domingo, 6 de abril de 2014

Conto - "Na Montanha da Solidão" da autoria de Ana Roxo


Era uma vez…
A Ilha da Solidão, algures perdida na alma, fazendo, prisioneiro, o Coração.
A liberdade permanecia cativa, presa ao medo, à solidão, à infelicidade, enredada numa teia de tristeza que não escolhe idade.
Mas nesta história, a personagem principal, é um indivíduo, marcado pelo tempo, marcado pela idade, marcado pelo desalento…
Germano, era um senhor já com uma certa idade. Nele já não imperava a serenidade.
A sua esposa já tinha partido para a origem e ele sentia-se triste e só.
A sua solidão metia dó.
Ele mergulhou numa solidão profunda, perdeu todo o seu ser… toda a sua alegria de viver.
Os filhos, praticamente, não o visitavam. Os netos, também não e, juntando a morte da mulher, Germano mergulhou no imenso mar da solidão.
Vivia triste e solitário na sua casinha algures perdida no monte. 
Germano vivia também no isolamento, daquela montanha algures perdida, bem perdida no tempo.
Lá, o tempo parecia não andar, o tempo passava devagar, devagarinho…e parecia nem andar.
Porém, a paisagem, ali era bela, pura e singela: uma autêntica obra de arte, quadro de natureza – obra de arte.
Corria um rio ainda límpido por aquela aldeia perdida no monte, onde Germano se sentava muitas vezes, quando ia buscar água à fonte.
Esses eram dos poucos momentos em que ele se sentia em paz, em que se sentia com coragem para enfrentar os problemas que a vida traz.
O rio ainda cheio de peixes era o rio onde ele ia pescar. Ali, esquecia-se de que se sentia só e podia sonhar.
Enquanto ia pescar, esquecia-se do mundo ao seu redor, da casa fria e vazia e da dor que, sobretudo à noite sentia.
Germano, havia sido um homem muito feliz enquanto a sua esposa viveu. Após a sua partida, o seu mundo morreu.
E, lá estava ele moribundo com a alma presa à solidão e o coração feito em pedaços de ilusão.
Para ele a solidão era como as bruxas dos contos que ouvia em criança, aquele tempo em que os seus olhos irradiavam alegria e esperança.
A esperança agora parecia ter morrido. Também a esperança, a fé e a alegria.
O seu mundo já não tinha magia. Nem ele acreditava em magia.
E devia acreditar, como as crianças que imaginam poder voar.
Mas ele, não…não…Estava preso à solidão.
Também encarcerado neste mundo cruel, que muitas vezes, se esquece dos idosos, machucando-os como quem amassa um velho papel.
Germano acabou por ficar uma pessoa triste e mal-humorada.
Estava sempre rezingão, sempre como quem está sempre com pedras na mão.
Mas ele tinha era mesmo pedras, mas no coração.
O seu coração tinha ficado em pedra dura, alicerçado pelo muro da amargura.
Ele tinha saudades dos tempos de criança, daqueles tempos de pujança em que corria pelos montes com os seus amigos quando regressavam da escola. Corriam pelos montes alegres e destemidos.
A amizade fechava as portas à solidão. Mas agora, Germano, não tinha amigos, não. Já todos tinham partido, rumo àquele mundo desconhecido.
Germano tinha-se tornado num misantropo. Tinha uma verdadeira aversão ao ser humano e à natureza humana, em geral. Era também esse um dos factores, da sua solidão sem igual.
Todos os outros habitantes paravam no café da aldeia, mas ele, não. 
Ficava na sua casinha perdida no escuro monte – na Montanha da Solidão.
Mas um dia, foi morar uma nova família para a aldeia onde morava a solidão. Já há anos que não se via uma criança naquela terra de solidão mas que acalentava o coração.
E num belo dia, aparece a Beatriz, uma doce, pequena e da vida, aprendiz, que apareceu como que por magia.
E se calhar foi mesmo por magia, já que ele apareceu ao mesmo tempo que uma luminosa estrela que à noite, muito luzia.
