"Pedro, com o olhar fixo naquele ponto e com os ouvidos atentos à desvanecida harmonia, caminhava ainda, e caminhou sempre, até que um súbito obstáculo lhe tolheu os passos.
Estava defronte da Barrinha.
Quem viajasse há anos por esta parte da província da Beira, deve conhecer, por tradição, senão por experiência, o ponto do litoral que recebeu este nome e onde tantos episódios, uns cómicos e outros trágicos, se sucederam, antes que se construísse a ponte que hoje o viajante, ao percorrer a linha férrea, próximo à estação de Esmoriz, descobre desenhando os seus quatro arcos sobre o fundo esverdeado das aguas do oceano.
A Barrinha é uma estreita abertura cavada pelo mar na costa de areia, interrompida neste ponto, e por a qual ele se precipita, vaga a vaga, em um pequeno golfo que se estende para o norte e para o sul, separando dois extensos cabos de areia fronteiros um ao outro. Nas marés brandas, e quando o mar é pouco agitado, esta abertura é vadeável e os viandantes, aproveitando o refluxo, quase a pé enxuta atravessam, tão incólumes como Moisés atravessou as ondas do mar Vermelho; mas uma hesitação, uma demora pode ser-lhe fatal; se a vaga volta com um pouco mais de violência, envolve o incauto e não poucas vezes o arrasta consigo.
Nas marés vivas, porém, e quando as correntes marítimas são mais fortes, a passagem torna-se impossível, a não ser nos barcos que estacionam no pequeno golfo, e cujas águas nem sempre são plácidas, recebendo a agitação que o oceano, em completa comunicação com elas, lhes transmite.
Ora nesta noite era a Barrinha intransitável; ainda então não existia a ponte que hoje permite fácil passagem em toda a ocasião, e o mar era abundante.
E, contudo, Pedro hesitou ainda, como se tentasse lutar com a natureza no obstáculo que ela lhe oferecia. Mas o canto cessara de todo, a vista já não distinguia no mar o menor vestígio do barco; o alento que animara até ali o pobre vagabundo abandonou-o todo à languidez da sua definhada saúde.
Em algumas das noites sucessivas, tranquilas como esta, voltaram de novo o barco e a cantora. Pedro procurou-os com o mesmo fervor, escutou-a com o mesmo recolhimento, viu-a afastar-se com a mesma ou mais intensa saudade.
E o pobre pescador abatia-se a olhos vistos.
João Cabaça vivia taciturno e oprimido, preso às suas crenças e preconceitos, sentindo o estado de Pedro, a quem de cada vez mais se sentia afeiçoado.
Na opinião do velho, opinião que ele não revelava para não excitar terrores ou causar maiores desgraças, era evidente ser tudo aquilo malefícios da sereia. Ao que já soubera pela comunicação que lhe tinha feito Pedro, acresceu uma nova circunstância, que muito influiu para corroborar esta crença no ânimo do velho pescador.
É que ele também a ouvira, também em uma das últimas noites lhe escutara o canto e não lhe ficou dúvida que' era' de sereia, pois nunca tinha ouvido mulher cantar assim e muito mais no mar e por tais horas da noite"
Estava defronte da Barrinha.
Quem viajasse há anos por esta parte da província da Beira, deve conhecer, por tradição, senão por experiência, o ponto do litoral que recebeu este nome e onde tantos episódios, uns cómicos e outros trágicos, se sucederam, antes que se construísse a ponte que hoje o viajante, ao percorrer a linha férrea, próximo à estação de Esmoriz, descobre desenhando os seus quatro arcos sobre o fundo esverdeado das aguas do oceano.
