sexta-feira, 8 de março de 2019

Entrevistas com Memória V


Entrevista ao Grupo de Atletismo da Barrinha (ano de 2004)
(Representado por Fernando Pereira)





O Grupo de Atletismo da Barrinha está a funcionar desde o ano 2000. Um clube que apesar de estar sediado em Esmoriz só tem três pessoas da cidade. A maioria dos atletas são de concelhos vizinhos. 
Fernando Pereira, presidente da Assembleia Geral do Grupo, lamenta a falta de apoios mas garante que mesmo contra todas as adversidades, a colectividade vai continuar a “levar o nome de Esmoriz a todos os cantos de Portugal”.


JVE – Como é que surgiu o Grupo de Atletismo da Barrinha?

Fernando Pereira (FP) – No ano de 2000 um grupo de amigos tinha acabado de sair de uma colectividade ligada ao atletismo. O gosto pela modalidade, e incentivados por outros amigos, acabamos por formar o Grupo de Atletismo da Barrinha, em Esmoriz, por na cidade não haver nenhuma colectividade onde fosse possível praticar este desporto. Apesar do grupo ser de Esmoriz, só temos três pessoas que são da cidade, os restantes membros são dos concelhos vizinhos de Santa Maria da Feira, Espinho, Oliveira de Azeméis e freguesias de Ovar. É sabido que os esmorizenses gostam mais do futebol e do voleibol, mas vemos tanta gente a fazer caminhadas que seria interessante que se juntassem à nossa colectividade. Ficamos com a ideia de que as pessoas são muito individualistas e que não têm espírito de grupo.


JVE – Qual é o objectivo do Grupo de Atletismo da Barrinha?

Fernando Pereira (FP) – O nosso grande objectivo é a formação. Como temos grandes dificuldades económicas não temos possibilidades de inscrever atletas na Associação de Atletismo de Aveiro. Por isso, só as camadas jovens é que participam em provas federadas. Os atletas seniores e veteranos participam nas provas de estrada. São os directores que, por carolice, têm suportado as muitas despesas. 


JVE – Que tipo de treino é que é ministrado aos vossos atletas das camadas jovens?

Fernando Pereira (FP) – Neste momento, os atletas treinam sozinhos. É-lhes fornecido um plano de treinos para eles trabalharem durante a semana. Ao fim de semana, é que nos juntamos todos para um treino mais específico. 


JVE – Se os atletas treinam sozinhos qual é a vantagem de pertencerem ao Grupo de Atletismo da Barrinha?

FP – A vantagem é praticar um desporto. Os atletas começam a gostar do desporto que praticam e a partir do momento que gostam começam a ser mais exigentes com eles próprios, começam a trabalhar mais, porque sem trabalho não se conseguem resultados.


JVE – Os jovens não sentem falta de apoio?

FP – Isso é uma realidade porque nós não podemos, porque não temos disponibilidade financeira, contratar um treinador que se prontifique a abdicar da sua vida profissional para diariamente treinar com os atletas.


JVE – Os atletas correm mais por “amor à camisola”?

FP – Correm com muita força de vontade. Nem sempre há disponibilidade de participarmos em provas porque são muito distantes e não há verba para as despesas inerentes, e os atletas queixam-se porque querem competir.


JVE – Se há um desejo de competição perde-se a filosofia da formação?

FP – A formação, no atletismo, está inerente à competição. A competição serve de estímulo, de incentivo. Só com o treino o atleta cai na monotonia. Na competição, há um espírito diferente, o atleta pode aplicar o que aprendeu no treino. Por exemplo, na partida de uma corrida, se o atleta não tiver uma certa agressividade, se não conseguir posicionar-se na linha da frente, vai perder muito tempo – porque são provas curtas, muito rápidas – que pode ser irrecuperável. E é a competir que se aprendem estes pequenos pormenores.


JVE – Que tipo de apoios é que o clube tem?