Beatriz era uma menina marota e ladina. Possuía a juventude, a alegria, a coragem, algo que para Germano, representava apenas uma passagem. Uma passagem da sua vida que se dissipou no tempo, no sofrimento de cada infeliz momento.
Germano já não acreditava em nada, já nem mais acreditava no Criador: no seu mundo, só havia espaço para a dor.
A sociedade, nada lhe dizia, não se identificava com a maior parte daquilo a que ele chamou «desvalores». A sociedade estava doente: doente de afectos, doente de valores, doente de amores. Mas este pobre idoso, também sofria do mesmo mal, excepto dos valores que teve como educação. Esses valores, ele ainda os colocava em acção.
Eram para ele de importância suprema, tal como uma ave necessita de cada pena. Mas ele, não se importava de remar contra a maré, foi assim que foi ensinado, sobretudo, pelo, seu avô José.
Germano tinha simpatizado com a pequena Beatriz, lembrava-lhe a sua neta quando ela era pequenina e ela lembrava-lhe os seus anos de petiz. Mas ele era orgulhoso e teimoso e não dava o braço a torcer. Ele adorava a menina, mas gostava de o esconder.
O velho ancião estava habituado a não demonstrar o que sentia, guardava tudo dentro de si, arrecadara de si a alegria. Os sentimentos, para ele, eram como recordações que queria olvidar, como aquelas tralhas que se guardam num baú antigo, que num sótão escuro, fomos guardar.
A bonita e pequena menina dos olhos azuis rasgados, lá ia todos os dias a casa dele, cantar-lhe os seus fados. Sim, a menina cantava, cantava muitíssimo bem e encantava, encantava…
A sua voz de anjo querubim possuía uma magia e melodia que tocava as notas do nosso coração. Até o coração do velho Germano, mas ele admitir? Isso é que não!
A menina era um bálsamo na vida do velho ancião. Era ela que lhe dava a mão, que todos os dias lhe cantava uma canção. 
Aos poucos, devagar, muito devagar, Germano foi abrindo o seu coração e de novo estava a aprender a amar.
A menina, todos os dias lhe levava carinho e amor, uma história para ler e contar…levava-lhe o segredo de amar!
E o velho senhor começava a sonhar com as histórias daquela doce e angelical criança – que lhe recordava a infância, ela era a única pessoa, com quem ele sentia que tinha importância.
Sentia-se viajar naquelas histórias, naquelas canções…sentia de novo um turbilhão de emoções.
A sua alma estava a rejuvenescer, começava a sentir-se de novo em paz…a deixar de sofrer.
A vida já não lhe parecia tão solitária e, no meio da sua casinha no meio do monte e junto à fonte.
Beatriz, um dia, levou-lhe a história de um menino que se sentia muito só, que vivia numa solidão que metia dó.
Então, o velho senhor começou a rever-se naquela história infeliz e já não queria ser mais como aquele petiz.
Queria voltar a ser o menino que ele foi no passado…Sim, os anos passaram, a infância passou, mas esta menina, a vida deste ser humano, renovou.
A história do menino solitário era assim:
«Era uma vez, um menino sem lar, sem pais ou irmãos a quem amar…
O menino tinha somente um pequeno amigo alado com o qual falava, mas como ninguém via ninguém, achavam que o menino inventava.
O menino falava com um anjo, ao qual ele chamava André. André era o único amigo do menino que se chamava Barnabé.
Era só com ele que falava, não falava com os outros meninos do orfanato, só com aquele anjo, aquele ser de luz permanente que brilhava constantemente.
Através dele Barnabé via outros anjos - via a pátria celeste e desejava lá morar e não neste mundo agreste.
O anjo levava-o a voar nas suas asas. Sim, Barnabé imaginava o anjo com asas e, ele, como que por magia ficava alado e levava o menino a mundos que ele nunca tinha sonhado.
Ele dizia que falava com André lá no orfanato onde morava, mas ninguém acreditava em Barnabé. As outras crianças afastavam-se e o seu único amigo era um ser invisível a todos menos para Barnabé – o seu anjo e também, amigo, André.
