Em Outubro de 2019, o Centro Comunitário de Esmoriz e a Fundação Padre Manuel Pinho e Irmã (entidade oriunda de Válega) foram distinguidos com o Prémio BPI Sénior Fundação "La Caixa" para desenvolverem durante 12 meses o denominado “Projecto 4 Em Linha EnvelheSER em Casa”.
Ambas as associações têm implementado dinâmicas que favorecem um envelhecimento em casa com maior segurança e comodidade. O projecto tem chegado até cerca de 60 idosos (com mais de 65 anos de idade!) das freguesias de Esmoriz e Válega, viabilizando um acompanhamento mais activo.
Cláudia Reis é coordenadora do projecto, contando ainda na sua equipa com a colaboração de Filipa Almeida e Daniela Martins, ambas gerontólogas. Vamos agora tentar falar com ela.
1 – Olá Cláudia. O que sentiu quando lhe foi confiada a missão de prestar auxílio aos idosos de Esmoriz e Válega?
R: Muito bom dia e obrigada por esta oportunidade.
Antes de mais importa referir duas questões pertinentes para contextualizar o projeto:
- apesar de o projeto “EnvelheSER em casa” ter sido premiado em 2019, só entrou em funcionamento em janeiro deste ano.
- a equipa inicial do projeto é constituída por 2 técnicas: uma coordenadora - Sara Vieira e uma gerontóloga - Daniela Martins. Por questões de licença de maternidade da técnica Sara, a coordenação foi substituída por 2 técnicas, a meio tempo cada, Cláudia Reis e Filipa Almeida, sendo previsível que a equipa inicial retome a partir de agosto.
A candidatura ao projeto surgiu de um trabalho, que tem vindo a ser desenvolvido por uma equipa alargada do Centro Comunitário de Esmoriz, na área do envelhecimento. A este trabalho, juntamos o conhecimento, a experiência e a realidade da Fundação de Válega.
Sabemos que a maior parte das pessoas quer viver e envelhecer nas suas próprias casas. Permanecer no seu domicílio e na sua comunidade e manter a autonomia e independência, dentro das limitações associadas ao avançar da idade, é sem dúvida, o que todos desejamos para nós próprios e para os nossos. Mas nem sempre este é um desejo fácil de conseguir. E foi com o propósito de apoiar e incentivar as pessoas mais velhas a permanecerem nas suas casas, com pequenos serviços que proporcionam a tal independência tão desejada, que avançamos com este projeto.
A aprovação da candidatura e a possibilidade de fazermos parte desta equipa, tem sido motivo de grandes alegrias pessoais e profissionais.
2 – Sei que uma das estratégias do projecto passa por combater o isolamento dos seniores. A solidão é um perigo para aqueles que têm uma idade mais avançada?
R: Sim, poderemos até ir mais longe… a solidão é um perigo para o ser humano, em qualquer idade. A pessoa pode ter tudo, como casa, comida, conforto, saúde…mas se não tiver ligação a outros, conexões sociais, a vida não tem sentido e o mais provável é que o cérebro vá atrofiando e a doença se vá instalando ou agravando.
Apesar da velhice não ser sinónimo de solidão, o facto é que este sentimento afeta muitas pessoas idosas. A perda de papéis, a perda de familiares e amigos, o isolamento, a diminuição de capacidades e certas características pessoais, são algumas das possíveis causas que impulsionam a solidão nos idosos.
Mas também sabemos que pequenas atitudes por parte do próprio e alguns gestos ou ações por parte de outros, podem fazer toda a diferença na vida e servir de “amortecedor” para minimizar este sentimento de solidão. As redes de apoio formais e informais são fundamentais. Saber que podemos contar com “alguém” diminui a ansiedade e aumenta o bem-estar. O “EnvelheSER em casa” tem-se revelado um excelente serviço a este nível, a avaliar por aquilo que os seus utilizadores nos dizem, mas falaremos disso mais à frente…
3 – Que tipo de serviços disponibilizam? Como funciona o regime de teleassistência? E as sessões de informação?