FP – Em Esmoriz sente-se uma grande falta de sensibilidade para apoiar a prática de um desporto que não tem receitas. Por isso, os nossos apoios são muito escassos. Já tentámos a sponsorização junto de algumas entidades, mas a conjuntura económica também não é muito favorável, por isso não tivemos grandes respostas. Da Junta de Freguesia, temos um pequeno apoio, quase mendigado. Em Setembro, apresentamos uma proposta à Junta e nem sequer nos deram resposta. No ano passado, o apoio que a Junta nos deu foi muito baixo, solicitámos mais verba, e até propusemos que nos fosse pago em três tranches, mas nem assim. Da Câmara Municipal de Ovar, temos tido um apoio de 500 euros por ano, o apoio ordinário, que deixa um bocado a desejar já que há outras colectividades que não têm os encargos que o Grupo da Barrinha tem e os apoios são outros. Reconhecemos que pode faltar alguma coisa para ajudar a divulgar e promover o nosso trabalho. A realização de uma prova por exemplo. Mas a verdade é que já tentámos por duas vezes realizar uma prova de atletismo e não conseguimos. A Junta de Freguesia tinha-nos dito para avançar com o projecto mas quando apresentamos o orçamento desistiram da ideia. Ficamos com o projecto. 


JVE- Que custos representa a organização de uma prova?

FP- No ano passado, apresentamos um projecto para fazer uma prova no Dia da Cidade, só com jovens, que custaria 1750 euros. A Junta nem sequer respondeu. No ano de 2002, tínhamos sido convidados para fazer uma organização deste género. Apresentamos valores que eram sensivelmente os mesmos, e aí também a resposta que nos foi dada é que não havia verba. 


JVE – Concretamente o que é preciso pagar?

FP – É preciso pagar os prémios para os atletas – porque não há nenhum atleta que participe numa prova se não houver pelo menos uma taça, medalhas, ou uma simples t-shirt. Depois há despesas inerentes ao processo burocrático que a realização de uma prova envolve, nomeadamente os árbitros, a GNR, e a Associação de Atletismo que tem de oficializar as medidas do terreno onde se realizam as provas.


JVE – Os seniores e veteranos correm só para manter a forma?

FP – Não. Fazem provas de estradas. Mas as provas não são federadas.


JVE – Em Esmoriz, também não se realizam provas destes escalões?

FP – As provas destes escalões envolvem mais custos. Um sénior não participa em nenhuma prova se não houver um prémio monetário. Depois obedece à mesma situação das provas das camadas jovens que são as lembranças. Nas provas destes escalões, tem de haver medalhas para todos os participantes. O primeiro prémio masculino pode valer, como vai ser o caso da Meia Maratona de Cortegaça, 750 euros.


JVE – O Clube tem conseguido bons resultados?

FP- Eu costumo dizer que sem ovos não se fazem omeletes. Como nós não temos ovos não podemos fazer omeletes. Dentro da estrutura, e das limitações que temos, temos tido a felicidade de obter alguns resultados positivos. Algumas taças individuais, e colectivas já conseguimos os três lugares principais do pódio.


JVE – O Grupo tem atletas femininas?

FP – Só são masculinos. As senhoras parecem mais tímidas. Mesmo assim, o Grupo vai participar na Meia Maratona de Cortegaça inscrevendo 50 senhoras para a caminhada.


JVE – Não estaria na altura do grupo criar outras secções?

FP- Só vale a pena se as pessoas participarem. E não vamos ser nós a andar a tocar às campainhas de casa em casa a convidar as pessoas.


JVE – Não faltará divulgação do vosso trabalho?

FP – Talvez. A divulgação não pode ser feita de boca a boca, tem sido a Rádio Voz de Esmoriz a nossa maior divulgadora. Mesmo no jornal, já temos lançado o convite para as pessoas se juntarem ao Grupo aos Domingos de manhã, mas a mensagem não passa, as pessoas só devem ler as letras gordas. Fizemos um desafio para os esmorizenses tomarem o primeiro banho do ano com os atletas e dirigentes do Grupo de Atletismo mas a verdade é que só nós fizemos parte da iniciativa.


