Parece que Cavaco Silva acaba de lançar um livro de memórias sobre a sua passagem pelo Paço de Belém. Não tive a oportunidade de aceder a esta sua obra mais recente (nem tenciono fazê-lo), mas aqueles que já o fizeram, destacam os ataques do ex-presidente direccionados a José Sócrates, ex-primeiro-ministro, e a Mário Soares, histórico socialista que ocupou outrora os dois cargos máximos da nação.
Sobre Sócrates, e se tinha suspeitas fundamentadas, porque é que o Sr. Cavaco Silva não usou os seus poderes, demitindo-o? É que se não havia confiança no então primeiro-ministro socialista, porque é que o manteve à frente da nação? Não se percebe que venha agora deitar as culpas todas para o ex-primeiro ministro socialista.
Em relação a Mário Soares, e pesem os defeitos que possam ser imputados a este último, a verdade é que estas críticas são publicadas, um mês após o seu falecimento. Soares não está sequer aqui para se defender. Não me parece muito ética esta situação, mas cada um sabe de si!
Além disso, Cavaco volta a atacar os partidos mais à esquerda, nomeadamente o PCP e o BE, acusando-os de serem influências negativas. Aliás, transforma essa sua perspectiva, nada imparcial, no único elogio que fez a José Sócrates na sua obra, afirmando que o ex-primeiro ministro, ao menos, não teve a tentação de cair nas graças dos partidos de extrema-esquerda. Esta sua leitura é, em simultâneo, uma crítica indirecta ao governo de António Costa. Exposto isto, um Presidente da República deve, a meu ver, respeitar todas as forças políticas e aceitar o seu contributo para a nossa democracia. Até podemos inferir que aqueles dois partidos não têm verdadeiramente um programa realista e consistente para o país, mas são certamente necessários na oposição para defenderem os direitos dos trabalhadores e dos mais oprimidos, além de denunciarem graves injustiças. Se eles estão lá, é porque houve eleitores que votaram neles, e por isso, exige-se algum respeito.
Por isso, e dito tudo isto, não poderei dar muita credibilidade a este livro que pretende ser um descargo de consciência pesada de alguém que, por exemplo, incentivou os portugueses a investirem no BES de Ricardo Salgado (cujos capítulos posteriores da história seriam fatídicos) e que, pior ainda, não defendeu o povo, quando este era assolado pelas medidas de supra-austeridade que fizeram com que muitos jovens tivessem de emigrar ou de se sujeitar ao desemprego ou ao trabalho precário. O seu prolongado silêncio foi nefasto, e lamento que o sr. Cavaco Silva nunca tivesse usado os seus poderes ou o seu papel influente para enviar sérios recados à classe política e defender os direitos dos portugueses que foram tão lesados nos últimos 10 anos. Poderia ter mantido a estabilidade que apregoava para o país, e ter exigido, em simultâneo, mais respeito pelos sacrifícios do nosso povo. Em vez de perder tempo a criticar a Grécia, deveria ter canalizado forças para corrigir muito do mal que grassava no nosso país. É pena que não o tivesse feito.
Muitos poderão escrever o que quiserem, mas da minha parte, não mudarei a opinião a seu respeito. Foi um primeiro-ministro razoável que deixou alguma obra no país, mas que nunca teve perfil para Presidente da República.
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