade.
Direitos da Foto: Comissão de Melhoramentos de Esmoriz





Os espigueiros

Como testemunhos materiais de um meio rural que outrora abundou em Esmoriz, temos os célebres espigueiros. Alguns ainda hoje se conservam na cidade. Estes equipamentos poderiam assumir um formato rectangular ou quadrangular, assentando em esteios de granito e ficando com uma altura de 2 a 3 metros relativamente ao solo. Os espigueiros serviam para guardar ou armazenar as colheitas. Também se destinavam a secar o milho e a protegê-lo de animais roedores. 
De acordo com o site VortexMag, podemos rematar a sua importância através da seguintes palavras: 


"Mais do que propriamente meros celeiros onde se guardam as espigas das quais se produzirá o pão que vai à mesa do agricultor, amassado com o suor do seu próprio rosto e benzido com a sua Fé, os espigueiros constituem verdadeiras obras de arte popular que reúnem uma elevada carga simbólica, quais sacrários onde o povo guarda o alimento para o ano inteiro e, como tal, sinalizado com a cruz que o protege e resguarda de toda a maldição. Como tal, devem ser preservados como um dos mais ricos elementos do nosso património cultural de interesse etnográfico".


Os espigueiros são efectivamente património e devem fazer-nos recordar o trabalho árduo efectuado pelas gerações anteriores nos campos porque noutros tempos, o mar dava o peixe à comunidade, enquanto os terrenos ofereciam o milho, o trigo, o centeio, os cereais e ainda uma diversidade de frutos que "matavam" também a fome dum povo humilde mas trabalhador e fiel aos seus pergaminhos.





Imagem nº 2 - Espigueiros sitos em Esmoriz.
Direitos - Projecto de Estudo: Esmoriz no Passado e no Presente. Escola Florbela EB 2/3 Florbela Espanca. 2005/2006. Dinamizado por 23 alunos e liderado pelas professoras Clara Leça e Maria Luísa Pereira 
(Agradecemos a cedência do material por parte da Associação de Amigos da Praia Velha de Esmoriz)

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