Ainda há três meses, aquando das VI Jornadas do Património de Ovar,
organizadas pela Câmara Municipal de Ovar, que integraram as Jornadas
Europeias do Património, uma iniciativa anual do Conselho da Europa e da
União Europeia, que visa a sensibilização dos cidadãos para a
importância da proteção do Património, realizou-se uma conferência e uma
exposição sobre “Necrópole Chão do Grilo: Leituras Arqueológicas”
no dia 25 de setembro, com parceria da C.M. de Ovar e Junta de
Freguesia de Esmoriz, em que foram apresentados os resultados
comparativos dos estudos e escavações arqueológicas realizadas por Rui
Serpa Pinto, em 1931, e Gabriel Pereira, em 2015. Um evento que contou
ainda com a intervenção de Gertrudes Branco, responsável da área de
arqueologia da Direção Regional de Cultura do Centro.
Elementos a descoberto na Necrópole
Mas, nem mesmo o facto da Necrópole Chão do Grilo (Esmoriz) integrar o registo nacional dos sítios arqueológicos,
parece agora merecer a devida atenção e interesse dos mesmos autarcas
que meses antes promoveram trabalhos de pesquisa científica para as
prospeções que trouxeram a descoberto em maio de 2015 três novas
sepulturas.
Novos achados arqueológicos que, na altur,a resultaram de trabalhos
de desmatação indevida no local, a exemplo do que voltou a acontecer nos
últimos dias de dezembro com obras levadas a cabo por um agente privado
sem qualquer acompanhamento por uma equipa de arqueologia, nem por
qualquer entidade competente, incluindo o próprio Município de Ovar,
considerando tratar-se de uma área devidamente identificada como campo
arqueológico para uma posterior nova fase de escavações, para tentar
descobrir vestígios do povoado que os especialistas acreditam poder
existir por aquela área que em parte, foi agora alvo de obras de
terraplanagem com o movimento de máquinas pesadas.
Gabriel Pereira e António Bebiano, presidente da JF Esmoriz
Lançado o alerta por arqueólogos inquietos sobre o preocupante
movimento de máquina naquela zona classificada como “área potencialmente
arqueológica”, na linha da “Área Nuclear Necrópole”, o deputado do
Bloco de Esquerda na Assembleia da República, Moisés Ferreira, dirigiu
ao Ministério da Cultura um requerimento em que chamava atenção para as
obras levadas a cabo numa “área de interesse no âmbito do património
arqueológico nacional”, perguntando por isso, se “o Ministério da
Cultura solicitou à tutela local – Câmara Municipal de Ovar – os devidos
esclarecimentos sobre a alegada ausência de acompanhamento?” e
concluía: “Que medidas pretende adotar o Ministério da Cultura no
sentido de travar esta ilegalidade, salvaguardar a integridade de
património arqueológico, apurar responsabilidades e punir os
responsáveis pelas ilegalidades já cometidas e o património que possa
ter já sido destruído?”.
Também localmente, o Bloco reagiu na defesa de que tal obra careceria
de acompanhamento por uma equipa de arqueologia, tendo confirmado essa
necessidade junto da Direção Regional de Cultura do Centro (DRCC). Foram
ainda feitas denuncias à DRCC de que resultou o envio de um ofício à
Câmara Municipal de Ovar, que tem a tutela do sítio arqueológico,
solicitando a suspensão das obras e agendamento de uma reunião no local.
Mas através de contactos telefónicos, o Bloco de Esquerda “obteve da
Divisão de Cultura da C.M. de Ovar a informação de que tudo estaria a
decorrer dentro da normalidade e legalidade e que a fiscalização havia
sido acionada e estava atenta à questão”, informação que é ainda exposta
no requerimento ao Ministério da Cultura.
Para denunciar no local as obras de remoção de terras e nivelamento
do terreno sem acompanhamento, uma delegação do Bloco de Esquerda de
Ovar que integrou o seu deputado municipal, Álvaro Faria, alertou também
a Câmara Municipal de Ovar e a GNR para se deslocarem à área e aí
confirmarem que as obras prosseguiam na área da Necrópole de Chão do
Grilo, em Gondezende, Esmoriz, mas nenhuma destas entidades e
autoridades acederam ao pedido, restando a este partido o envio de uma
queixa por escrito ao Presidente do Município de Ovar e várias outras
entidades competentes, em que era solicitado, que, a autarquia, “tome as
devidas providências para travar, no imediato, a realização destas
obras, para que se possa salvaguardar a integridade de património
arqueológico nacional existente no local”.