R: Os serviços disponibilizados são vários e adaptados às necessidades de cada pessoa. Fazemos acompanhamento ao exterior, seja para consultas ou exames médicos, cabeleireiro, compras ou que for necessário…
Temos uma parceria com a HelpPhone que disponibiliza um equipamento muito simples e prático de teleassistência. É instalado um pequeno aparelho na casa das pessoas, é colocada uma pulseira com um botão no braço do utilizador e, sempre que necessário, este pressiona o botão da pulseira, acionando de imediato o contacto com a central telefónica. Pelo aparelho surge uma voz que fala com a pessoa, procura saber qual a sua necessidade e faz a ligação com a pessoa mais próxima ou com bombeiros, de acordo com a emergência. Tem acontecido algumas pessoas carregarem no botão sem querer e são sempre atendidas pelo profissional da HelpPhone, o qual transmite um sentimento de segurança e confiança à pessoa idosa, pois esta sabe que tem sempre “alguém” à distância de um pequeno clique. Tem sido um serviço muito bem aceite por todos, porque é muito simples e eficiente.
Outros serviços como as sessões de informação e partilha, o acompanhamento individualizado no domicílio, o envolvimento dos vizinhos radar, as dinâmicas de grupo…ficaram suspensos devido à pandemia e tivemos que reformular todo o projeto.
4- Sei que também ajudam em intervenções ou reparações que os idosos planeiem realizar nas suas habitações, além de lhes facilitarem as idas às compras ou a consultas médicas. Estamos certamente perante um projecto multi-funcional?
R: Sim, há muita dificuldade em conseguir encontrar um técnico que esteja disponível para pequenos serviços de reparações. O projeto estabeleceu parcerias com pessoas desta área e servimos de intermediários entre estes e as pessoas idosas.
Fazemos também visitas aos domicílios, no sentido de avaliar e sensibilizar para adaptações dos mesmos, sob o ponto de vista da prevenção de quedas e acidentes domésticos.
Podemos dizer que este é um projeto multisserviços, personalizado e adequado às reais necessidades de cada pessoa.
5- Costumam abordar os vizinhos para tentar fazer um diagnóstico de proximidade e um acompanhamento eficaz de cada idoso?
R: Este foi um dos trabalhos ainda pouco explorado, devido à necessidade de isolamento social provocado pela pandemia do coronavírus.
6- Quantas horas investem por semana no apoio aos idosos de Esmoriz e Válega?
R: A equipa é constituída por dois horários de trabalho completos, num total de 70 horas semanais. Gostaríamos de acrescentar que, devido à pandemia, alargamos a intervenção do projeto para todo o concelho e de momento, para além das freguesias de Esmoriz e Válega, também estamos a apoiar pessoas de Ovar, Maceda e Cortegaça.
7- O surgimento da pandemia do COVID-19 veio condicionar ou intensificar ainda mais o vosso trabalho?
R: Logo no início da pandemia, a partir do dia 16 de março, toda a intervenção do projeto foi alterada. Tivemos que repensar a forma de continuar a apoiar as pessoas idosas e mais do que nunca, sentimos que tínhamos que estar presentes, ainda que, sem estar presentes.
Passamos a telefonar diariamente aos nossos utilizadores e disponibilizamo-nos para lhes fazer chegar o que necessitassem.
Rapidamente entendemos que tínhamos que chegar a mais pessoas idosas, que também estariam a viver sós e criamos três linhas telefónicas de apoio ao idoso, divulgadas por toda a Rede Social do concelho de Ovar, meios de comunicação social local e redes digitais.
Para além da entrega de medicação e bens essenciais, a Linha disponibilizou informação, articulação com outros serviços e apoio psicoemocional. Mantivemos uma articulação constante com o Gabinete de Crise da Câmara Municipal de Ovar, quer para a sinalização e acompanhamento de situações com pessoas idosas, quer para a colaboração a outros níveis.
Foram muitas as situações a solicitar ajuda para aceder a receitas médicas, a contactos com os respetivos médicos de família e a pedir entrega de medicação e alimentos.
Surgiram casos, cujos familiares nos pediam para servir de intermediários com os seus idosos, a quem não conseguiam fazer chegar alimentos, devido à cerca sanitária ou por motivos de quarentena obrigatória.
Ocorreram também sinalizações de idosos sós, que passaram a necessitar de apoio domiciliário, quer ao nível de cuidados pessoais e/ou alimentação e o projeto serviu de intermediário na requisição desses serviços.
Desenvolvemos um Programa Diário de Estimulação na página do Facebook do projeto, designado “Juntos a Amar, Alegrar, Treinar e Relaxar”. Numa sequência diária de exercícios cognitivos, físicos, sensoriais, de animação e ocupação, a página foi alimentada e os utilizadores do projeto foram sensibilizados e orientados para aprenderem a utilizar as novas ferramentas digitais.