JVE – As estradas de Esmoriz têm as condições propícias para a prática da modalidade?

FP – Infelizmente não. No concelho, à excepção de Ovar, na zona que vai dos bombeiros até ao Furadouro, é que se criaram condições para a prática da modalidade. De resto, o concelho está muito pobre nesse sentido. Em Esmoriz, temos condições naturais para se criarem locais de caminhadas e corridas excelentes, mas há uma falta de ideias da parte dos nossos governantes. Há uma clara falta de visão. Os nossos governantes devem estar metidos numa carapaça, ou não devem sair do concelho. E não precisamos de ir muito longe, basta tomar como exemplo o que foi feito na Torreira, ou entre Francelos e Lavadores. Não é preciso gastar muito dinheiro. À beira rio entre Esmoriz e a base de Maceda podia-se fazer um passeio alegre invejável. Esmoriz neste momento não tem nada para oferecer em termos turísticos. Tem a praia, mas o turismo não é só praia, é preciso criar alternativas. O mais grave é que a falta de condições não é só no desporto, basta olharmos para os edifícios da Câmara e da Junta de Freguesia de Esmoriz. Se algum deficiente motor quiser entrar nestes edifícios é muito complicado porque não existem rampas, só escadas. O ano passado assinalou-se o “Ano Mundial do Deficiente”, o que é que se fez no concelho de Ovar para melhorar, por exemplo, os acessos de deficientes a edifícios públicos?


JVE – Porque é que o clube não alarga as modalidades?

FP – Por falta de condições. Não há local para fazer treinos específicos. Por vezes, usámos o largo da feira da revenda, mas não é aconselhável. O único sítio que ainda vai servindo é o Buçaquinho. Não temos capacidade para os atletas praticarem modalidades como salto em comprimento, salto em altura, lançamentos. Mesmo a própria velocidade é impraticável porque não pudemos colocar blocos de partida. Todos os atletas praticam o fundo ou meio fundo, longas e médias distâncias. Tentamos fazer saltos em comprimento na praia e usamos estrados como rampa mas isso não serve porque quando o atleta chegasse à pista estaria totalmente desenquadrado e não obteria resultados.


JVE – É preciso ter muita força de vontade para praticar uma modalidade sem condições?

FP – É. Mas chegamos a uma certa altura que caímos no desânimo. Costumo dizer que pagamos para correr. 


JVE – Uma carrinha não seria uma ajuda preciosa para o clube?

FP – Por incrível que pareça a única freguesia do concelho de Ovar que não tem uma carrinha, é Esmoriz, que é cidade. A Junta de Freguesia de Maceda tem uma carrinha, a de Cortegaça um mini-autocarro, e por aí fora. Ter uma carrinha envolve seguro, manutenção e todo o desgaste do carro. Neste momento, se não temos dinheiro para nos deslocarmos até às provas, ter uma carrinha seria cavar um buraco maior do que aquele que já temos. As autarquias é que poderiam colaborar, nomeadamente a Junta de Freguesia, tendo uma carrinha que estaria à disposição das colectividades que anualmente mostrassem o plano de actividades onde se justificaria o uso desse transporte.


JVE – O que é necessário para se praticar a modalidade?

FP – Como em todos os desportos primeiro deve ser consultado um médico. Se não puder correr pode caminhar, e é preciso saber caminhar, devemos fazê-lo dentro das nossas possibilidades, caso contrário não estamos a fazer desporto. Por vezes, as pessoas dizem que “corremos muito”, quem quiser pode acompanhar-nos porque formamos vários grupos, onde as possibilidades se juntam dentro das suas possibilidades. Por isso basta ter um fato de treino e umas sapatilhas.







* Entrevista feita pelo Jornal A Voz de Esmoriz a 10 de Maio de 2004. Comissão de Melhoramentos de Esmoriz. (JVE - Jornal Voz de Esmoriz, FP - Fernando Pereira).

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