O round 2 ou a segunda vaga da Pandemia está aí, e não vale a pena negar - vêm aí tempos difíceis. Apesar do abrandamento do número de contágios no Verão, a verdade é que a chegada do clima mais frio tem vindo a repercutir-se num cenário mais propício para a disseminação (ou alastramento) do COVID-19, tirando ainda proveito de uma menor imunidade comunitária, durante esta fase do ano. Mas vamos fazer esta análise de forma faseada, priorizando a realidade vivida no concelho de Ovar.
A primeira vaga ocorrida entre Março e Abril traduziu-se numa vitória da comunidade e das entidades públicas contra o vírus. Não foi uma vitória inequívoca e categórica, diga-se, afinal sempre se registaram cerca de 40 óbitos e muitas empresas sofreram as consequências na pele, sendo que algumas delas tiveram mesmo que cortar na despesa e despedir funcionários (cenário que também trouxe dificuldades financeiras às famílias). Debate-se ainda hoje se as duas Cercas Sanitárias foram medidas assertivas ou se acabaram por se tornar procedimentos excessivos da parte da autarquia (embora com a autorização superior do Governo e da DGS), contudo consideramos que a primeira Cerca se justificou e foi importante para conter um vírus que, na altura, era um "inimigo" completamente desconhecido e que actuava de forma descontrolada. Já a segunda Cerca teve efeitos mais limitados até porque algumas empresas começaram a receber vistos para poderem laborar e escoar as suas mercadorias. Mas a verdade é que o Gabinete de Crise de Ovar (autarquia, bombeiros, autoridades policiais, Hospital de Ovar, Força Aérea, etc.) esteve à altura dos acontecimentos e conseguiu dar uma resposta meritória, montando inclusivamente um hospital de campanha no Arena Dolce Vita que, apesar de não ter sido muito utilizado, sempre lá estaria como recurso caso o contexto se agravasse. Penso que se salvaram vidas humanas, embora o preço "económico" das Cercas tenha sido considerável.
Como já dissemos, seguiu-se o Verão. Os números começaram a abrandar, mesmo quando alguns temiam que uma maior adesão turística às nossas praias pudesse fazer ressurgir o fantasma já omnipresente do vírus. Mas assim não foi. Penso que houve responsabilidade social, e o vírus perdeu força talvez também porque as temperaturas mais quentes não favoreceram tanto a sua propagação.
Mas o intervalo do Verão que poderia ser aproveitado para reforçar os meios humanos e técnicos do Serviço Nacional de Saúde já passou, e agora vem aí a temível segunda parte. No caso do município de Ovar, o Hospital Francisco Zagalo não tem serviço de urgências, a Unidade Saúde Familiar da Barrinha não consegue dar capacidade de resposta, e outros centros de saúde (Maceda, Arada, Furadouro e São Vicente Pereira) estão ingloriamente encerrados.
A segunda vaga irá ser mais dura do que a primeira, e a razão é simples, é que esta vai perdurar por mais tempo. Pelo menos, entre Outubro e Maio (7 ou 8 meses!), a pandemia estará cá para nos infernizar a vida e condicionar as dinâmicas sociais, económicas e culturais. Recordo que a primeira vaga só tinha chegado cá em Março (ou Fevereiro) e começou a perder força em Maio. Tinham sido apenas cerca de três meses. Contudo, agora é diferente. O vírus estará cá o Outono, o Inverno e a Primavera, e nem sequer sabemos, se a vacina virá em 2021, 2022 ou 2023...
Por outro lado, também vai haver muita gente a contrair outras patologias típicas desta altura: gripes, pneumonias, bronquites... E as Unidades de Saúde Familiar bem como a maior parte dos nossos Hospitais não estão preparados, neste momento, para responder a essa realidade visto que o COVID-19, detentor do estatuto de "doença protagonista e mediática", tem vindo a silenciar o impacto das outras enfermidades que também irão ceifar vidas, sobretudo as dos mais idosos ou vulneráveis. E isso é igualmente preocupante. Seria importante que o concelho de Ovar pudesse apurar durante cada vaga o número de pessoas que faleceram de COVID-19 e também de outras patologias para que possam existir comparações. Porque infelizmente creio que o número de óbitos por Coronavírus e por outras patologias vai aumentar face às realidades anteriormente visíveis.
