A GRANDEZA DO MAR
Você sabe por que o mar é tão grande?
Tão imenso? Tão poderoso?
É porque teve a humildade de colocar-se alguns centímetros
abaixo de todos os rios.
Sabendo receber, tornou-se grande.
Se quisesse ser o primeiro, centímetros acima de todos os rios,
não seria mar, mas sim uma ilha.
Toda sua água iria para os outros e estaria isolado.
A perda faz parte.
A queda faz parte.
A morte faz parte.
É impossível vivermos satisfatoriamente.
Precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer.
Impossível ganhar sem saber perder.
Impossível andar sem saber cair.
Impossível acertar sem saber errar.
Impossível viver sem saber viver.
Se aprenderes a perder, a cair, a errar, ninguém mais o controlará.
Porque o máximo que poderá acontecer a você é cair, errar e perder.
E isto você já sabe.
Bem aventurado aquele que já consegue receber com a mesma naturalidade
o ganho e a perda, o acerto e o erro, o triunfo e a queda, a vida e a morte.
Paulo Roberto Gaefke
Escritor Brasileiro
Este poema de Paulo Roberto Gaefke não foi escolhido por acaso, porque estabelece uma relação íntima entre o Homem e o Mar, congregando invariavelmente os aspectos mais positivos ou negativos dessa mesma ligação.
É impossível traçar a história de Esmoriz sem estudar a relação que as suas comunidades mantiveram, ao longo dos tempos, com o mar (Oceano Atlântico) que então as banhava.
Por um lado, podemos afirmar que esse mar foi parceiro ou aliado dessas comunidades, "matando a fome" em épocas verdadeiramente terríveis. Através de inúmeras técnicas (uma delas fora, sem dúvida, a Arte Xávega), os nossos pescadores acediam a uma variedade de peixes, nomeadamente sardinhas, sargos, robalos, cavalas, carapaus, fanecas...
Muitos dos equipamentos (casos das alfaias e redes) que os nossos "lobos do mar" utilizavam para a actividade piscatória eram depois armazenados nos palheiros construídos em cima do extenso areal que outrora chegou a vislumbrar-se. Em dias de mar bravo, seria natural que muitos dos pescadores procurassem exercer a sua actividade na Barrinha de Esmoriz, noutros tempos, rica em enguias, solhas, tainhas, linguados, lampreias e solhas. Aliás, até chegara a existir ali um cais, e até antes, no século XIII, as inquirições de D. Dinis referem mesmo a existência de um porto medieval que deveria albergar pequenas e médias embarcações.
Imagem nº 1 - Um grupo de pescadores lança-se ao mar em Esmoriz no ano de 1988.
Galeria de Imagens - "Esmoriz Antigo" (Joaquim Fernando Reis)
Imagem nº 2 - Alguns palheiros localizados junto à costa esmorizense. Ano de 1970.
Galeria de Imagens - "Esmoriz Antigo" (Joaquim Fernando Reis)
O mar não tem sido apenas aliado no âmbito do "abastecimento alimentar". Nos últimos séculos, é impossível negar que a sua existência tem constituído um dos factores determinantes para o potenciamento de uma maior dimensão turística, atraindo assim mais investimento exterior à nossa terra. Se Esmoriz fosse uma terra a gravitar isoladamente no interior do país (sem ter acesso sequer a qualquer rio de grandes proporções), então provavelmente, a história que havia sido escrita seria certamente muito diferente. Como assim não o é, a Praia da Barrinha, a Praia do Cantinho e a Praia dos Pescadores (agora muitas vezes denominada, na gíria popular, como Praia Velha) agradecem, e os seus veraneantes (provenientes dos vários cantos do país e até do estrangeiro) também!
Imagem nº 3- O mar é ainda uma fonte de receita turística, dado que confere vida, movimento e dinamismo à cidade de Esmoriz durante cada Verão.