André mostrava-lhe o Criador e outros mundos onde não havia dor. Porém em outros havia mais dor do que no planeta que é o nosso lar, mas ele gostava era sonhar e de nas asas do anjo viajar.
Na terra onde morava o anjo, não havia solidão, todos eram felizes e tinham grande coração.
Barnabé dizia aos meninos que via outros mundos distantes, plenos de beleza e magia, mas ninguém acreditava no que ele dizia.
Ele gostava muito do seu amigo iluminado, mas queria também ter amigos na casa dos meninos que não têm pais, onde morava, mas ele sentia-se muito triste, porque ele a todos, afastava.
Um dia, sentou-se muito triste e a chorar no jardim do orfanato. Nesse dia, viu uma menina a se aproximar.
Ele nunca tinha visto aquela menina ali, mas ela espelhava a alegria. Ela devia ter entrado no orfanato aquele dia.
Então, pé ante pé, ela aproximou-se de Barnabé e perguntou-lhe: 
- Eu sei que és o Barnabé, mas por que estás a chorar? Por quê essa infelicidade? Será porque te falta amizade?
- Sim, é. Aqui não tenho amigos, todos me olham de lado como se eu fosse maluco e se afastam como se eu tivesse uma doença algo de mal. Ninguém acredita que vejo anjos, mas para mim, isso é normal.
Não sou maluco, sou um menino, no fundo, como qualquer outro com um coração mas vivo preso à solidão.
A solidão consome-me a alma. Por vezes, perco a alegria de viver. Sinto-me muito só, ninguém quer ser meu amigo e eu estou tão só.
Ninguém comigo quer brincar, fico sempre num canto a falar com o André. É bom, mas também preciso mudar. Brincar com outras crianças como eu. Fico a ver as outras crianças brincar, todas contentes e a cantar e eu só fico num canto a chorar e a sonhar.
Eu não pedi para falar com os anjos ou para os ver, acho que também tenho o direito de com outros meninos, conviver.
Então, a menina respondeu:
  - Sabes, Barnabé, eu também falo com anjos e não acho que sejas maluco, ou então eu sou como tu também e não deixo que ninguém me chame de maluca, ninguém.
- Também não tenho amigos, por falar comigo, para brincar comigo, também sofro de solidão, mas quero também um amigo.
- Vês aquele anjo ali?
- Sim, vejo, respondeu Barnabé.
 - É ele também o meu único amigo, o único que está comigo. 
- E, como se chama, ele? 
- Ele chama-se Ismael e é um anjo de luz e foi ele que me apresentou a Jesus.
  - Queres ser meu amigo, Barnabé? Afinal, este mundo, nós os dois sabemos como é.
  Sim, quero ser teu amigo, nunca tive amigos além de anjos. Quero brincar contigo.
Então, os dois seguiram de mão dada e a amizade foi iniciada.
Estavam juntos por toda a parte, eram os melhores amigos do mundo…A amizade, era para eles um prazer profundo.
E, assim, escaparam à solidão: a amizade encheu-lhes o coração.
Continuavam a falar com os seres angelicais, mas os outros meninos continuavam a achar que eles não eram normais.
Mas isso, para eles, importante, não era… a amizade, sim, pura, aquela amizade que sempre prospera.
E no íntimo dos seus sonhos e também da sua imaginação, caminharam para todo o sempre dando as mãos à amizade com a melodia e o toque do coração.
Visitaram mundos novos, nas asas dos anjos…viajaram na imaginação e viajaram no coração.
Assim, deveriam viver todos os homens, mesmo que a infância já seja lembrança do tempo passado, deviam se lembrar da infância como alegria do seu fado.
Beatriz e Barnabé foram amigos para sempre, conservando a inocência pueril, a inocência juvenil».

E, assim, terminava esta história: a história com que Germano se identificava, aquele com que sonhava…
Germano não acreditava em anjos, mas adorava ouvir aquela história vezes sem fim, mesmo que não acreditasse no anjo querubim.