Mas porque tínhamos noção de que este meio não chegava à grande parte dos utilizadores do projeto, decidimos imprimir as atividades e, ao longo do mês de abril, distribuímos porta a porta, 2 cadernos de atividades de estimulação cognitiva. O feedback foi muito positivo, as pessoas agradeciam a iniciativa, que lhes ajudava a ocupar o tempo e a estimular a mente.
Também distribuímos equipamentos de proteção individual, porta a porta, e como nos fomos apercebendo das dúvidas que as pessoas idosas nos transmitiam (será que posso abrir a janela de casa?, como ponho a máscara?...), elaboramos e entregamos uma revista para ajudar e sensibilizar para um desconfinamento correto.
Procuramos também, assinalar sempre o aniversário de cada pessoa, ou com um simples telefonema ou a ida ao portão cantar os parabéns ou até proporcionando um “encontro” com a família por videochamada.
A crise pandémica intensificou o nosso projeto, alargou a sua intervenção e mostrou o quanto são essenciais este tipo de ações. Mas ainda há muito para fazer…
8 – O vosso projecto já mereceu o reconhecimento das Juntas de Freguesia de Esmoriz e Válega, além da autarquia de Ovar. Gostariam de ver o projecto a ser renovado por mais um ano, caso alguma entidade estivesse disposta a investir na continuidade dos vossos serviços sociais nesta causa em concreto?
R: Sem dúvida. Temos falado sobre isso em reuniões de equipa e entendemos que um serviço destes que já atende 73 idosos (foi ultrapassada a capacidade de 60 inicialmente definida), precisa de ter continuidade. Perante a diversidade de interesses e necessidades, todas as pessoas, nomeadamente as mais idosas, necessitam de respostas também elas diversificadas e ajustadas a cada um… entendemos que este será o caminho …
O Centro Comunitário continua atento e a trabalhar no sentido de poder dar continuidade a este e outros projetos na área do envelhecimento ativo e positivo.
9 – Qual é o balanço que vocês podem fazer neste momento?
R: Como já fomos dizendo, o balanço é extremamente positivo: em 4 meses de trabalho direto com as pessoas idosas, num período inesperado para todos, de crise sanitária, confinamento obrigatório e emergência social, ultrapassamos a capacidade definida para o projeto, no qual todas as pessoas acompanhadas estão bem de saúde, tranquilas e se mostram muito satisfeitas com o que lhes tem sido proporcionado… só temos que estar gratas e cheias de motivação para continuar a fazer mais e melhor.
10 – E o reconhecimento dos idosos apoiados? Têm ouvido elogios da parte deles?
R: O reconhecimento dos idosos apoiados é sem dúvida o mais importante. Este projeto (aliás, como qualquer outra resposta) só tem sentido porque tem impacto na vida das pessoas que dele usufruem e elas transmitem-nos isso quase diariamente. Exemplo disso são algumas das frases que vamos registando ao longo das nossas intervenções e que aqui deixamos:
“Não tinha noção do vosso trabalho (Centro Comunitário). É fundamental. Tenho uma visão completamente diferente. Neste momento bato-vos as palmas.”
“Ligue sempre. Gosto muito de falar consigo.”
“Obrigada por me ouvir. Sabe, estou sempre aqui sozinha e às vezes preciso só que alguém me possa ouvir.”
“Só contigo é que me rio um bocadinho.”
“Estava mesmo a precisar de desabafar... Obrigada por me ouvir.”
“Acho que estão a fazer um trabalho muito bom a contactar as pessoas. Se antes se justificava um projeto deste género, agora ainda mais...”
“Nunca pensei que esta pandemia me trouxesse amigas... para além disso é muito bom perceber que o fazem com humanismo e não por obrigação... nos dias de hoje isso é muito raro.”
“Apesar do pouco tempo que convivemos, surgiu uma grande amizade. É muito bom ouvir uma voz amiga”
“Os telefonemas animam-me um bocadinho, apesar de tudo o que estamos a atravessar”
“Obrigada pela atenção e pelo cuidado, vocês são o meu anjinho da guarda”
“O nosso telefonema ontem, foi o melhor momento do meu dia”.
“É muito bom ouvir a sua voz…já a conheço”
“Desculpe roubar-lhe tanto do seu tempo, mas hoje foi a única pessoa com quem falei”
“Estou emocionada com o vosso gesto…vir perguntar como eu estou…Muito obrigada”
Imagem nº 1 - A equipa do "EnvelheSer em Casa" que actuou nas localidades de Esmoriz e Válega.
Imagem nº 2 - O projecto "EnvelheSer em Casa" chegou até 73 idosos.
Entrevista Publicada na anterior Edição de 24 de Junho do Jornal A Voz de Esmoriz.