segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Bento XVI e outros que renunciaram no passado...

Antes demais, gostaria de salientar que sou católico praticante e, por isso, respeitarei sempre o Sumo Pontífice, seja ele quem for. Mesmo assim, aproveito ainda para referir que respeito todas as outras crenças (e o mesmo digo em relação aos ateus) e por isso, vou tentar efectuar uma análise fria e cuidadosa a esta questão.
Joseph Ratzinger, ou Bento XVI, vai renunciar no dia 28 de Fevereiro de 2013. Para tal decisão, alega motivos de saúde e uma idade já avançada (85 anos!). Fora eleito Papa em 2005, após o falecimento de João Paulo II, um Papa amado e bastante consensual no Mundo Inteiro. O novo Sumo Pontífice alemão, mesmo sendo próximo do seu antecessor polaco, tinha uma tarefa muito difícil, pois começaria na sombra de um dos Papas mais conceituados da História da Igreja. 
Logo no início, Joseph Ratzinger foi confrontado com uma série de escândalos inerentes à Pedofilia. É verdade que o Papa alemão chegou a tomar medidas duras contra este tipo de situações que descredibilizam, em muito, a Igreja, mas seria acusado de tentar abafar inúmeros casos que tinham ocorrido na Alemanha. Claro que os seus defensores dirão que ele procurou proteger a imagem da Instituição Eclesiástica, ao tentar evitar que os escândalos se tornassem públicos, mas certo é que estes episódios motivaram muita contestação à sua personalidade.  
Outra crítica prende-se com a sua alegada filiação ao nazismo, tendo pertencido à Juventude Hitleriana, durante a Segunda Guerra Mundial. Trata-se duma acusação, que foi alimentada com má fé, por parte de muitos jornalistas. A verdade é que Ratzinger tal como muitos outros alemães foram forçados, desde jovens, a integrar tais organizações paramilitares de regimes ditatoriais. A família, que não se revia na ideologia nazi, não tinha outra hipótese, sob pena de serem acusados de traição, o que poderia valer-lhes a miséria total. No âmbito da Segunda Grande Guerra, Joseph Ratzinger desertou logo que teve a oportunidade, foi feito prisioneiro de guerra dos EUA e seria libertado após o final da guerra em 1945.
Por fim, outra grande questão prende-se com o facto do Papa se ter oposto ao uso dos preservativos, mesmo quando estava em causa o combate à propagação do vírus da SIDA. Neste caso, Bento XVI não terá agido bem, foi demasiado conservador, na minha perspectiva. A Igreja Católica deveria acompanhar as inovações dos novos tempos. O preservativo é um inimigo da natalidade, mas também é um grande amigo da vida, pois também evita a morte futura dos seus portadores. É uma postura a rever no futuro.
Não duvidamos que todos estes escândalos desgastaram, em muito, a figura do ainda Papa Bento XVI. Contudo, deveria ter levado, mesmo assim, a sua missão até ao fim! As razões que invoca só são suficientes para justificar o abandono dum cargo banal, o que não é seguramente o caso. Compreendo e tenho de respeitar a sua posição (até porque é uma decisão legal), mas sinceramente não concordo com ela.
Mesmo assim, e durante o seu pontificado, este Papa reafirmou a posição da Igreja contra o aborto e a eutanásia, defendendo os valores da vida.
Recorde-se que este fenómeno de resignação é bastante raro. Para além de Bento XVI, só 7 Papas (num todo de 266) renunciaram durante a História da Igreja, a saber:

  • 1º - Em 97 d.C., Clemente I renuncia a favor de Evaristo. Contudo, Clemente tomou tal decisão para assegurar a continuidade do culto, visto que seria detido e condenado à morte pelos romanos. Foi considerado um mártir da Igreja.

File:Giovanni Battista Tiepolo 094.jpg

Imagem nº 1 - São Clemente terá convertido muitos dos prisioneiros que encontrou durante o seu cativeiro, antes de ser lançado ao mar pelos romanos que procederam à sua execução desse modo.


  • 2º - O Papa Ponciano resigna em 235 d.C, depois de ter sido enviado para o exílio pelo imperador Maximino Trácio. Na Sardenha, trabalhou nas minas, tendo sido utilizado como escravo. Há quem defenda que tivesse sido executado também, sendo açoitado até à morte. Terá sido outro mártir, abdicando a favor de Antero. Só em 313 d.C., o culto cristão seria permitido no Império, graças ao Édito de Milão de Constantino I.


Pontian.jpg

Imagem nº 2- São Ponciano também foi um mártir da Igreja que não resistiu às perseguições dos romanos.


  • 3º O Papa Silvério renuncia em 537 d.C., tendo sido alvo duma tramóia preparada por Vigílio, seu diácono que desejava ocupar o seu lugar. Silvério conheceu o exílio na Turquia e acabaria mais tarde, por ser desterrado para a Ilha de Palmarola, onde terá morrido devido à escassez de alimentos. Foi reabilitado pela Igreja e inclusive canonizado no decurso do século XI.

