Durante o mês de Abril, as conversas que mantive com os meus amigos incidiram especialmente sobre os temas das "bofetadas salutares prometidas por João Soares" e da "prisão de Luaty Beirão". Dois temas que me fizeram logo esfriar o espírito de Abril que deveria ser o mês da liberdade e dos sonhos tornados realidade, mas que, na verdade, se distancia agora da sua primitiva essência, tal é a sucessão de acontecimentos desmoralizantes.
Nos tempos derradeiros, Portugal tornou-se num país que bateu recordes ao nível do desemprego, subemprego e emigração. Enquanto tudo isso aconteceu, a classe política não foi sequer visada pela austeridade, tendo recuperado recentemente as subvenções vitalícias que são uma afronta aos sacrifícios despendidos pelos portugueses nos últimos anos.
O nosso país viveu ainda recentemente escândalos de corrupção que atestam o chico-espertismo e as habilidades sujas de individualidades que deveriam representar o país com primor e transparência, servindo a causa pública, mas que não o fizeram - movidos decerto por interesses obscuros.
Entretanto, vários hospitais, escolas e tribunais foram encerrados, obedecendo aos ditames da austeridade que, por seu turno, tem desferido golpes letais nos direitos que até então seriam consagrados aos portugueses.
Sobra ainda a liberdade de expressão, e daí a necessidade deste texto. É com muita pena que vejo o 25 de Abril a tornar-se numa sombra e numa data cada vez menos valorizada pelas camadas populares. O descrédito político não ajuda em nada, e aqui, entro definitivamente na análise das duas temáticas que enunciei em cima.
Em primeiro lugar, João Soares, ex-Ministro da Cultura, nunca deveria ter prometido dar "bofetadas salutares" a dois colunistas do Jornal Público - Augusto Seabra e Vasco Pulido Valente, visto que assim não estaria a observar o nobre princípio da liberdade de opinião. Mesmo que estes "comentadores" tivessem procurado o caminho da provocação, João Soares deveria ter ignorado os seus textos, escudando-se na sua alta responsabilidade ministerial. Além disso, as redes sociais não são certamente os melhores espaços para se expressarem sentimentos de revolta ou de indignação. Ainda assim e apesar da lamentável gravidade dos factos, penso que João Soares teria condições para permanecer no cargo, até porque o primeiro-ministro António Costa se prontificou (e bem!) a serenar a situação e a zelar para que este tipo de desentendimentos não voltassem a ocorrer.
Todavia, mais grave que a "história das bofetadas" foi, sem dúvida, a ausência de consciência democrática aquando da discussão em torno de uma eventual condenação da repressão do regime angolano que, como sabemos, não foi para a frente, visto que o Bloco de Esquerda foi o único partido que ousou afrontar a liderança de José Eduardo dos Santos por causa da perseguição então lançada a Luaty Beirão e ao seu grupo de activistas. As desculpas formuladas por PSD, CDS-PP e PCP incidiam na justificação da não-ingerência nos assuntos de outro país, mas é curioso constatar que estes partidos nunca se opuseram às intromissões chinesa e angolana nos negócios nacionais. Lá está, parece que os interesses económicos e políticos são bem mais importantes que as virtudes democráticas que deveríamos ter herdado do 25 de Abril. E isto já quer dizer muita coisa, infelizmente!
Não sei onde iremos parar. Desculpem-me o pessimismo, mas pelo andar da carruagem, daqui a cem anos, o 25 de Abril poderá tornar-se numa data como outra qualquer, tal é a ausência de valores que se tem verificado no rumo político das últimas duas décadas.
Só as gerações vindouras poderão modificar o curso dos acontecimentos, salvaguardando tudo aquilo que Zeca Afonso e Salgueiro Maia nos ajudaram a conquistar!!!
Valerá a pena lutar por Abril? Sem dúvida!
A esperança é a última a morrer!!!