Aos poucos a ordem substituía a desordem e o velho ancião, começava a pôr de lado a solidão.
Aquele ser solitário, já ia ao café, já conversava com as pessoas, porque se lembrava da história do Barnabé.
Mas, havia também a doce Beatriz, aquela linda e imaculada criança que lhe restituiu a esperança.
Com a companhia dela, ele esquecia-se da dor, do sofrimento, dos tempos de paragem, em que não avançava. Finalmente reencontrou a coragem. A coragem que havia perdido sem mais querer encontrar, como se fosse um barco que se afunda no mar.
Mas agora não… Tinha aquela linda e loira menina, com todo o seu amor, com toda a beleza de uma linda e pequena flor.
Ela chamava, Germano de avozinho e ele gostava muito que ela o chamasse assim. Pensava sempre: - A minha família nem se lembra de mim, mas esta criança que nem é do meu sangue, sim.
Aos poucos, as pessoas viam a mudança. Ele já não era carrancudo, ele já não era sisudo e tinha um sorriso no rosto e nunca mais se leu nos seus olhos as lágrimas do desgosto.
Agora no isolamento, só estava a sua casinha que continuava triste e só, perdida no monte e no esquecimento.
Mas era só a pequena casa, o seu morador, já não se sentia como ela: já não estava infeliz: agora estava feliz e quem lhe devolveu a cidade foi a pequena e angelical Beatriz.
Com ela reaprendeu a sonhar, a ser de novo criança e a imaginar.
O que ele ainda não sabia era que Beatriz também falava com os seres alados, que eles eram também seus amigos, os amigos ainda por Germano, ignorados.
Germano levava consigo a menina a pescar. Ela, até já conseguia pescar mais do que ele: era sempre a aviar.
Quem diria que a amizade iria nascer entre um idoso e uma criança a crescer, mas eles grandes amigos…era uma amizade pura…que dura.
Beatriz também sentia falta de um amigo da sua idade que tinha ficado longe dela, também se lembrava e gostava muito daquele rapaz, mas agora, no seu coração também morava Germano, um homem, que com ela, ganhou a tão desejada paz.
Um dia, o velho senhor reparou que Beatriz falava com alguém mas ele não via ninguém. Pensou que era algum amigo imaginário que as crianças costumam ter, algum ser mágico e lendário. E durante um longo tempo não ligou às conversas que a menina tinha com alguém que ele não via, mas depois reparou que ela falava com eles até quando dormia.
Nesse momento, as perguntas começaram a desenhar-se na sua mente e perguntou à menina, o porquê de falar sozinha e isso significava o quê?
Beatriz respondeu que falava com anjos como os meninos da história e que os outros meninos a achavam anormal, mas ela penas falava como o mundo celestial.
Germano disse-lhe que era muito bonito o que dizia e que era muito bom sonhar e imaginar, mas ela um dia deixaria de ser criança e deixaria de acreditar.
Ela disse que não, que iria sempre acreditar neles e que estava a ser verdadeira, que os via, que falava com eles, que viajava nas asas deles, por mundos sem fronteira.
Por mundos tristes, por mundos de felicidade, guiada nas asas desses guardas da humanidade, lá seguia a pequena heroína…lá via também fadas e todos os seres de luminosidade, que só são vistas por crianças de pequena idade.
Esse era o outro mundo da pequena Beatriz: este outro mundo onde via novos mundos, seres diferentes, seres para nós ausentes.
Ela começou a mostrar esse mundo das entidades aladas ao velho ancião e mesmo ele não os vendo, sentia a sua presença no seu coração.
Ele pensava, muitas vezes:
- Se esta menina fala com anjos e com o além, talvez ela seja um anjo também.
Se calhar não estava errado e ela seria mesmo um anjo da guarda que está na Terra para o amar e guardar.
Pensava nisso tantas vezes e em como aquela criança lhe fazia bem. Já não sabia o que era a solidão. Já não se sentia ninguém. Agora sentia-se alguém.
Germano, tanto acreditou na menina que também já via os seres alados e voava também por esses mundos nas asas destes seres bem -amados.
