A vitória do Brexit foi um autêntico balde de água fria para os europeístas. Nas vésperas da decisão, as sondagens e as casas de apostas indiciavam uma ligeira vantagem a favor da manutenção do Reino Unido na Europa a 28, mas os resultados finais então divulgados seriam inversos e gerariam um choque tremendo, abalando assim o coração da União Europeia, instituição supra-nacional que conta com pouco mais do que meio século de existência.
No entanto, os resultados não foram nada esclarecedores (Brexremain 48% - Brexit 52%) e, na minha opinião, não deveriam ser tomados como suficientemente convincentes para firmar um carácter vinculativo. Os resultados apenas provam uma divisão profunda no seio do próprio Reino Unido sobre esta matéria. Por exemplo, Escócia, Irlanda do Norte e a própria capital inglesa Londres votaram consideravelmente a favor da permanência na União Europeia, mas as restantes regiões da Inglaterra bem como o País de Gales decidiram pronunciar-se no sentido da saída. Na juventude, houve uma vitória clara do "remain", mas as faixas etárias mais conservadoras inclinaram-se para o "exit". Por outras palavras, custa-me a aceitar que uma diferença pela margem mínima seja encarada como suficiente para minar o futuro do projecto europeu. No entanto, parece que os resultados serão mesmo levados a sério, e a prova disso radica na intenção de demissão apresentada pelo primeiro-ministro britânico David Cameron que havia feito campanha pela permanência do Reino Unido na União Europeia.
Expostos estes factos, é necessário extrair daqui algumas reflexões. O pavor a uma imigração descontrolada terá sido o principal factor que motivou a descrença inglesa no actual rumo europeu, mas poderá não ter sido o único motivo. O Reino Unido exigia uma política mais firme, eficaz e sólida, e acima de tudo, maior prosperidade no seio da União Europeia. É plausível que a ausência de resultados convincentes no plano económico (e inclusive no panorama político) e a arrogância intrínseca a algumas das estruturas europeias terá ditado um elevado desconforto na população inglesa. E aqui surgem os primeiros culpados - os altos representantes da União Europeia que nunca souberam estimular a coesão, pelo contrário, chegaram a revelar prepotência e ausência de solidariedade, sobretudo em relação a países como Portugal e a Grécia, considerados como "patinhos feios". No entanto, isto não aconteceu com a Inglaterra, vista como um exemplo a seguir. Pelo contrário, era essencial manter um país com uma economia tão pujante como era a da Inglaterra. Até aqui, tudo bem! O problema é que a União Europeia, em jeito de desespero, chegou ao ponto de propor um pacote inédito de privilégios ao Reino Unido, concedendo a possibilidade de este Estado impor limitações ao nível da circulação humana (isto é, imigração condicionada e/ou controlo apertado das vagas de migrantes) e até o direito de não cooperar com países em crise da zona euro (sobretudo em casos que implicassem novos resgates financeiros), embora assumindo um poder de decisão nas matérias relacionadas com as nações mais debilitadas financeiramente. Por outras palavras, a União Europeia que tanto humilhara países como Portugal e a Grécia, rebaixava-se de uma forma histórica e invulgar às pretensões de Londres, e logo comprometendo dois dos pilares que acompanharam a sua identidade - a liberdade total de circulação de pessoas e mercadorias entre os estados-membros e a incondicional cooperação económica entre os mesmos. Bruxelas estava disposta a abdicar de dois princípios fundamentais (e fundacionais!) só para que o Reino Unido permanecesse, e isso sim, revela-nos o desnorte de quem representa actualmente a União Europeia. O pior é que nem isso impediu a vitória do Brexit. Nunca Bruxelas fora tão humilhada na sua história, e o descarrilamento vindouro só poderá ser travado com a introdução de um novo dirigismo que faça regressar a União Europeia às suas origens e à sua génese.
Por outro lado, David Cameron esteve muito perto de ser o principal vencedor neste jogo de xadrez político. As suas posições iniciais face à União Europeia foram ambíguas e até muito críticas. A ideia do referendo nasceu da sua vontade, das suas exigências em forçar Bruxelas a ceder, o que veio a acontecer. Depois de alcançar junto das entidades europeias a garantia das regalias especiais que ambicionava para o seu país, o primeiro-ministro britânico aceitou fazer campanha a favor da permanência e convocar o referendo que havia prometido, em campanha eleitoral, ao seu povo. David chegou mesmo a afirmar que se demitiria (como veio a fazer), caso a vitória não sorrisse aos desígnios europeístas, mas de nada valeu esse aviso. Nem o assassinato macabro da deputada trabalhista Jo Cox (que também fazia campanha pela manutenção do Reino Unido na União Europeia) chegaria para sensibilizar a opinião pública que se deixou levar pelos impulsos nacionalistas. Por conseguinte, o resultado traiu os planos do ainda primeiro-ministro britânico que poderia ter saído como grande vencedor deste braço-de-ferro, caso tivesse assegurado uma permanência, em condições muito especiais ou vantajosas, do Reino Unido na União Europeia. O problema é que as coisas não correram tal com ele previra. Agora a incerteza paira igualmente no futuro do Reino Unido que se encontra neste momento dividido. A Escócia e a Irlanda do Norte não querem assumir a vontade essencialmente expressada pela Inglaterra - o primeiro está disposto a intentar um novo referendo em torno de uma potencial independência vindoura, enquanto o segundo não descarta uma fusão com a Irlanda - tudo isto para assegurar a permanência na União Europeia. Além disso, existem várias empresas do Reino Unido que mantêm relações comerciais muito fortes ou até mesmo cruciais com outras sediadas em países da União Europeia e que podem ver agora o cenário bem mais dificultado ou turbulento. Também os mercados começam a duvidar do futuro económico da Inglaterra e da União Europeia, e não é de descartar o aumento da desconfiança dos investidores que se traduzirá num maior aumento das taxas de juro. Escusado será dizer que a posição dos imigrantes em Inglaterra sairá mais debilitada, e o controlo futuro da imigração será ainda maior através de um novo leque de restrições. E estamos a falar de um país que está inserido numa ilha cujas fronteiras são partilhadas com o Oceano Atlântico, país esse que ainda detém a sua moeda original - a libra! Também o turismo será afectado porque os preços por estadia poderão agora aumentar.
Em jeito de balanço final, não antevemos tempos promissores para a União Europeia e para o próprio Reino Unido. Mesmo que, daqui a dois anos (quando for oficializada a saída daquela nação), seja firmado um protocolo muito especial de cooperação entre ambas as entidades, a verdade é que o precedente já foi aberto. E, pelo que parece, mais referendos estarão a caminho. Hoje, o jornal francês "Le Monde" asseverava que Portugal iria ser mesmo punido com sanções económicas devido ao seu défice excessivo. É este o princípio de solidariedade apregoado por aquela gentalha! É este o "reconhecimento" amargo prestado pelas estruturas europeias aos sacrifícios feitos pelos portugueses nos últimos anos. Sim, nós também queremos cá um referendo! Não podemos deixar que nos pisem desta forma, já que em relação a outros países abriram as pernas, e mesmo assim não conseguiram o que mais desejavam.
Foto - Getty Images
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