File:Silverius2.jpg

Imagem nº 3 - O Papa Silvério fora alvo duma tramóia por parte de Vigílio, seu sucessor.

  • 4º - O Papa Bento IX é deposto em 1044, 1047 e renuncia em 1045. Parece confuso? É seguramente, basta para isso referir que foi Papa por 3 vezes!!! Trata-se duma personalidade  polémica! Foi acusado de ser uma autêntica desgraça na cadeira de São Pedro, pois diziam que Bento IX não sabia nada sobre os deveres dum Papa. Foi eleito com 18-20 anos, mas em 1044 é deposto pelos seus opositores, após várias acusações sobre o seu alegado envolvimento em assassinatos e adultérios (isto de acordo, com o Bispo de Piacenza). O seu sucessor, o Papa Silvestre III, não fica muito tempo na cadeira, pois Bento IX volta a Roma com os seus apoiantes e recupera o trono pontifício, em Abril de 1045. Nesse mesmo ano, Bento IX volta envolver-se num escândalo. Acusado de estar sob influência de álcool, deseja abandonar o posto, procurando conseguir o matrimónio. Nesse ano, resigna e decide vender o seu cargo ao seu padrinho - João Graciano (que tomaria a designação de Gregório VI). Mas a história não fica por aqui, pois Bento IX arrepende-se da decisão que tomou e volta a Roma, tomando novamente a cidade. Certo é que a sua popularidade já não era a maior, tendo as tropas germânicas, lideradas por Henrique III, invadido Roma e colocando assim ordem. Por isso, Bento IX é deposto em 1047 e o seu sucessor seria Dâmaso II. Mais tarde, já no século XI, São Pedro Damião acusou-o de ser "um demónio do inferno dissimulado de sacerdote".


Imagem nº 4 - Bento IX renunciou ao cargo de Sumo Pontífice em 1045, de forma a assegurar a sua venda a João Graciano, futuro Gregório VI.

  • 5º - O Papa Gregório VI é obrigado a renunciar em 1047, visto que não lhe perdoaram o facto de ter comprado a sua posição graças ao desmazelo total de Bento IX. Este último arrepende-se da decisão e volta a recuperar o trono pontifício. Gregório VI não desiste das suas pretensões, mas é forçado pelo clero a renunciar em 1047, visto que cometeu um crime de simonia. A reforma Gregoriana da Segunda Metade do século XI que se deve, em muito, à força motriz do futuro Gregório VII, acabará por disciplinar a Igreja, evitando estes escândalos.


Imagem nº 5 - Gregório VI renuncia visto que tinha comprado o cargo de Sumo Pontífice a Bento IX


  • 6º - O Papa Celestino V abdica em 1294, após poucos meses de pontificado. Trata-se dum eremita que não estava preparado para a exigente missão de ser Papa e por isso, renunciou ao fim de muito pouco tempo. Foi canonizado em 1313 dada a sua entrega ao ascetismo e pregação.

Celestinus quintus.jpg

Imagem nº 6 - O Papa Celestino V renunciara rapidamente com intenções de voltar à vida de eremita.


  • 7º - Em 1415, Gregório XII (Papa veneziano eleito em 1406 com 80 anos!) tinha renunciado mas por razões distintas. Colocou o seu lugar à disposição,  exigindo em troca o mesmo destino para determinados anti-papas (caso de João XXIII). Foi um passo importante para aquilo que seria o fim do Cisma da Igreja Ocidental, o que acontece definitivamente em 1417.

File:Gregory XII.jpg

Imagem nº 7 - Gregório XII desejava acabar com as divisões na Igreja.


Em jeito de conclusão, destes 7 Papas, 5 terão colocado os interesses da Igreja à frente no momento da renúncia. Os únicos 2 que não o fizeram, foram os que decidiram transaccionar o cargo de Sumo Pontífice. Quanto a Ratzinger, é difícil integrá-lo num destes dois grupos, pois moralmente foi muito superior aos desastrosos Bento IX e Gregório VI (nem pode haver comparação possível!), contudo também não poderá fazer parte do grupo de Papas que renunciaram enquanto mártires da fé ou alvo de tramóias internas.
Termina assim os quase 8 anos de papado de Bento XVI. Apesar de discordar da sua saída, desejo que seja respeitado e tenha um final de vida digno. Quanto ao seu sucessor, desejo todas as felicidades e que seja bem sucedido!



Papa Bento XVI

Imagem nº 8 - Bento XVI foi o oitavo Papa a renunciar, alegando motivos de saúde.
Retirada de: http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=3046921&page=-1, (fotografia Reuters e artigo de Licínio Lima).



Fontes Consultadas:

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