segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O Desnorte Natalício recoloca-nos no cenário impensável (Opinião)

Muito sinceramente, fui daqueles que pensava que, quando saímos em Maio de 2020 do confinamento geral, não voltaríamos a viver tal experiência. Julgava que a pior parte já tinha passado, que a vacina não iria demorar muito tempo a chegar e que os erros cometidos (que até não foram muitos na altura!) numa primeira abordagem não voltariam a ser repetidos ao longo do processo, tanto pela parte do Governo como pela própria Sociedade. O Verão quente trouxe esperança, o Outono sinuoso voltou a fazer soar o alarme, mas o Dezembro não foi temivelmente avassalador. O anúncio da primeira vacina a ser aplicada em Portugal teve honras de abertura de noticiários televisivos, e todos esperavam que 2021 iria ser o ano da mudança, embora os sacrifícios tivessem que perdurar por mais um semestre. 

O que ninguém esperava - é que esta "terceira onda" do Vírus estivesse a ser tão implacável ao ponto de se baterem recordes diários, tanto ao nível de infecções como de mortes. Aliás, a COVID-19 está revelar uma taxa de contágio e um número crescente de fatalidades nunca antes vistos. Como isto foi possível? Uns culpam o aleatório, a conjuntura internacional e a disseminação do vírus que se conjuga da pior forma com as temperaturas frias. Outros apontam a culpa ao Governo por ter levantado as restricções da época natalícia, permitindo que o pequeno comércio e a restauração pudessem facturar sem salvaguardar a possibilidade de surgirem novos focos de contágio. E ainda há quem aponte o dedo à irresponsabilidade da sociedade que subestimou o vírus, talvez motivada pela chegada da vacina (e do show-off que o momento merecera), pela tentação de se aglomerar nas celebrações natalícias (e idas às compras) e pela postura de uma aparente normalização e "aceitação" perante a pandemia.

Na verdade, foi um bocado de tudo isto. A conjuntura climática, a força do vírus (que já ganhou "estirpes" novas lá fora), a falta de planeamento e ingenuidade do Governo (no Natal) e o baixar da guarda da própria Sociedade. Factores que só poderiam convergir para o descalabro. 

O resultado vai ser novamente trágico, e não há-que escolher palavras mansas ou entrar pela via de eufemismos. A arenga que se popularizou do "vai ficar tudo bem" é hoje um mito que não pode ser levado a sério. Há muita gente que infelizmente ainda vai perecer do vírus (agora serão centenas, quando antes eram dezenas por dia) e muitos outros ficarão com sequelas graves, o Serviço Nacional de Saúde vai ter hospitais à beira da saturação, o comércio e a restauração locais sofrerão uma crise enorme (só se safarão praticamente as casas que antes facturavam bem), o número de despedimentos vai aumentar e claro, a psicologia do medo vai estar bastante presente ainda neste ano de 2021.

Desenganem-se os que julgam que o confinamento geral que se iniciará na próxima quinta-feira apenas irá perdurar por quinze dias. Inicialmente, e como dita a constituição, é esse o prazo que tem de ser dado para a renovação dos Estados de Emergência, mas atendendo que os números actuais da pandemia são muito mais nefastos que o do primeiro surto do ano passado, é 99% seguro que o período será renovado. Pelo menos, muitos estabelecimentos terão que ficar assim um mês parados. E repito, nada nos garante que, a 14 de Fevereiro, a situação esteja já controlada, embora possam ser levantadas algumas restricções se a evolução for minimamente favorável. 

O país enfrenta um momento bastante difícil. E uma recaída é sempre muito mais preocupante do que o primeiro tombo. Não duvido que se avizinham tempos bastante adversos porque, na verdade, quase que voltamos à estaca zero. E só não digo que voltamos definitivamente ao ponto de partida dado que a vacina já cá está fora, mas pressinto o drama e a impotência de muitas famílias nos próximos tempos. É necessário reforçar os apoios às IPSS's, ao Serviço Nacional de Saúde, às corporações de bombeiros, às autoridades policiais e militares porque eles serão fundamentais para devolver o país à normalidade. E depois, quando vencida a pandemia, é preciso que Governo e as Autarquias aprovem um mega-plano de apoio aos comerciantes e pequenos empresários, de forma a salvarem os seus empreendimentos. Até este momento, sei que algumas medidas úteis já foram tomadas, mas será necessário fazer muito mais!

Não sei o que hei-de dizer mais. Custa-me a aceitar este novo confinamento, mas sei que não tenho hipótese. (Quase) Todos iremos ser prejudicados mas é inevitável porque a outra perspectiva em cima da mesa (a de ignorar ou "deixar andar") ainda pode ser mais cruel. 

Psicologicamente, este novo isolamento vai requerer uma nova vaga de sacrifícios. Mas não vale a pena esta litania de lamentos. Não fomos sensatos ou conscientes, e agora estamos a pagar o preço com um amargo sentimento de frustração.

Só gostaria de, por fim, perceber como é que se mantém uma data de eleições presidenciais nesta conjuntura? Será que os cientistas estão prestes a descobrir que o vírus é alérgico às urnas de voto e aos comícios partidários? 

Como é lógico, justifica-se o adiamento do sufrágio para Fevereiro ou Março. Mas quando se fala dos políticos portugueses, já todos sabemos que não se pode esperar muito...




Foto de Nélson Garrido - Jornal "O Público"

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