Foto da nossa autoria
Mas o nosso mar infelizmente nunca escondeu a sua faceta bipolar. Se muito pode oferecer, também muito pode tirar sem evidenciar qualquer sentimento de misericórdia! Quantas vidas de pescadores não foram engolidas pelas suas gigantes ondas? Quantas famílias ficaram "orfãs" do seu chefe de família? Quantas crianças cresceram sem pai? É impossível quantificar o número de esmorizenses que pereceram no mar. Acreditamos que essa estatística poderá ascender aos milhares, se tivermos em conta os últimos 8 séculos. Claramente assustador!
Os historiadores afirmam também que esse mar foi hóspede, em tempos mais remotos, de uma série de visitantes indesejados que não hesitaram em saquear, violar e assassinar vários núcleos familiares que faziam a sua vida pacífica nas zonas litorais norte e centro. Muitos dos habitantes eram raptados e depois vendidos como escravos em sítios longínquos. Outros tinham mais sorte, e ainda eram resgatados a tempo, caso a família lograsse reunir rapidamente os bens ou os géneros necessários para recuperar o seu familiar querido. Durante a Idade Média, não faltaram certamente relatos de depredações cometidas por parte de vikings e piratas berberes que, no nosso areal, também derramaram sangue! Aliás, existe um lugar em Esmoriz apelidado de "Turquia", designação toponímica que não achamos ser fruto do acaso (embora a história esteja possivelmente relacionada com a actuação de piratas de naturalidade essencialmente magrebina que desembarcaram na nossa praia no decurso do século XVIII e que foram logo capturados pelas autoridades de então).
Os historiadores afirmam também que esse mar foi hóspede, em tempos mais remotos, de uma série de visitantes indesejados que não hesitaram em saquear, violar e assassinar vários núcleos familiares que faziam a sua vida pacífica nas zonas litorais norte e centro. Muitos dos habitantes eram raptados e depois vendidos como escravos em sítios longínquos. Outros tinham mais sorte, e ainda eram resgatados a tempo, caso a família lograsse reunir rapidamente os bens ou os géneros necessários para recuperar o seu familiar querido. Durante a Idade Média, não faltaram certamente relatos de depredações cometidas por parte de vikings e piratas berberes que, no nosso areal, também derramaram sangue! Aliás, existe um lugar em Esmoriz apelidado de "Turquia", designação toponímica que não achamos ser fruto do acaso (embora a história esteja possivelmente relacionada com a actuação de piratas de naturalidade essencialmente magrebina que desembarcaram na nossa praia no decurso do século XVIII e que foram logo capturados pelas autoridades de então).
Imagem nº 4 - Os Vikings foram senhores dos mares durante a Alta e a Plena Idade Média. Julga-se que terão inclusive alcançado as margens do Canadá por volta do ano 1000. Responsáveis por várias incursões, repletas de violência, os normandos semearam o caos pelos litorais dos reinos europeus.
Foto - Série "Vikings"
Retirada de: http://coffeewithcis.blogspot.pt/
Sem esconder a sua fúria, o mar ameaça também os domínios terrenos, e aos poucos, vai recuperando territórios que outrora foram seus. Em Esmoriz, o seu avanço já foi causa de destruição de edifícios e palheiros. Sabemos ainda que, nos primórdios do século XX, este mar bravo não teria clemência perante a casa da guarda fiscal ou a antiga Capela do Nosso Senhor dos Aflitos (ou antiga Capela da Praia).
Mas a história do avanço marítimo é mais antiga do que se julga e aqui recorremos à memória que foi partilhada pelo Padre Aires de Amorim na sua obra "Esmoriz e a sua História".
No século XVII, Esmoriz detinha uma imensidão de areal. Por exemplo, em 1657, existiam inclusive campos de cultivo cobertos com areia. No entanto, esta realidade começa a mudar a partir do século seguinte. Em 1764, sabemos que o marco entre Ovar e Cortegaça teve que ser trasladado mais para nascente (trinta e oito varas), afastando-se assim do perigo de ser ameaçado pelas águas.
O problema começou a ser encarado com alguma atenção. Dentro deste contexto, foram promulgados alvarás que procuraram promover a criação de pinhais à beira-mar, com o intuito de oferecer maior resistência ao avanço marítimo. No entanto, esta legislação não foi aplicada devidamente, e o próprio povo desinteressou-se até de lançar sementes nos areais. As consequências não poderiam ser piores a breve ou médio prazo.
Efectivamente, o século XX foi um período muito mais crítico. Foi nesta altura que o mar derrubou pequenos edifícios e comprometeu a existência da antiga Capela da Praia e da Casa da Guarda Fiscal. Entre os anos compreendidos entre 1905 e 1931, um antigo pinhal acabaria por ser gradualmente engolido pelo mar. Em 1907, cinco esmorizenses compareceram numa sessão da junta de paróquia, demonstrando o seu desagrado ao alegar que o mar lhes havia furtado os seus terrenos.
Em 1931, os Serviços Florestais finalmente tomam uma atitude e procedem à sementeira do penisco nos areais, mas esta era uma acção que já pecava por tardia e os seus efeitos não viriam a ser tão eficazes.
No ano de 1977, o Restaurante Barrinha é seriamente ameaçado e tiveram mesmo que ser colocados pedregulhos para a sua protecção. Em 1978, a Câmara Municipal de Ovar investiu 4.000.000$00 para assegurar a defesa das suas praias. E decerto que esse investimento se tem avolumado ainda mais até aos dias de hoje. Foram milhões e milhões despendidos neste combate inglório contra o mar!
De facto, o mar ganha cada vez mais força e dimensão com o aquecimento global que provoca o derretimento das calotas glaciares. Como se não bastasse, o próprio Ser Humano contribuiu para este drama, erguendo construções ridículas em cima da frente marítima, favorecendo o fenómeno nocivo da erosão costeira.
Não sabemos que futuro estará reservado à cidade de Esmoriz. Será que daqui a trezentos ou quatrocentos anos esta ainda existirá esta terra? Ou já fará parte da lista de urbes submersas que afinal não é assim tão restrita em termos históricos? Ou poderá a Ciência arranjar até lá uma solução inovadora que permita assegurar o equilíbrio actual?
O que é certo é que cá não estaremos para saber dar a resposta, embora não estejamos muito optimistas porque o rumo recente da Humanidade não tem vindo a ser nada assertivo.
Em jeito de síntese, o mar foi messiânico para o povo de Esmoriz porque, como referi anteriormente, "matou a fome" a muita boa gente. E compreende-se a intenção dos nossos párocos em benzê-lo anualmente por altura das festas em honra do Nosso Senhor dos Aflitos e de Nossa Senhora da Boa Viagem. Os esmorizenses sempre fizeram a sua vida de mãos dadas com o mar. Ali está a sua história bem como as suas raízes de coragem e heroísmo.
No entanto, esse mesmo mar também pode revelar os seus instintos mais trágicos ou tenebrosos, ceifando impiedosamente vidas humanas ou reduzindo as suas modestas propriedades a ruínas.
Todavia, Esmoriz vê no seu Mar "um irmão inseparável" que, embora não sendo sempre leal, é imprescindível ainda hoje para o seu crescimento.
E muito temos nós a aprender com ele...
No século XVII, Esmoriz detinha uma imensidão de areal. Por exemplo, em 1657, existiam inclusive campos de cultivo cobertos com areia. No entanto, esta realidade começa a mudar a partir do século seguinte. Em 1764, sabemos que o marco entre Ovar e Cortegaça teve que ser trasladado mais para nascente (trinta e oito varas), afastando-se assim do perigo de ser ameaçado pelas águas.
O problema começou a ser encarado com alguma atenção. Dentro deste contexto, foram promulgados alvarás que procuraram promover a criação de pinhais à beira-mar, com o intuito de oferecer maior resistência ao avanço marítimo. No entanto, esta legislação não foi aplicada devidamente, e o próprio povo desinteressou-se até de lançar sementes nos areais. As consequências não poderiam ser piores a breve ou médio prazo.
Efectivamente, o século XX foi um período muito mais crítico. Foi nesta altura que o mar derrubou pequenos edifícios e comprometeu a existência da antiga Capela da Praia e da Casa da Guarda Fiscal. Entre os anos compreendidos entre 1905 e 1931, um antigo pinhal acabaria por ser gradualmente engolido pelo mar. Em 1907, cinco esmorizenses compareceram numa sessão da junta de paróquia, demonstrando o seu desagrado ao alegar que o mar lhes havia furtado os seus terrenos.
Em 1931, os Serviços Florestais finalmente tomam uma atitude e procedem à sementeira do penisco nos areais, mas esta era uma acção que já pecava por tardia e os seus efeitos não viriam a ser tão eficazes.
No ano de 1977, o Restaurante Barrinha é seriamente ameaçado e tiveram mesmo que ser colocados pedregulhos para a sua protecção. Em 1978, a Câmara Municipal de Ovar investiu 4.000.000$00 para assegurar a defesa das suas praias. E decerto que esse investimento se tem avolumado ainda mais até aos dias de hoje. Foram milhões e milhões despendidos neste combate inglório contra o mar!
De facto, o mar ganha cada vez mais força e dimensão com o aquecimento global que provoca o derretimento das calotas glaciares. Como se não bastasse, o próprio Ser Humano contribuiu para este drama, erguendo construções ridículas em cima da frente marítima, favorecendo o fenómeno nocivo da erosão costeira.
Não sabemos que futuro estará reservado à cidade de Esmoriz. Será que daqui a trezentos ou quatrocentos anos esta ainda existirá esta terra? Ou já fará parte da lista de urbes submersas que afinal não é assim tão restrita em termos históricos? Ou poderá a Ciência arranjar até lá uma solução inovadora que permita assegurar o equilíbrio actual?
O que é certo é que cá não estaremos para saber dar a resposta, embora não estejamos muito optimistas porque o rumo recente da Humanidade não tem vindo a ser nada assertivo.
Imagem nº 5 - A antiga Casa da Guarda Fiscal em Esmoriz foi derrubada pela fúria marítima.
Galeria de Imagens - "Esmoriz Antigo" (Joaquim Fernando Reis)
Imagem nº 6 - Veja-se o impacto desta onda sobre o paredão da Praia Velha em Esmoriz. O nível das águas tem vindo a aumentar a nível mundial devido ao aquecimento global.
Foto da autoria de Arménio Moreira
Em jeito de síntese, o mar foi messiânico para o povo de Esmoriz porque, como referi anteriormente, "matou a fome" a muita boa gente. E compreende-se a intenção dos nossos párocos em benzê-lo anualmente por altura das festas em honra do Nosso Senhor dos Aflitos e de Nossa Senhora da Boa Viagem. Os esmorizenses sempre fizeram a sua vida de mãos dadas com o mar. Ali está a sua história bem como as suas raízes de coragem e heroísmo.
No entanto, esse mesmo mar também pode revelar os seus instintos mais trágicos ou tenebrosos, ceifando impiedosamente vidas humanas ou reduzindo as suas modestas propriedades a ruínas.
Todavia, Esmoriz vê no seu Mar "um irmão inseparável" que, embora não sendo sempre leal, é imprescindível ainda hoje para o seu crescimento.
E muito temos nós a aprender com ele...
Imagem nº 8 - A Arte Xávega foi uma das maiores expressões que particularizam a ligação do Homem ao Mar. Estamos aqui perante uma forma tradicional de pesca, na qual um grupo de pescadores num barco a remos lança as redes, para cercar os cardumes, puxando aquelas mais tarde para a praia, com a ajuda de bois.
Foto da Embarcação "Mar de Esmoriz" da autoria de Normando Ramos
Vídeo nº 1 - Manancial de imagens sobre a Arte Xávega em Esmoriz.
Retirado do Youtube
Partilhado por Joaquim Fernando Barbosa da Fonseca
Vídeo nº 2 - Reportagem da SIC que tenta abordar um pouco sobre a história dos nossos "lobos do mar". Música de fundo de Leandro Cruz.
Retirado do Youtube
Partilhado por Rui Luz
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