terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A "Praxe" da Praia do Meco

Como ponto prévio, é evidente que ainda não existem conclusões definitivas sobre o que realmente sucedeu naquela malograda madrugada de 15 de Dezembro de 2013 numa praia de Sesimbra que custou a vida a 6 estudantes da Universidade Lusófona.
Todavia, e dadas as recentes e esclarecedoras reportagens jornalísticas, creio que já poderemos tecer algumas considerações sobre o que presumivelmente terá acontecido.
Praticamente certa é a ocorrência dum ritual arriscado de "praxe" (coloco sempre entre aspas porque a definição deste fenómeno académico tem de ser esclarecida imediatamente, até para que se criem limites) que causou negligentemente o falecimento de 6 jovens na flor da idade. Se estes se sujeitaram ou não de livre vontade (eram membros da Comissão de Praxe!), não o sabemos, mas o que é certo é que deveria haver o discernimento ou o bom senso de se negarem a enveredar por um ritual que colocaria em causa o maior bem que detinham - a vida. Falta ainda conhecer os contornos precisos deste referido ritual que seria fatal.
Que me perdoem os familiares das vítimas (e aos quais deixo, desde já, as minhas condolências e que nunca deixem de lutar pela verdade), mas os seus entes queridos que partiram de forma inocente só podem queixar-se da falta de prudência, e não do azar propriamente dito. 
Azar é cair um meteorito em cima da nossa habitação e ceifar-nos a vida, imprudência é desafiar a morte, isto é, aproximar-mo-nos demais do precipício (neste caso, do mar revolto, e ainda por cima, sem qualquer visibilidade ou possibilidade de ajuda àquelas horas). E infelizmente, o caso relatado parece (repito parece!) ir de encontro a esta última hipótese. Estas vidas poderiam estar bem hoje, se recusassem aquele ritual absurdo e atentador da integridade física. Deveriam inclusive ameaçar o dux e os demais com queixas na Universidade ou até nas autoridades policiais ou judiciais. E talvez assim, essa gentalha recuasse e percebesse finalmente que a "praxe" não implica causar sofrimento, dor e humilhação nos outros, mas sim diversão (mesmo que algo infantilizada) e laços de verdadeira amizade entre todos que integram estas práticas. Praxar não é sinónimo de criminalizar.
Mais grave ainda (Ana Leal da TVI legou-nos uma reportagem magnífica) é o facto de todos estes jovens serem obrigados a assinar termos de auto-responsabilidade que incluíam o logotipo da Universidade Lusófona (será que esta tinha conhecimento destas práticas e as tolerava? ou estamos perante um caso de usurpação do bom nome da Faculdade para tentar legitimar fins deploráveis por parte destes responsáveis pela praxe? Muito grave...). Foi também notícia de que alguns alunos, que recusassem a praxe ou a abandonassem por motivos de esgotamento nervoso (ou outra razão qualquer), teriam o curso em risco. Mas o que é isto? Vivemos num país democrático ou não? A coacção é crime, meus caros! As pessoas estão nas Universidades para estudar e se cumprem as regras elementares, não podem ser tratadas desta forma.
De acordo com vários testemunhos, relatórios e sms's obtidos, era colocada sistematicamente em causa a lealdade das pastranas que viriam a falecer, mas nesta hora de tragédia, é que observamos a "lealdade" de quem deixou as vítimas para trás ou doutros que se calhar preferem o silêncio ou anonimato à verdade dos factos. Espero que o único sobrevivente, o senhor "doutor" e dux tenha, ao menos, a coragem, de falar a verdade e deixar de lado a sua amnésia selectiva. As famílias das vítimas merecem a verdade, é algo que não lhes pode ser negado.
Caso se comprove que João Gouveia foi, na íntegra ou parcialmente, responsável pela tragédia deve evidentemente ser condenado judicialmente. Talvez assim se modere a violência das praxes, e estas poderão continuar a honrar a tradição de alegria, bem-estar e diversão mútua entre os estudantes. Confesso que, nos meus tempos de Universidade, cheguei a ouvir histórias bonitas (o baptismo do caloiro, as serenatas, o desfile da queima das fitas, aqueles trajes apreciáveis) mas outras lamentáveis (como o caso que me contaram, uma vez, de uma aluna que teve de bater com o dedo em cima da mesa durante duas horas e que no fim, ficou com o dedo partido - história que não pude confirmar inteiramente, mas que não me admiraria que fosse verdade, contudo deixo em aberto o seu grau de veracidade/falsidade) que devem ser denunciadas e punidas, em caso de extrema gravidade (isto é, ameaça à integridade física e dignidade humana), com a expulsão da Universidade e a instauração dum processo judicial.
Por fim, resta-me enviar as condolências aos familiares das vítimas nesta hora certamente difícil. Perder um filho deve ser das coisas mais horríveis, e então quando este parte de uma forma inacreditável... 
Que, ao menos, esta tragédia sirva de exemplo para que se coloquem travões, e se salvem no futuro outras vidas inocentes de jovens que têm uma longa vida para desfrutar.



Há outro sobrevivente da tragédia no Meco

Imagem nº 1 - Os familiares despedem-se dos seus filhos que faleceram tragicamente.
Veja-se ainda a reportagem de Ana Leal (TVI) sobre as praxes académicas na Lusófona em: 

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