Não vamos falar agora, dá-me vinho.
Nesta noite a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
O meu remorso será leve como os teus cabelos!
Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
Senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a lua me procure em vão.
não desperdicemos nossas vidas na dúvida de uma terra prometida,
não recusemos uma taça de vinho,
pois, sóbrios ou bêbados, na ignorância ficamos.
O vinho dá-te o calor que não tens;
Suaviza o jugo do passado e
Te alivia das brumas do futuro;
Inunda-te de luz e te liberta desta prisão
Rubaiatas do Poeta Persa Omar Khayyam
(1048-1131)
Como todos sabemos, a indústria tanoeira evidenciou-se, em particular, em Esmoriz. Desde o século XVIII até à actualidade que não faltam por aí casos de tanoeiros esmorizenses que se dedicaram ao fabrico de barris, tonéis, pipas, vasilhames, etc.
Ainda hoje, e apesar do progresso tecnológico, continuam a subsistir cerca de três tanoarias na nossa cidade, sendo a mais conhecida - a JOSAFER. O seu árduo trabalho encontra eco nas magníficas reportagens fotográficas realizadas por José Fangueiro.
No entanto, o tema da tanoaria já foi, por várias vezes, aflorado neste blogue, pelo que seria cansativo voltar a insistir nos mesmos conteúdos. Hoje iremos tentar saber se Esmoriz, ao longo da sua história, demonstrou ou não alguma capacidade de produção vinícola.
Efectivamente, existiram vinhas em Esmoriz, sobretudo na Idade Média. O lugar da Vinha não foi denominado por acaso e é provável que a sua designação seja já muito antiga. Num plano mais concreto, sabemos que, nas inquirições de D. Dinis de 1288, o cavaleiro da quinta da Torre (sita em Esmoriz), Martim Rodrigues, detinha algumas vinhas ali. Em 1329, seria a vez do cavaleiro Vasco Madeira se apossar indevidamente de uma vinha na nossa terra que supostamente era pertença do influente Mosteiro de Grijó.
Esta primeira radiografia para o período medieval não nos surpreende. Esmoriz era, na altura, uma pequena aldeia, pelo que a agricultura e a pesca se assumiam como actividades fulcrais de subsistência. Tal realidade não se aplicava apenas à nossa terra, como também se verificava no restante Portugal Medieval. Se o sector primário prevalecia então na nossa região (e no restante mundo), então é natural que tivessem existido algumas vinhas, como também teriam sido produzidos pomares, macieiras, ameixieiras, espaços hortícolas, etc. No entanto, as escassas referências visíveis na documentação não nos permitem propor uma medição ou avaliação clara e precisa da sua expressão económica no seio daquela pequena comunidade existente. Relembramos que, na época medieval, viveriam apenas algumas centenas de pessoas em Esmoriz. Aliás, a primeira estimativa demográfica conhecida para a população de Esmoriz é datada do ano de 1623 (já em plena Época Moderna), residindo apenas ali 346 moradores, pelo que na precedente era medieval, a realidade não deveria ser diferente.
Entrando então na Era Moderna, encontramos novos dados que nos são divulgados pelo Padre Aires de Amorim na sua monografia "Esmoriz e a sua História" (p. 195-196).
No século XVIII, em 1720, o colégio jesuíta de São Lourenço, no Porto, detinha um bacelo (isto é, uma vinha nova) no lugar dos Castanheiros, trabalhando ali entre 4 a 7 homens. Nalguns documentos da época, sobretudo prazos, continuam a figurar alusões a eventuais videiras em Esmoriz. Mas que tipo de vinho era este que era produzido na aldeia de então?
A Memória Paroquial de 1758 responde-nos que se trataria essencialmente de vinho verde.
De acordo com Aires de Amorim, os párocos reivindicavam para si a primícia sobre este produto da terra, cobrando meio almude por aqueles que possuíam vinha da sua lavra.
No século XIX, voltam a aparecer diplomas de testamentos, doações, arrendamentos, vendas, contratos comerciais e cobrança de tributos em que volta a ser referida a presença de algumas vinhas em Esmoriz. Por exemplo, temos o caso de Maria de Sá, do lugar de Matosinhos, que arrendou, em 1843, os seus bens pela pensão anual (embora o contrato compreendesse uma duração total de 12 anos) de 80 alqueires de milho, três almudes de vinho verde, um alqueire de feijão, um alqueire de centeio e uma peça de carne de porco com o peso de uma arroba. É natural que outrora, nos meios rurais, muitos dos contratos estabelecessem essencialmente um pagamento consubstanciado em géneros e não em dinheiro. Em Esmoriz, essa realidade deve ter perdurado por vários séculos.
O padre Aires de Amorim identifica ainda a existência de 11 taberneiros que desempenharam as suas funções em Esmoriz, entre 1729 e 1753, e de 17 taberneiros que aqui operaram posteriormente entre 1851 e 1881. Presumivelmente, também terão estado aqui instalados três armazenistas de vinho.
No entanto, a vida de taberneiro não era fácil. Haveriam determinações legais a cumprir escrupulosamente. Aires de Amorim exemplifica:
"Nenhum vendeiro abriria pipa de vinho, sem ser primeiro almotaçado, nem teria duas pipas ao torno, sob pena de 500 reis. Os estalajadeiros e taberneiros deveriam ter as mangedouras das bestas limpas e sem buracos, por onde caísse a cevada, milho ou centeio, sob pena de 5$000 reis (acórdãos de 1733). Também da época conturbada de 1834, nos ficou o acórdão nº 3, de 8 de Outubro: as tabernas, lojas e casas públicas estariam fechadas, às 8 horas da noite, e os donos das estalagens e hospedarias dariam à polícia dos passageiros e hóspedes, sob pena de 6$000 reis."
Em jeito de balanço final, parece-nos evidente que o vinho teve algum peso em Esmoriz durante as épocas medieval e moderna, quando a agricultura reclamava um peso esmagador na economia nacional. O vinho verde destacou-se, de uma forma, mais particular. Não obteve grande fama, pelo que a sua qualidade não estaria talvez ao nível dos melhores. No entanto, o título adoptado por Aires de Amorim para abordar tal subtópico ("Do nosso pouco e fraco vinho") parece-nos negativamente exagerado se tivermos em conta os dados que o próprio monógrafo de Esmoriz nos disponibiliza após uma investigação de notável qualidade. Tivemos vinhas e taberneiros, pelo que a produção chegou a ser aceitável na nossa comunidade, mesmo que esta fosse demograficamente pequena durante aqueles tempos mais recuados.
No entanto, e olhando para a realidade actual, em que o sector primário foi completamente relegado para segundo plano (esmagado pelos sectores secundário e terciário ligados às indústrias e aos serviços respectivamente), o número de vinhas em Esmoriz é claramente muito reduzido, pelo que a tradição, outrora visível, deixou praticamente de ser observada devido às tendências urbanísticas contemporâneas, embora sobrevivam ainda pequenas empresas dedicadas ao comércio de vinhos (é o caso da conhecida Garrafeira Momentos que detém inclusive algum prestígio).
"Nenhum vendeiro abriria pipa de vinho, sem ser primeiro almotaçado, nem teria duas pipas ao torno, sob pena de 500 reis. Os estalajadeiros e taberneiros deveriam ter as mangedouras das bestas limpas e sem buracos, por onde caísse a cevada, milho ou centeio, sob pena de 5$000 reis (acórdãos de 1733). Também da época conturbada de 1834, nos ficou o acórdão nº 3, de 8 de Outubro: as tabernas, lojas e casas públicas estariam fechadas, às 8 horas da noite, e os donos das estalagens e hospedarias dariam à polícia dos passageiros e hóspedes, sob pena de 6$000 reis."
Em jeito de balanço final, parece-nos evidente que o vinho teve algum peso em Esmoriz durante as épocas medieval e moderna, quando a agricultura reclamava um peso esmagador na economia nacional. O vinho verde destacou-se, de uma forma, mais particular. Não obteve grande fama, pelo que a sua qualidade não estaria talvez ao nível dos melhores. No entanto, o título adoptado por Aires de Amorim para abordar tal subtópico ("Do nosso pouco e fraco vinho") parece-nos negativamente exagerado se tivermos em conta os dados que o próprio monógrafo de Esmoriz nos disponibiliza após uma investigação de notável qualidade. Tivemos vinhas e taberneiros, pelo que a produção chegou a ser aceitável na nossa comunidade, mesmo que esta fosse demograficamente pequena durante aqueles tempos mais recuados.
No entanto, e olhando para a realidade actual, em que o sector primário foi completamente relegado para segundo plano (esmagado pelos sectores secundário e terciário ligados às indústrias e aos serviços respectivamente), o número de vinhas em Esmoriz é claramente muito reduzido, pelo que a tradição, outrora visível, deixou praticamente de ser observada devido às tendências urbanísticas contemporâneas, embora sobrevivam ainda pequenas empresas dedicadas ao comércio de vinhos (é o caso da conhecida Garrafeira Momentos que detém inclusive algum prestígio).
Imagem nº 1 - A agricultura assumiu um peso determinante nas economias medieval e moderna.
Retirada de: http://estrolabio.blogs.sapo.pt/tag/vinho
Imagem nº 2 - Iluminura medieval sobre as etapas da produção vinícola.
Imagem nº 3 - O vinho, a carne e o pão constituíam os produtos mais importantes da dieta alimentar medieval. Por outro lado, o vinho era também requisitado para cerimónias religiosas, visto que simbolizava o sangue de Jesus Cristo.
Retirada de: https://pt.pinterest.com/katrous/sca-stuff/
Imagem nº 4 - A Tanoaria assumiu uma forte expressão em Esmoriz. Curiosamente, muitos dos barris produzidos serviriam para albergar posteriormente vários vinhos nacionais de alta qualidade (como por ex: o famoso vinho do Porto).
Fotografia da autoria de José Fangueiro na Tanoaria JOSAFER
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