Em Ovar, um dos 121 concelhos com medidas restritivas especiais, o número de casos tem aumentado claramente desde Outubro, e hoje, dia 6 de Novembro, já contabilizamos 314 casos activos de infecções por Coronavírus (com a seguinte distribuição por freguesias: Ovar - 78, Válega - 50, Cortegaça - 43, Esmoriz - 39, São João - 29, São Vicente Pereira - 28, Arada - 24 e Maceda - 23).
Salvador Malheiro, Presidente da Câmara Municipal de Ovar, admite que a situação começa a ser grave, apesar de assumir que ainda não é completamente alarmante. O edil tem apelado (e bem!) para que os munícipes usem sempre máscara e evitem os ajuntamentos sociais. Todavia, temos dúvidas quando o autarca menciona que a situação ainda não é alarmante. Os números que partilhou revelam que o vírus já está bem presente em todas as freguesias, não se limitando a focos maiores numa ou duas localidades como aconteceu na primeira vaga. A pandemia está enraizada no norte como no sul do concelho, e há ainda a realidade transversal (a todo o país!) dos assintomáticos. Além disso, têm surgido notícias de que há cidadãos conscientemente infectados que, de forma criminosa, se aventuram na via pública (desrespeitando o dever de confinamento), colocando em causa a saúde e a integridade de todos os outros populares do concelho.
Na verdade, temo que a segunda vaga do vírus venha a ser pior do que a primeira. O Hospital de Santa Maria da Feira já está perto da saturação e ainda não chegamos sequer ao Inverno. Neste momento, o concelho vizinho de Santa Maria da Feira já tem mais de mil casos (sim, leu bem!) e o município de Espinho tem mais de quatrocentos. Ou seja, o que acontece na vizinhança também nos afecta, não só ao nível das inúmeras cadeias de transmissão (há circulação normal entre os concelhos), mas como no âmbito do acesso aos internamentos hospitalares, nos casos mais graves de infecção.
A Câmara Municipal de Ovar fez bem em activar novamente o Gabinete de Crise, mas terá que estar preparada para a possibilidade de ter de montar um novo Hospital de Campanha porque o número de infecções irá aumentar inevitavelmente. Pensamos que, com o andar da carruagem, chegaremos ao ponto de termos mais de mil casos em Dezembro/Janeiro, e nessa altura, confessamos a nossa renitência se o Hospital São Sebastião (Santa Maria da Feira) conseguirá ter capacidade de resposta. É claro que isto são tudo projecções e hipóteses lançadas da nossa parte, mas a autarquia tem de estar preparada para o pior cenário. Não defendemos a aplicação de uma terceira Cerca Sanitária nem o encerramento forçado das empresas e indústrias (porque isso implicaria a insolvência de várias empresas/negócios e uma maior pobreza dos agregados familiares vulneráveis que veriam alguns dos seus membros a perderem os seus empregos), mas cremos que terão de haver mais acções de fiscalização e monitorização, e em último caso, cancelar todo o tipo de eventos sociais/culturais públicos.
Também a população terá de assumir a responsabilidade social de cumprir as regras da DGS e de denunciar potenciais transgressões junto das autoridades.
Por seu turno, o Governo terá de investir mais no Serviço Nacional de Saúde e na formação técnica de novos profissionais para que possam saber trabalhar com ventiladores e tratar doentes de COVID-19, sem descurar o apoio a todos os outros utentes que sofram das demais patologias. O drama das Unidades de Saúde Familiar também não pode ser ignorado.
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