Começava a ver os mesmos mundos do que a sua amiguinha. A sua alma interior rejubilava e ao mesmo tempo que voava, ele também sonhava. Sonhava como seria bom ali viver, sem a maldade, a estupidez da Humanidade e pensava como seria bom que a Humanidade acordasse da falta de amor, do egoísmo e da falta de caridade.
Vivíamos num mundo a apodrecer: ele próprio sentiu isso na pele: nem a sua família se compadeceu da sua solidão e ele, foi no passado um homem que se esqueceu de que tinha coração.
Deixou de sofrer de misantropia, começava a amar a humanidade, apesar de tudo. Começou a sentir alegria.
Já não tinha pânico, não tinha medo, não tinha receio de abrir o seu imenso coração ao mundo e isso inundava-o de um prazer profundo.
Também já via fadas que lhe tratavam também do jardim e perfumavam-no com o cheiro do jasmim. Sentia-se agradecido, abençoado de por Deus, ter sido criado.
Sim, ele voltou a crer no Criador, ele voltou a crer no amor e matou do seu íntimo a dor.
Agora já não vivia reprimido, agora sentia a liberdade a pulsar-lhe de novo nas veias e em todo o seu ser…Era livre, sentia-se livre, podem crer!
Agora até gostava de aventura, algo que antes lhe causava amargura. E procurava a aventura nesses mundos perdidos e procurava a aventura na montanha onde vivia que tinha uma paisagem tão bela de perder os sentidos!
Tomou consciência de si mesmo, sabia agora que a sua esposa onde estava, estava bem e isso trazia-lhe felicidade: o sabê-la bem, diminuía a saudade.
Vivia em paz consigo mesmo…O isolamento, a solidão, faziam parte do passado, passado que aos poucos, ia sendo apagado.
A solidão é algo muito triste e muitas vezes nem é preciso não ter ninguém ao lado, podemos ter e ter solidão na mesma e ainda custa mais esse sofrer.
Todavia Germano tinha apagado a solidão com a ajuda de uma criança, que lhe devolveu a esperança.
Sentia-se profundamente agradecido e abençoado. Já não se sentia renegado.
Todos os dias, aquela menina com voz angelical o visitava em sua casa, cantava-lhe lindas canções, daquelas que tocam e encantam os mais duros dos corações.
A vida finalmente lhe estava a sorrir e, finalmente acreditava no porvir.
Tornou-se num homem que se renovou, deixando para trás o caos e a desordem em que um dia a sua vida se tornou.
Hoje, parecia uma criança viajava pela imaginação e viajava por mundos fora do normal, finalmente havia reconhecido que era um homem especial.
Germano tinha percebido que, na vida, não nos podemos esquecer também do que é ser criança, que não fazia mal e que não se devia matar a criança há em todos nós – que representa um prazer sem igual e que não é bom estarmos e nos sentirmos sós.
Um dia, nas asas dos anjos e na companhia de Beatriz, o velho ancião voou até uma montanha que era a Montanha da Solidão. Era exactamente igual à montanha onde vivia e em que tinha a sua habitação.
Lá, via a Solidão, representada por uma feia e horrível criatura, que só sabia espalhar amargura.
Aquela Montanha representava o seu passado, o que tinha ficado para trás e que não deveria ser relembrado.
Lá encontrou os sentimentos, dos quais, outrora padecia – ali reinava a desarmonia.
Criaturas horrendas e horripilantes representavam os sentimentos que, já não o assolavam, mas que o assolaram antes.
Era um mundo de negritude extrema… um sítio que não valia mesmo nada a pena. Porém, aquela montanha espelhava o que um dia, a sua vida foi…sem brilho, sem amor, sem alegria…
Lá, revia o seu passado, o que outrora foi o seu fado.
Beatriz, também tinha a sua Montanha da Solidão, perdida num mundo onde não existia o coração.
Lá ainda revia as memórias do amigo criança que teve de deixar em outra localidade, ainda sentia saudades dele, daquele menino da sua idade.