A Barrinha é uma estreita abertura cavada pelo mar na costa de areia, interrompida neste ponto, e por a qual ele se precipita, vaga a vaga, em um pequeno golfo que se estende para o norte e para o sul, separando dois extensos cabos de areia fronteiros um ao outro. Nas marés brandas, e quando o mar é pouco agitado, esta abertura é vadeável e os viandantes, aproveitando o refluxo, quase a pé enxuta atravessam, tão incólumes como Moisés atravessou as ondas do mar Vermelho; mas uma hesitação, uma demora pode ser-lhe fatal; se a vaga volta com um pouco mais de violência, envolve o incauto e não poucas vezes o arrasta consigo.
Nas marés vivas, porém, e quando as correntes marítimas são mais fortes, a passagem torna-se impossível, a não ser nos barcos que estacionam no pequeno golfo, e cujas águas nem sempre são plácidas, recebendo a agitação que o oceano, em completa comunicação com elas, lhes transmite.
Ora nesta noite era a Barrinha intransitável; ainda então não existia a ponte que hoje permite fácil passagem em toda a ocasião, e o mar era abundante.
E, contudo, Pedro hesitou ainda, como se tentasse lutar com a natureza no obstáculo que ela lhe oferecia. Mas o canto cessara de todo, a vista já não distinguia no mar o menor vestígio do barco; o alento que animara até ali o pobre vagabundo abandonou-o todo à languidez da sua definhada saúde.
Em algumas das noites sucessivas, tranquilas como esta, voltaram de novo o barco e a cantora. Pedro procurou-os com o mesmo fervor, escutou-a com o mesmo recolhimento, viu-a afastar-se com a mesma ou mais intensa saudade.
E o pobre pescador abatia-se a olhos vistos.
João Cabaça vivia taciturno e oprimido, preso às suas crenças e preconceitos, sentindo o estado de Pedro, a quem de cada vez mais se sentia afeiçoado.
Na opinião do velho, opinião que ele não revelava para não excitar terrores ou causar maiores desgraças, era evidente ser tudo aquilo malefícios da sereia. Ao que já soubera pela comunicação que lhe tinha feito Pedro, acresceu uma nova circunstância, que muito influiu para corroborar esta crença no ânimo do velho pescador.
É que ele também a ouvira, também em uma das últimas noites lhe escutara o canto e não lhe ficou dúvida que' era' de sereia, pois nunca tinha ouvido mulher cantar assim e muito mais no mar e por tais horas da noite"
(Excerto da obra "Inéditos e Exparsos"/ "Canto da Sereia" da autoria de Júlio Dinis)
Texto presente na Exposição do Movimento Cívico Pró-Barrinha e visível também em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/julio-dinis/ineditos-e-esparsos-7.php.
De facto, a Barrinha de Esmoriz também terá encantado esse célebre escritor portuense do século XIX, o grandioso Júlio Dinis, sem dúvida, uma das figuras mais marcantes do Romantismo Português. Ele foi autor de obras conceituadas, tais como "As Pupilas do Senhor Reitor" (1869) ou "A Morgadinha dos Canaviais" (1868). No meio de tanta erudição, também houve espaço para a nossa amada lagoa!!!
Imagem nº 1 - Júlio Dinis, retratado nesta imagem, nunca se esqueceu da Barrinha de Esmoriz.
Retirado de: http://delta-rascunhos.blogspot.pt/
Imagem nº 2 - A Beleza da nossa Lagoa.
Fotografia da autoria do Cusco de Esmoriz tirada em 21/09/2012
Imagem nº 3 - Descubram onde está o passarinho!
Fotografia da autoria do Cusco de Esmoriz tirada em 21/09/2012
Imagem nº 4 - Será o reflexo das nuvens na Barrinha ou será a poluição nas bordas? Figura com muitos contrastes!
Fotografia da autoria do Cusco de Esmoriz tirada em 21/09/2012
Imagem nº 5 - Mais uma vez, a Barrinha em grande!
Fotografia da autoria do Cusco de Esmoriz tirada em 21/09/2012
Imagem nº 6 - Outra perspectiva sobre a lagoa da obra de Júlio Dinis.
Fotografia da autoria do Cusco de Esmoriz tirada em 21/09/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário