quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Entrevistas com Memória I - Poeta António Maria recordou o seu percurso

Hoje decidimos lançar uma nova rubrica (esta obedecerá a uma periodicidade mensal) que se intitula "Entrevistas com Memória". O objectivo passará por transcrever entrevistas antigas que merecem ser recordadas porque mantêm ainda a sua actualidade e as quais consideramos minimamente interessantes para que sejam do conhecimento dos nossos leitores. Por outro lado, também poderemos efectuar directamente entrevistas que sejam dignas dos rigores de qualidade. Esta iniciativa junta-se a duas rubricas que já existem (embora estas de regularidade quinzenal), nomeadamente - os "Versos cá da Terra" e as "Pérolas Históricas de Esmoriz". O blogue celebrará, em finais de Fevereiro, cinco anos de existência, pelo que decidimos assinalar 2017 com novos conteúdos que favoreçam a promoção da cultura local e que possam revestir de orgulho todos aqueles que sempre afirmaram o seu sentimento de pertença a Esmoriz.
Dentro deste contexto, António Maria deixou uma herança notável à cultura esmorizense. Foi aqui um professor memorável, mas a sua contribuição não se ficou por aqui. Esta personalidade deixou-nos livros de poesia e um vasto conhecimento histórico sobre a terra que o viu nascer. 
Recentemente, atribuímos-lhe a distinção de "Legado de Ouro" em 2016 (reconhecimento póstumo) pela forma como serviu a nossa cidade. 
Neste Domingo, recuperamos uma entrevista deste homem que, apesar de ter falecido no ano passado, merece ser relembrado para a posteridade. O seu percurso fala por si.
A entrevista que se segue foi publicada pelo Jornal A Voz de Esmoriz, na edição de 27 de Julho de 2015. A iniciativa foi conduzida por Agostinho Fardilha, Presidente da Comissão de Melhoramentos de Esmoriz, e a redacção foi assegurada por Lília Marques, então Directora do Jornal.


Com 80 anos, António Maria Ferreira da Silva, mais conhecido por Dr António Maria, é uma figura incontornável de Esmoriz, a terra que o viu nascer, crescer e na qual sempre viveu. O esmorizense é uma pessoa multifacetada, tendo os diversos empregos que ocupou ao longo da vida e a escrita da poesia como exemplos dessa dedicação a várias áreas.



Nasceu, cresceu e sempre viveu em Esmoriz. Gostaria de ter nascido ou vivido noutro local?

AM - Não. Eu acho que é um privilégio ser de Esmoriz, ter nascido cá. É uma terra bonita, de um povo agradável e bom. Sinto que é um benefício, porque a cidade tem uma localização geográfica excelente e é um cantinho muito bom. Nós também temos a sorte de terem vindo muitas pessoas de fora para Esmoriz, que têm ajudado e colaborado com o progresso de Esmoriz. A cidade tem crescido graças a muita gente que tem vindo para cá e que tem sabido estimar a terra. Uma terra sem gente não é nada.


Esmoriz tem muito para dar e as pessoas que, para cá vêm, também têm vontade de ajudar a construir...

AM - Dá-me a impressão que essas pessoas sentem prazer em tomar parte da vida de Esmoriz. Mesmo de uma maneira muito discreta, ajudam no progresso, porque essas famílias que vêm para cá têm comprado muitos apartamentos... E isso é que faz a cidade. No geral, esta gente é gente boa, que fica a gostar de Esmoriz, que se integra. Temos uma praia magnífica, é uma cidade muito sossegada, tranquila. Esse é o maior elogio que se pode ouvir actualmente.


Foi comerciante, professor, presidente de Junta e ainda é [foi] empresário imobiliário. Deste trajecto, o que lhe agradou mais?

AM - Quando o meu pai faleceu, eu fui muito novinho trabalhar para a tanoaria dele. Eu queria muito ter ido estudar, mas tive que ir trabalhar. Depois, fui voluntário, ainda bastante novo também, para a aviação. Entretanto, vim e fui comerciante. Gostei muito do trato com as pessoas, aprendi bastante nesse aspecto. Mesmo nas outras actividades sempre gostei do que fiz e isso é meio caminho andado para o êxito. Mas também é preciso ter sorte, podemos trabalhar muito, mas, se não tivermos uma pontinha de sorte, nada aparece. Numa altura, disse à minha esposa que gostava muito de estudar e ela disse que eu fosse. Assim, fui fazer o primeiro e segundo ano de liceu. Depois fiz o segundo e o terceiro ciclos e fui para a faculdade. Gostei muito, a faculdade marcou-me a vida. Estive, depois, no ensino. Adorei... Entretanto, como tinha uma empresa imobiliária de construção, comecei também a trabalhar nisso. Apanhei uma fase boa, nada comparada com a de agora... Gostei muito de todas as profissões.


Apesar de todas estas ocupações, ficou-lhe sempre um espaço para a poesia. Como é que conseguia conciliar o tempo para a poesia?

AM - O tempo dá sempre. O gosto pela poesia surgiu-me em pequeno... Fiz uns versinhos, mostrei ao meu pai que disse que estavam muito bonitos. Eu pensei que até percebia daquilo. A crítica positiva tem uma força fantástica. Mesmo no ensino, se os alunos forem tratados de uma forma positiva e respeitosa, têm outro rendimento... Nós conseguimos convencer com uma conversa serena. Isto acontece com as crianças e com os adultos. Na vida real, isto também acontece muito.


Tem já quatro livros publicados. Como é que ganha inspiração para os seus poemas, sendo você uma pessoa bem disposta, descontraída... Como é que concilia o António Maria lírico com o António Maria que está no café?

AM - A gente vai escrevendo, mas um poema só é completo quando é lido. Deve-se procurar escrever de forma a que qualquer pessoa entenda. Devemos escrever com palavras simples, da maneira mais clara possível e com sentimento, de maneira a que este próprio sentir vá para a pessoa que lê.


Tem, nos seus livros, muitos poemas dedicados a Esmoriz. Sente que Esmoriz é, efectivamente, tudo aquilo que canta?

AM - Eu acho que sim. Não estou a ser excessivo, qualquer um de nós que nasceu e cresceu cá deve muito à terra e cria um sentimento de afecto, uma ligação sentimental e, depois, é muito fácil transmitir esse afecto nos versos, para o poema.


Como é que estamos de produção poética? A veia poética não estancou...

AM - Sim. Tenho, de facto, um livro que já está quase concluído e era para sair no meu aniversário. Mas isto dá muito trabalho, como fazer a correcção e ver as gralhas... Embora já esteja quase pronto, só deve sair em Agosto. Era para sair em Julho como eu faço 80 anos...


Também esteve na Comissão de Melhoramentos durante uns tempos, foi director do jornal "A Voz de Esmoriz". O que lhe ficou desses tempos?

AM - A Comissão de Melhoramentos e o jornal foram uma conquista muito grande em Esmoriz. Esmoriz ter um jornal foi uma vitória e ainda conta. No Brasil, por exemplo, tenho familiares que estão sempre à espera do jornal, lêem tudo, não falha nada. A rádio foi também uma conquista muito grande. Em Esmoriz, sempre houve gente que queria o melhor para a sua terra e trabalhavam. Tinham aquele bairrismo e só estavam bem a conseguir o melhor possível para a terra. Esse espírito continua. Eu vejo gente que trabalha por amor à causa, fazem-me lembrar pessoas já falecidas que trabalharam e não havia compensação nenhuma...


Actualmente, a Comissão de Melhoramentos não será igual à da sua altura, até porque as condições não são as mesmas, mas corresponde ao que poderia ter imaginado?

AM - Sim... Eu acho que corresponde. É muito difícil manter as coisas a funcionar, é um trabalho diário e que nunca mais acaba. Só isso é uma vitória para quem consegue que isto funcione da maneira que está a funcionar. Quase que passa despercebido, mas dá muito trabalho... É um trabalho quase invisível e ignorado.


Também foi presidente da Junta. Acha que, dentro das competências que tem hoje, a Junta de Freguesia está a conduzir os destinos da cidade da melhor maneira? 

AM - As mais recentes, estão sim. Conseguem fazer coisas que nós não conseguíamos, não havia dinheiro. Ainda sou do tempo que Portugal não podia gastar para equilibrar a balança comercial, as autarquias não recebiam, era o povo que ajudava... Toda a gente gostava de ajudar. A Junta tinha muito poder político, não se podia tratar mal o presidente da Junta, se ele fizesse queixa, era um sarilho... Hoje há mais liberdade. Nunca se fez tanto como nos últimos anos.


A nível cultural, Esmoriz tem uma panóplia de associações. O que pensa que pode faltar para nos assumirmos culturalmente?

AM - Nós já tivemos uma tentativa muito séria de fundarmos, em Esmoriz, uma universidade. Estava tudo mais ou menos preparado, chegámos a fazer sociedade para a fundação, chegámos a dar dinheiro, mas a uma certa altura, encravou. Seria muito bom para Esmoriz a criação do Instituto do Mar, teria sido um passo muito importante, tornava-se um pólo muito forte, mas, a uma certa altura, não andou para a frente.


De que maneira poderíamos rentabilizar a presença de Florbela Espanca em Esmoriz? O que deveria ser feito? 

AM - Sabe, os poetas nem sempre têm a sorte de verem as suas poesias declamadas, cantadas ou estudadas. O que se canta agora não é nada do que Florbela Espanca escreveu... O bons poetas não são reconhecidos. A Florbela esteve muito ligada a Esmoriz, gostava muito da nossa terra e até tem um poema que me parece que foi inspirado na paisagem da nossa terra. Ela era espectacular, uma pessoa de uma sensibilidade extraordinária. Esmoriz deveria promovê-la mais, mas é assim... Há uma espécie de desvalorização relativamente à poesia, há muita gente que não consegue sentir o subjectivo da poesia. Um centro cultural Florbela Espanca seria uma valorização para Esmoriz e para o povo todo, e seria um acto de justiça para uma grande poetisa que esteve cá a viver e a escrever. É apenas uma proposta, mas era bom. Seria um enriquecimento cultural para Esmoriz.



Excerto da Entrevista feita a António Maria da Silva na Rádio Voz de Esmoriz, realizada na manhã do dia 19 de Junho de 2015, e conduzida por Agostinho Fardilha. A transcrição da entrevista sairia posteriormente no Jornal A Voz de Esmoriz, na edição referente a 27 de Julho de 2015.





Imagem nº 1 - António Maria foi entrevistado em 2015 pelo Jornal "A Voz de Esmoriz".



Por fim, deixamos um poema marcante da autoria do entrevistado:



"Procuro-te"
(Poema da autoria do Prof. António Maria)


Procuro-te na mágoa do meu ser,
Nas marés vivas, pela beira-mar
No céu estrelado busco o teu olhar
E o teu amor, num sonho por viver.

Procuro-te nas formas ideais
Na solidão das coisas invisíveis
Na vastidão repleta de impossíveis,
Na realidade amarga do jamais.

Até no vento, que à tardinha chora
Pelos pinhais da mata sussurrante
Te procurei. O frio, vento errante
Chegou, correu, parou e foi-se embora.

Em tudo te procuro e não consigo
Achar-te em parte alguma, como almejo 
Excepto no meu peito onde te vejo
Com teu sorriso lindo e sempre amigo!




Imagem nº 2 - António Maria exerceu várias funções determinantes, contribuindo para a evolução da cidade que foi o seu berço.



Nota-Extra - Este foi oficialmente o texto nº 2000 a ser publicado no blogue.

2 comentários:

  1. Olá.
    Justa homenagem a este «Vulto de Esmoriz» com quem tive o enorme prazer de com ele privar algumas vezes.
    Cumprs
    augusto

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    1. É verdade, amigo Augusto.
      Também cheguei a privar com ele, sem que ele soubesse que era o portador deste blogue. Era uma pessoa muito acessível e afável. Foi pena o seu desaparecimento!

      Um abraço!

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