Mas, já não sentia solidão, pois tinha encontrado um amigo naquele velho ancião.
Tinha apenas saudade do amigo de tenra idade.
Os seus pais sabiam da saudade que ela sentia e tentaram trazer o amigo para junto dela para lhe dar mais alegria.
Mas já não sabiam onde ele estava, onde ele parava…Já não estava no local onde outrora morava.
Na Montanha que espelhava a vida real, era também espelhada a falta que este amigo fazia a Beatriz…Gostava muito de Germano, mas com aquele menino agora perdido, ficaria ainda mais feliz.
Na Montanha da Solidão, via também criaturas monstruosas, carregadas de dor, na negritude da solidão, na negritude da dor, na busca do amor.
Também se revia o seu passado naquela montanha de tormentos e revia nas suas colinas, os sofrimentos.
Mas essa montanha representava apenas o passado, algo que ela queria 
morto e enterrado.
Nos mundos distantes, também viam a Montanha do Presente. A outra era a Montanha da Solidão – a montanha do passado, a montanha do caos, a montanha da ilusão.
Havia algo sobre Beatriz que Germano ainda desconhecia. Aqueles pais que tanto a amavam e a tratavam com todo o carinho, não eram os seus pais de sangue, mas eram eles, também a causa da sua alegria.
A criança de luz era adoptada, tinha estado num orfanato onde estava institucionalizada, mas não conseguiram trazer com eles o amigo leal – o companheiro de todas as horas naquele orfanato que mais parecia um frio hospital.
Contudo, nunca desistiram de trazer o menino para o seio do seu lar, não podiam ter filhos e queriam crianças a quem amar.
Queriam que ele fosse também o seu filho amado que por eles seria criado.
Beatriz, lá do alto da sua pequena grandeza, iria ficar feliz.
E o petiz também iria ser feliz.
Todos iriam mergulhar na profunda felicidade do amor, da alegria, do coração e não da malfadada solidão - a solidão que comprime e fere a alma, a solidão que fere de morte o coração.
Finalmente, um belo dia, finalmente conseguiram encontrar o menino perdido e a felicidade da menina foi imensa e dele também por ver que não foi esquecido.
Barnabé encontrou um lar, um verdadeiro lar, uma família a quem amar. E lá ficou também para trás o seu passado, agora amava e era amado.
Também ele esqueceu o caos, a solidão e morava a felicidade no seu coração.
Barnabé conheceu Germano e a amizade entre os dois também começou a crescer. Ele, Beatriz e Germano, gerações de diferente idade, mas que sabiam o real valor da amizade.
Agora, eram três criaturas a conhecer os seres do mundo de luz eterna – aquele seres da luz fraterna.
Na luz, não há solidão, não há caos, não há repressão, só há a luz divina que aquece o coração.
Mesmo numa sociedade tão voltada para si e de um egoísmo sem medida, é imperioso procurar a luz numa chama bem definida: uma luz de paz, amizade e de concórdia, pondo no lixo a discórdia.
A solidão fere o coração, é um vil sofrimento: os amigos também são necessários para colmatar o sofrimento.
Os indivíduos, também deveriam ajudar mais o seu semelhante, evitando que caia em solidão, numa solidão constante.
Agora que estamos quase a terminar não falemos de infelicidade e de solidão, falemos dos bons sentimentos e das pessoas de luz, que são o remédio do coração.
Mas quem seriam estas duas crianças que falavam com o mundo dos seres alados, dos seres angelicais? Seriam também anjos? Talvez, não saibamos jamais!
O que sabemos então? O que nos diz o Coração?
Talvez sejam anjos sim, que vieram dar a luz à Terra e a perfumar com o doce aroma do jasmim.
Certamente devem estar a pensar, mas afinal já sabemos quem é a Beatriz e o Barnabé!
Sim, o menino da história, a Germano contada naquela bela madrugada- era o Barnabé e a menina que na história não tinha nome era Beatriz. 
E assim, sem solidão, mas com amizade e amor termina esta história feliz!


Escrito segundo a antiga ortografia (Ana Roxo).




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