A descoberto acabou por ficar uma certa incoerência das práticas dos
autarcas que fizeram de tais achados arqueológicos, bandeira e
iniciativa politica recentemente, mas rapidamente, até porque, após os
trabalhos das prospeção em maio de 2015, o espaço voltou a ser aterrado
pela equipa das escavações, como confirmou um investigador deste campo
arqueológico, para melhor proteção dos achados da Necrópole de Chão do Grilo,
cujo projeto de valorização deste património a considerar pela postura
da Câmara neste processo, fica a dúvida não só do seu verdadeiro
interesse, mas sobretudo da viabilidade de desvendar, o que António
França, da coordenação técnica da conferência e exposição sobre
“Necrópole Chão do Grilo: Leituras Arqueológicas” considerou “um dos
maiores mistérios arqueológicos da região”, apontando como objetivos “a
datação da necrópole e a sua importância – local, regional ou nacional –
do achado”, concluindo, “Tudo aponta para que a sua importância seja
mesmo nacional” admitiu ao Ovarnews (21/05/2015).
Uma descoberta dos anos 30
Segundo as notas com referencias à investigação e às escavações
realizadas nos anos trinta, que serviram de suporte à Conferência e
Exposição “Necrópole Chão do Grilo – Leituras Arqueológicas”
realizadas em setembro de 2015, “os primeiros vestígios da necrópole
terão aparecido durante os trabalhos de exploração de uma saibreira, na
década de 30 do século XX”.
Perante os achados o reverendo António André de Lima, abade de
Esmoriz, e o eng.º Rui de Serpa Pinto, figura de referência da
arqueologia portuense, cujo legado está depositado no Museu de História
Natural na Universidade do Porto, foram chamados ao local e “terão sido
os responsáveis pelas primeiras escavações intencionais, em 1931”.
Conforme artigo de Rui Pinto publicado há época e mais recentemente
na edição dos seus trabalhos dados à estampa, sobre a Necrópole Chão do
Grilo, em Esmoriz, a quando das primeiras escavações viriam a ser
encontradas “vinte e quatro sepulturas de formato trapezoidal e
raramente retangular” e “alguns fragmentos de crânio e duas tíbias,
depositados no, então Instituto de Antropologia da Faculdade de Ciências
do Porto”.
Acrescentam ainda estas notas, que, “o número de sepulturas ao que
parece terá aumentado entre 1939 e 1940. Havendo mesmo a possibilidade
de terem existido mais de 70 sepulturas”.
Este sítio arqueológico terá permanecido até tempos recentes, “tendo
sido relocalizado em 2004. Mais tarde, em 2009, o local foi objeto de
trabalhos de prospeção arqueológica, promovidos pela C.M. de Ovar, que
apenas confirmou as áreas relativas à exploração da saibreira da década
de 30”.
Como também é afirmado, “a cronologia deste sítio implantado nas
proximidades de um afluente do rio Maior, de acordo com as
caraterísticas tipológicas e morfométricas das sepulturas, é atribuível
ainda que com reservas, a inícios de Alta Idade Média”, o que, “não
deixa de ser relevante, não só por aquilo que já se encontrou, bem como
pelas perspetivas que se abrem no sentido de identificar e compreender a
ocupação humana do local”.
As mais recentes escavações voltaram a sensibilizar responsáveis
Numa visita de arqueólogos e investigadores em maio de 2015 ao local
identificado cientificamente como sítio da Necrópole descoberta nos anos
30, no lugar de Chão do Grilo em Esmoriz, foi confirmado, na sequência
de uma desmatação, um cenário preocupante, em que a estrutura de uma
sepultura que tinha ficado a descoberto pela erosão, estava em risco
eminente de derrocada.
Foi então solicitado à DRCC junto da C.M. de Ovar a adoção de medidas
de salvaguarda de modo a garantir a memória e a conservação por
intermédio do registo científico das três novas sepulturas que acabaram
por ficar a descoberto com os trabalhos de prospeção na Necrópole do
Chão do Grilo pela equipa de arqueologos coordenada por Gabriel Rocha
Pereira.
Assim e segundo as referidas notas a que temos vindo a fazer
referência, “além das soluções arquitetónicas foi igualmente possível
identificar um conjunto diferenciado de práticas funerárias relacionadas
com o alinhamento das estruturas…” havendo ainda estudiosos como
António Huet, que em 2006 escreveu na Revista Dunas sobre os trabalhos
de Rui de Serpa Pinto, que tais estruturas, “remontariam talvez à época
barbara tardia isto é, aos séculos VI – VII, coincidindo assim com a
época dos suevos e visigodos”. Uma datação cronológica motivada pelo
facto de se tratarem de “enterramentos pobres de inumação”, uma vez que,
“não se encontraram vasos ou objetos de mais valor que justificassem
outra classificação cronológica”.
Tais achados arqueológicos da Necrópole Chão do Grilo, ainda que
continuem aguardar por melhores dias para a sua interpretação,
valorização e promoção cultural e turística, constituem os mais antigos
vestígios daquilo que pode ser a origem de Esmoriz
Texto: José Lopes (JL)
Fotos: JL e “Chão do Grilo” (Facebook)